
Uma nova tecnologia, desenvolvida por cientistas da Universidade do Missouri, promete transformar a forma como exames cardíacos por ressonância magnética são realizados, tornando-os mais rápidos, confortáveis e precisos. O sistema, batizado de TagGen, é um modelo assistido por inteligência artificial (IA) capaz de converter imagens borradas e de baixa resolução em registros nítidos e detalhados, otimizando o diagnóstico de doenças cardíacas e reduzindo drasticamente o tempo necessário para o exame. O estudo foi publicado na revista científica Magnetic Resonance in Medicine.
Hoje, uma ressonância magnética do coração pode durar entre 30 e 90 minutos. Durante o procedimento, o paciente precisa prender a respiração, alterando os batimentos cardíacos, para que o equipamento consiga capturar imagens com o mínimo de interferência do movimento torácico. Ainda assim, o resultado nem sempre é ideal: qualquer movimentação, mesmo que pequena, pode comprometer a nitidez das imagens e dificultar a análise médica.
É nesse cenário que o TagGen se destaca. Criado em parceria pelas escolas de Medicina e Engenharia da universidade, o modelo utiliza inteligência artificial (IA) para melhorar significativamente a qualidade das imagens obtidas em escaneamentos rápidos, realizados em apenas três batimentos cardíacos. O que representa uma economia de tempo de até 90%, além de maior conforto e segurança para os pacientes.
"O maior problema com exames borrados é que há pouquíssimas maneiras de recuperar os detalhes perdidos. A nitidez das imagens é essencial para identificar movimentações anormais e eventuais disfunções cardíacas que poderiam passar despercebidas", explica Changyu Sun, pesquisador responsável pelo projeto, que atua como professor assistente de radiologia e engenharia biomédica na instituição, além de integrar o centro de inovação em saúde NextGen.
Testes
Para o estudo, foram analisados dados de perfusão com contraste dinâmico (DCE) coletados de 47 pacientes com doença cardíaca usando protocolos clínicos padrão de ressonância magnética no Hospital Universitário de Missouri e Columbia. Os pacientes foram divididos em três grupos para avaliação, tudo mantido sob sigilo.
Os resultados mostraram melhorias significativas na qualidade da imagem em boa parte dos pacientes, sobretudo em nove deles, que apresentaram os melhores resultados na qualidade de imagens e nas reações de comportamento.
Alto nível
A tecnologia utiliza um método de super-resolução baseado em difusão generativa, uma abordagem inovadora no campo da reconstrução de imagens médicas. Na prática, isso significa que o algoritmo consegue recriar e aprimorar padrões visuais a partir de dados incompletos ou imprecisos, oferecendo aos profissionais da saúde imagens mais definidas, com marcadores mais claros e estruturas mais fáceis de interpretar.
Esses marcadores, ou grades de rastreamento muscular, são essenciais para acompanhar o movimento do coração e detectar áreas que não estão se contraindo adequadamente — o que pode indicar a presença de cicatrizes, danos musculares ou disfunções que afetam a capacidade de bombeamento do órgão. Sem essas referências visuais, a análise fica comprometida, o que pode atrasar ou até mesmo inviabilizar diagnósticos precoces.
Além de acelerar o exame e melhorar a precisão das imagens, o TagGen traz benefícios financeiros e operacionais. Com menor tempo de escaneamento, os custos com o uso do equipamento diminuem, permitindo que mais pacientes sejam atendidos em menos tempo, o que é especialmente relevante em centros médicos de grande demanda. Isso também reduz o desgaste dos aparelhos e melhora a produtividade das equipes de radiologia.
Outro aspecto importante destacado pelos pesquisadores é o impacto sobre a experiência do paciente. "Para muitas pessoas, especialmente aquelas com doenças respiratórias ou mobilidade reduzida, prender a respiração durante exames longos é extremamente difícil. Com o TagGen, conseguimos obter imagens de qualidade muito superior com apenas três batimentos cardíacos, minimizando o desconforto e o risco durante o exame", afirma Sun.
