Mobilidade

Jogos virtuais ajudam pacientes a terem mais acessibilidade

Ferramenta faz adaptações para pessoas com mobilidade reduzida por meio do sistema motionBlocks, que transforma pequenos gestos em comandos complexos, ampliando o acesso à VR, estimulando a reabilitação e a inclusão social

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Com o aparelho, pessoas com limitações físicas conseguem desfrutar de jogos, como Beat Saber e Space Pirate Trainer  -  (crédito: Universidade de Waterloo)
Com o aparelho, pessoas com limitações físicas conseguem desfrutar de jogos, como Beat Saber e Space Pirate Trainer  - (crédito: Universidade de Waterloo)
postado em 09/06/2025 04:50

Pesquisadores da Universidade de Waterloo, no Canadá, criaram um sistema que amplia o acesso à realidade virtual, utilizando um aparelho que se assemelha a um grande óculos, para usuários com mobilidade limitada. A tecnologia, chamada MotionBlocks, permite adaptar os controles de jogos imersivos às capacidades motoras de cada indivíduo, facilitando a interação em plataformas que, até então, excluíam parte da população. Os jogos populares, como Beat Saber e Space Pirate Trainer, normalmente exigem movimentos corporais amplos, como erguer os braços acima da cabeça ou realizar passos laterais rápidos. Tais exigências tornam esses jogos inviáveis para pessoas que usam cadeiras de rodas ou enfrentam dificuldades motoras. Pensando nisso, a equipe canadense desenvolveu uma abordagem flexível que personaliza a forma como comandos físicos são interpretados nos ambientes virtuais.

O projeto foi construído em três etapas. Na primeira fase, foram reunidos 10 participantes com mobilidade reduzida para entender as principais limitações e ouvir sugestões. Em seguida, criaram o MotionBlocks, capaz de traduzir gestos simples — como um pequeno círculo com o braço sobre uma mesa — em comandos complexos exigidos por jogos que pedem grandes movimentos. A terceira fase consistiu em testes com outros oito voluntários, cujos relatos foram amplamente positivos.

"Os jogos de realidade virtual são muito divertidos e são espaços sociais importantes, especialmente para as gerações mais jovens", destacou Johann Wentzel, principal autor do estudo e recém-formado em ciência da computação. "Assim que você tem um aplicativo que não é acessível a todos, você está excluindo funcionalmente pessoas com deficiência desses espaços sociais."

A ferramenta ainda não será comercializada, mas a expectativa dos desenvolvedores é que a indústria adote a proposta como modelo de acessibilidade. "Gostaria de ver um recurso de acessibilidade por movimento como este integrado a todos os sistemas de realidade virtual do mercado", afirmou Wentzel. "Todos merecem poder acessar a realidade virtual de uma forma que atenda às suas necessidades", acrescentou. "É um pouco como os videogames tradicionais permitem que você mapeie seus controles, mas nosso método é muito mais personalizável e funciona no espaço 3D", afirmou o professor Daniel Vogel, da Escola de Ciência da Computação David R. Cheriton.

Impactos 

Especialistas brasileiros reconhecem o impacto da inovação. Para a médica neurologista Márcia Silva Santos Neiva, coordenadora de neurologia da Rede D'Or em Brasília, a tecnologia pode transformar o cenário da reabilitação: "Ao adaptar os movimentos virtuais para aquilo que cada pessoa consegue fazer na vida real, a tecnologia respeita os limites sem deixar de desafiar o cérebro. Esse processo estimula a chamada neuroplasticidade — a capacidade do cérebro de se reorganizar e criar novas conexões."

Segundo a médica, os benefícios vão além da interação motora. "Jogos como Beat Saber fazem uma verdadeira orquestra cerebral entrar em ação. Áreas motoras, cerebelo, visão, coordenação espacial e até o sistema de recompensa do cérebro, responsável pela motivação, são ativados. Mesmo com adaptações para menor mobilidade, essa rede continua ativa, garantindo efeitos os quais ainda conhecemos pouco, mas que entendo serem imensos."

A inclusão promovida por esse tipo de tecnologia pode ter repercussões importantes na saúde mental. "Participar de jogos e espaços sociais em realidade virtual ajuda a combater a solidão e o isolamento, que tanto afetam a saúde mental de pessoas com deficiência. Neurologicamente, isso se traduz em mais atividade nas áreas ligadas ao prazer e ao pertencimento, com liberação de substâncias como a dopamina", explicou.

Para Neiva, a aplicação clínica da realidade virtual adaptada é mais que uma possibilidade: "Acredito, e diria mais: vislumbro esse futuro como uma inevitabilidade luminosa. A realidade virtual adaptada já desponta em centros pioneiros como ferramenta na reabilitação do AVC, de lesões medulares e até em doenças neurodegenerativas em fases iniciais."

