
Inspirado na bioengenharia, o pesquisador chinês Chenghong Zhang desenvolveu um robô que imita o nado ondulatório da enguia, utilizando materiais inteligentes capazes de se deformar com estímulos elétricos. Com estrutura flexível e leve, o autômato demonstrou desempenho superior ao de outros protótipos similares, abrindo caminho para aplicações em ambientes subaquáticos sensíveis ou de difícil acesso. O projeto, das universidades de Guiyang e Guizhou, ambas na China, foi divulgado na revista Plos One.
Chamado de "robô tipo enguia baseado em elastômeros dielétricos", o dispositivo foi desenvolvido com atuadores moles, ou seja, mecanismos capazes de gerar movimento a partir da deformação de materiais elásticos induzida por campos elétricos. Esses elastômeros dielétricos — também conhecidos como polímeros eletroativos — funcionam de maneira análoga a músculos artificiais. "Enguias são conhecidas por sua alta resistência ao nadar longas distâncias e pela habilidade de se movimentar com eficiência em espaços estreitos", justifica Zhang. "Nosso objetivo foi recriar essas características em um robô subaquático."
Módulos
O robô mede 27,3 cm de comprimento, pesa menos de 27 gramas e é composto por cinco módulos de propulsão, além de uma cabeça, uma cauda e uma nadadeira. O movimento é obtido por uma sequência de ondas sinuosas ao longo do corpo — padrão típico de nado das enguias — impulsionado por sinais elétricos alternados que ativam os elastômeros.
O sistema foi projetado de forma modular, permitindo a substituição de partes danificadas sem a necessidade de desmontar o robô por completo. Os testes foram realizados em um fluido isolante com características semelhantes às da água, mas sem condutividade elétrica, para evitar curto-circuitos.
Durante os experimentos, o robô atingiu a velocidade máxima de 43,7mm/s ao nadar com frequência de oscilação de 1,5Hz. O desempenho é superior ao do protótipo anterior mais eficiente, que alcançava. no máximo, 37,2 mm/s.
Além da velocidade, os testes avaliaram o número de nados, uma métrica que relaciona o deslocamento do corpo com o número de batidas da nadadeira. O valor ideal observado em peixes reais é de aproximadamente 0,6, mas o robô alcançou apenas 0,15 — indicando perda de eficiência devido ao descompasso entre corpo e cauda.
Desafios
Apesar do bom desempenho, o robô enfrenta desafios para se tornar funcional em aplicações reais. Um dos principais problemas é a necessidade de introduzir fluido na estrutura, o que aumenta significativamente o peso total — de 26,8 g para até 181 g, segundo as estimativas — e compromete o desempenho do nado.
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Outro ponto crítico observado foi o movimento exagerado da cabeça em comparação à cauda, o oposto do que acontece na natação natural de peixes. Esse comportamento decorre da distribuição inadequada de massa e rigidez ao longo do corpo do robô. "A vibração da cabeça deve ser contida, e a flexão do corpo precisa ser direcionada para a nadadeira, que é o principal ponto de geração de impulso", ressalta o autor. Para resolver esses problemas, o estudo sugere três medidas: otimizar o desempenho dos atuadores em altas frequências; desenvolver um design mais vedado contra entrada de líquidos, e ajustar a distribuição de massa e rigidez ao longo do autômato.
Potencial
A tecnologia de robôs macios subaquáticos tem sido apontada como uma das fronteiras mais promissoras da robótica. Por não possuírem partes rígidas cortantes ou pesadas, esses autômatos oferecem menor risco de dano ao meio ambiente, podendo interagir com organismos vivos ou estruturas frágeis sem causar impactos.
Robôs como o desenvolvido por Zhang podem ser empregados em uma ampla gama de tarefas, como monitoramento ambiental de lagos, rios e oceanos; inspeção de infraestruturas submersas, como tubulações, barragens e plataformas de petróleo; operações de busca e resgate em ambientes inundados ou colapsados; e exploração científica em zonas de difícil acesso, como cavernas ou fossas marinhas. O projeto foi financiado por dois órgãos da província de Guizhou: o Departamento de Educação e o Departamento de Ciência e Tecnologia.
Futuro
A biomimética — ciência que se inspira na natureza para criar tecnologias — está cada vez mais presente na robótica. O estudo de Zhang soma-se a esforços internacionais, como o do grupo Eelume, na Noruega, e do laboratório Biorob, na Suíça, que também desenvolvem robôs ondulatórios inspirados em serpentes e enguias.
Embora o protótipo precise ser aprimorado para uso em ambientes reais, os resultados já se destacam no campo da engenharia subaquática, afirma Zhang. "Com melhorias no design e no controle da propulsão, esse tipo de robô poderá se tornar uma ferramenta indispensável para missões subaquáticas do futuro", conclui.
Saiba Mais
Relevância em vários campos
O estudo de Chenghong Zhang sobre o robô tipo enguia baseado em elastômeros dielétricos tem grande importância científica e tecnológica por diversas razões, que abrangem desde avanços na robótica bioinspirada até aplicações práticas em ambientes subaquáticos desafiadores.