Perspectivas
O projeto ainda está em fase de aprimoramento, mas os resultados obtidos até agora são promissores. A equipe da Universidade do Missouri trabalha atualmente na expansão da tecnologia para outros tipos de exames, como a ressonância magnética cerebral e tomografias computadorizadas (TC), além de aplicar o modelo em contextos clínicos mais amplos. O objetivo final é desenvolver um sistema de IA altamente generalizável, capaz de melhorar a qualidade de qualquer imagem médica obtida em condições subótimas.
Esse tipo de inovação representa uma convergência cada vez maior entre medicina e ciência computacional. Ao integrar o conhecimento clínico com o potencial analítico da IA, iniciativas, como o TagGen, demonstram que a tecnologia pode otimizar procedimentos médicos, tornando os diagnósticos mais rápidos, precisos e acessíveis.
*Estagiária sob supervisão
de Renata Giraldi
Como a inovação funciona
A TagGen é uma tecnologia que usa inteligência artificial para melhorar os resultados da ressonância magnética cardíaca. A ferramenta consegue gerar imagens nítidas e detalhadas usando apenas três batimentos cardíacos. O funcionamento do modelo se baseia em inteligência artificial (IA) chamada difusão generativa, que reconstrói e aperfeiçoa as imagens, corrigindo distorções causadas por movimentos. Além de acelerar o exame, melhora a visualização de áreas do coração que não estão funcionando corretamente, tornando o diagnóstico mais preciso. Isso beneficia tanto pacientes quanto profissionais, ao reduzir o tempo, o desconforto e os custos do exame.
DUAS PERGUNTAS para Bernardo Kremer, cardiologia intervencionista, da Rede Medical
Bernardo Kremer, cardiologia intervencionista da Rede Medical
O senhor vê a possibilidade desse aparelho, capaz de fazer o exame em substituição à ressonância magnética, estar em breve no Brasil?
Atualmente, é pouco provável que esse tipo de tecnologia chegue ao Brasil em curto prazo e de forma ampla. No próprio artigo citado, os testes foram realizados com apenas 50 pacientes, o que, do ponto de vista médico, é uma amostra muito pequena. O próprio autor do estudo reconhece que a tecnologia ainda precisa ser aprimorada. Além disso, antes de qualquer aplicação clínica, ela precisará passar por diversas etapas de validação, aprovação por órgãos reguladores e instâncias governamentais — o que naturalmente leva tempo. Mesmo quando essas inovações são lançadas no exterior, ainda há uma demora considerável para que cheguem ao Brasil. Normalmente, os custos iniciais são elevados, o que restringe o acesso, especialmente fora da iniciativa privada. Só após o amadurecimento da tecnologia e da redução de custos é que ela tende a ser mais amplamente incorporada. Vale lembrar que essa não é uma solução única e definitiva — há diversas iniciativas envolvendo inteligência artificial na radiologia sendo testadas para melhorar a qualidade e eficiência dos exames.
Na sua avaliação, é possível ter esse tipo de tecnologia de ponta acessível a todos ou ficará restrita?
Essa tecnologia não substitui a ressonância magnética, mas atua como um aprimoramento do exame. Ela utiliza inteligência artificial para melhorar a qualidade das imagens obtidas e corrigir falhas que podem ocorrer durante a realização do procedimento. Por exemplo, a ressonância exige que o paciente prenda a respiração por um tempo específico. Quando isso não é feito corretamente, surgem os chamados artefatos de movimento, que comprometem a imagem e dificultam a análise. A inteligência artificial tem sido aplicada justamente para corrigir esse tipo de distorção, melhorar a visualização e até reduzir o tempo total do exame. Embora essa tecnologia represente um avanço importante, sua aplicação inicial tende a ser limitada à iniciativa privada, devido ao alto custo e à infraestrutura necessária. Só com o tempo, e após validações mais amplas, é que ela poderá ser incorporada de forma mais acessível, inclusive, em sistemas públicos de saúde.(RB)