A fisioterapeuta Elisângela Santos Uchôa, especialista em fisioterapia do trabalho, também vê na realidade virtual um instrumento benéfico, mas ressalta obstáculos: "Acredito que pode se tornar comum. Inclusive, há profissionais que possuem instrumentos parecidos, jogos interativos. O que torna difícil a popularização é o custo, não só do jogo, mas de incorporar isso ao atendimento. Já que é um atendimento super personalizado que demanda tempo e exclusividade. Talvez esse seja o desafio: torná-lo acessível ao público."

Para Elisângela Uchôa, a adoção em larga escala depende de integração com serviços públicos: "Se isso é incorporado ao Sistema Único de Saúde, ou em hospitais, como o Sarah Kubitschek, que é especialista em pacientes com trauma raquimedular e outras disfunções neurológicas, aí sim, torna-se acessível ao público, como os paraplégicos e com outras hipo mobilidades."

Segundo a fisioterapeuta, a sensibilidade tecnológica também é apontada como fator determinante. "Em relação aos desafios com pacientes com mobilidade reduzida, seria necessário ter essa realidade virtual a um ponto bastante sensível para captar os mínimos movimentos do paciente para que ele interaja. E é claro, sempre será necessário uma intervenção de técnicas manuais da fisioterapia para estimular os movimentos", disse ela.

A especialista elogia o uso combinado de técnicas tradicionais com inovação digital. "Existe a técnica de Kabat na fisioterapia, que estimula e muito o sistema nervoso, promovendo a contração muscular e a coordenação. E seria excelente realizar a técnica mesmo antes de abordar o paciente com a realidade virtual. Sem dúvida, a realidade virtual tem como objetivo contribuir com o paciente e a fisioterapia, já que traz a questão lúdica, visual, sonora, estímulos que são interessantes sob o ponto de vista da reabilitação."

Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

TRÊS PERGUNTAS PARA...

 18/03/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Mulheres que atuam em cargos de chefia na linha de frente da saúde. Vamos entrevista Dra Luciana Barbosa, neurologista do Hospital Sírio-Libanês
LUCIANA BARBOSA, coordenadora da Neurologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília. (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

LUCIANA BARBOSA, coordenadora da Neurologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília.

A possibilidade em plataformas de realidade virtual pode contribuir para a inclusão social e o bem-estar mental de pessoas com deficiência? Como isso se manifesta neurologicamente?

Sim, a acessibilidade nas plataformas de realidade virtual pode favorecer significativamente a inclusão social e o bem-estar mental de pessoas com deficiência. Isso ocorre porque esses ambientes proporcionam interações sociais, experiências imersivas e sensações de autonomia, mesmo em contextos de limitação física. Neurologicamente, essa inclusão se manifesta por meio da ativação de áreas cerebrais ligadas à recompensa (como o sistema dopaminérgico), à empatia, ao prazer e à redução do estresse, além de contribuir com o fortalecimento das redes neurais associadas à cognição social e à motivação. Contudo, é importante ressaltar que essas experiências devem ser adaptadas e acompanhadas por profissionais (como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais ou educadores físicos), especialmente em casos de condições neurológicas mais complexas (como epilepsia ou demência), garantindo segurança e eficácia.

A personalização dos movimentos na realidade virtual pode estimular a neuroplasticidade em pacientes com limitações físicas?

A personalização dos movimentos na realidade virtual permite que os exercícios sejam adaptados às capacidades e necessidades específicas de cada paciente, respeitando suas limitações físicas. Isso é essencial para promover a neuroplasticidade, pois, ao criar estímulos motores personalizados e controlados, a realidade virtual ativa áreas cerebrais motoras que, muitas vezes, não seriam estimuladas com os métodos convencionais de reabilitação. Além disso, o uso da realidade virtual melhora a adesão ao tratamento, reduz a fadiga e aumenta a motivação, o que potencializa os efeitos neoplásticos e o aprendizado de novas habilidades motoras.

Quais áreas do cérebro são mais ativadas durante o uso de jogos de realidade virtual como o Beat Saber, mesmo em versões adaptadas para menor mobilidade?

Durante o uso de jogos de realidade virtual como o Beat Saber, mesmo em versões adaptadas para pessoas com mobilidade reduzida, diversas áreas do cérebro são ativadas simultaneamente. O córtex motor primário e o córtex pré-motor são estimulados pelo planejamento e pela execução dos movimentos, ainda que sutis. O córtex visual é intensamente ativado pelo processamento de estímulos visuais rápidos e precisos, enquanto o córtex auditivo responde à música e aos sons rítmicos do jogo. Além disso, o córtex pré-frontal participa ativamente da atenção, da tomada de decisões rápidas e do controle cognitivo. O cerebelo também desempenha um papel importante na coordenação e no ajuste dos movimentos. Essa combinação de estímulos visuais, auditivos, motores e cognitivos promove um ambiente ideal para o engajamento neural e o estímulo da neuroplasticidade, o que é especialmente benéfico em contextos de reabilitação.

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