Avanço na robótica macia (soft robotics)
O uso de elastômeros dielétricos como atuadores representa uma inovação crucial na robótica macia, uma área que busca criar máquinas mais leves, flexíveis e seguras para interação com humanos, animais ou ecossistemas frágeis. O robô imita não apenas a forma da enguia, mas também seu padrão de nado ondulatório, reproduzido com sucesso por meio de materiais inteligentes. Isso demonstra o potencial desses materiais como substitutos viáveis para motores e engrenagens rígidas tradicionais.
Eficiência energética e propulsão biomimética
O robô adota um tipo de locomoção — o nado anguiforme — que, na natureza, é altamente eficiente em termos de consumo energético por distância percorrida. Replicar esse tipo de movimento em um sistema robótico pode resultar em dispositivos mais autônomos e duradouros, especialmente úteis para operações longas em ambientes onde a recarga de energia não é possível.
Aplicações em ambientes de difícil acesso
Com seu corpo flexível, leve e modular, o robô pode operar em locais que são inacessíveis ou perigosos para humanos ou robôs convencionais — como tubulações, cavernas submersas, destroços, áreas contaminadas ou zonas de risco ambiental. Isso abre possibilidades concretas para inspeção, manutenção, coleta de dados ou busca e resgate.
Contribuição à engenharia bioinspirada
O estudo reforça o valor da biomimética como caminho para resolver problemas de engenharia complexos. Ao observar e replicar as estratégias evolutivas de organismos como as enguias — que nadam com eficiência em ambientes variados — o trabalho aponta soluções técnicas que seriam difíceis de conceber por meio de métodos puramente mecânicos ou tradicionais.
Base para melhorias futuras
Embora ainda enfrente limitações — como o controle de fluido no interior e ajustes no padrão de nado — o estudo fornece um modelo funcional testado em ambiente experimental, o que o torna uma excelente base para refinamentos futuros. A proposta de ajustes na vedação, no controle da massa e na rigidez do corpo robótico indica caminhos claros para o desenvolvimento de versões mais robustas.
Impulso à pesquisa em robótica subaquática
Com o aumento da demanda por tecnologias sustentáveis e adaptáveis ao ambiente, robôs como este podem ganhar papel estratégico em áreas como exploração oceânica, monitoramento climático, preservação ambiental e pesquisa científica marinha (foto).
Novo joelho biônico melhora performance
Pesquisadores do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, desenvolveram um joelho biônico que pode ajudar pessoas com amputações a andar mais rápido, subir escadas e evitar obstáculos com mais facilidade do que com uma prótese tradicional. O protótipo foi publicado na revista Science.
Diferentemente das próteses em que o membro residual fica dentro de um encaixe, o novo sistema é diretamente integrado ao tecido muscular e ósseo do usuário. Isso permite maior estabilidade e proporciona mais controle sobre o movimento do joelho biônico. Participantes de um pequeno estudo clínico também relataram que o membro parecia mais parte do próprio corpo, em comparação com pessoas que passaram por amputações tradicionais.
"Uma prótese integrada ao tecido — ancorada ao osso e controlada diretamente pelo sistema nervoso — não é meramente um dispositivo separado e sem vida, mas sim, um sistema cuidadosamente integrado à fisiologia humana, oferecendo um nível maior de incorporação protética", afirma Hugh Herr, autor senior do estudo. "Não é simplesmente uma ferramenta que o ser humano utiliza, mas sim, uma parte integrante de si", diz o cientista, que desenvolveu o projeto com o candidato a PhD Tony Shu.
Em uma amputação tradicional, pares de músculos que se alternam entre alongamento e contração são geralmente seccionados, interrompendo a relação agonista-antagonista normal dos músculos. Essa abordagem torna muito difícil para o sistema nervoso perceber a posição de um músculo e a velocidade de sua contração.
Na nova técnica cirúrgica, conhecida como interface mioneuronal agonista-antagonista (AMI), os pares de músculos são reconectados durante a cirurgia para que ainda se comuniquem dinamicamente entre si dentro do membro residual. O feedback sensorial ajuda o usuário da prótese a decidir como mover o membro e também gera sinais elétricos que podem ser usados para controlá-lo.
Controle
Os pesquisadores desenvolveram um procedimento para inserir uma haste de titânio no osso residual do fêmur no local da amputação. O implante permite melhor controle mecânico e suporte de carga do que uma prótese tradicional. Além disso, contém 16 fios que coletam informações de eletrodos localizados nos músculos do AMI dentro do corpo, o que permite uma transdução mais precisa dos sinais provenientes dos músculos.
O sistema integrado ao osso, conhecido como e-OPRA, transmite os sinais do AMI para um novo controlador robótico desenvolvido especificamente para o estudo. As informações são usadas para calcular o torque necessário para mover a prótese da maneira que o usuário deseja. "Todas as partes trabalham em conjunto para melhor inserir e retirar informações do corpo e interagir mecanicamente com o dispositivo", diz Shu. "
O procedimento de IAM agora é realizado rotineiramente em pacientes com amputações abaixo do joelho no Hospital Brigham and Women's, em Boston, e Herr espera que em breve se torne o padrão também para amputações acima dessa parte do corpo. O sistema combinado de OMP precisará de ensaios clínicos mais amplos para receber a aprovação para uso comercial, o que pode levar cerca de cinco anos.