
A adoção de animais adultos — especialmente aqueles com mais de 1 ano — segue como um desafio. Embora o Brasil seja o segundo país com maior população pet do mundo, com mais de 84 milhões de animais de companhia, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), a preferência por filhotes ainda predomina. Outro ponto crítico: mais de 80% dos animais abandonados no país são adultos, pressionando abrigos já lotados e limitando novas entradas.
No Abrigo Flora e Fauna (@abrigofloraefauna), localizado no Núcleo Rural Ponte Alta, no Gama, a lotação é uma realidade diária. O espaço trabalha com adoções na 108 Sul e no próprio abrigo aos fins de semana, sempre mediante questionário e termo de responsabilidade. Todos os adultos já saem castrados — uma forma de facilitar a adaptação ao novo tutor. Apesar disso, o retorno de cães idosos ainda é um problema. "Cachorros adultos são devolvidos com o discurso de dificuldade de cuidar de animais mais velhos", relata Wellington Fabiano, vice-presidente do abrigo.
Em Ceilândia, o Lar dos Anjos (@lardosanjospet) abriga mais de 400 cães e também enfrenta dificuldades. A adoção passa por entrevista, avaliação de moradia, rotina e renda familiar, além de acompanhamento posterior via WhatsApp. Alessandra Alves, administradora do projeto, explica que o comportamento do público mudou lentamente. "Os casais são os que mais procuram pets adultos, por sentirem mais familiaridade com eles", afirma. Ainda assim, características físicas e preconceitos influenciam. "Animais peludinhos, de porte médio e branquinho sempre chamam atenção. Já a cadela caramelo, que sempre posto, não consigo adotar de jeito nenhum. É um milagre quando conseguimos doar um idoso."
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A Maternidade Felina (@maternidadefelina), fundada após o abandono de uma ninhada, em 2019, cresceu com parcerias em lojas e feiras de adoção. Sem abrigo físico, os voluntários acolhem em casa — e muitas vezes ultrapassam o limite. "Somos mais de 60 protetores no DF inteiro. Gatinhos adultos, idosos ou portadores de FIV ou FeLV demoram mais para serem adotados", conta a presidente, Juliane Araripe. O caso mais simbólico é o de Suzuki, um gato FeLV positivo que está há quatro anos aguardando um tutor. Segundo Juliane, adultos raramente saem em feiras. "É bem raro um adulto ser adotado numa feira de adoção. Infelizmente, é bem mais complicado", lamenta.
No Resgatos Pingados (@resgatos.pingados), ONG que trabalha com lares temporários para felinos, a adoção responsável exige entrevista, entrega supervisionada e ausência de rotas de fuga. A preferência por filhotes se repete — principalmente pela crença de que a adaptação com outros gatos seria mais fácil. "Existe uma grande dificuldade na adoção de gatos FIV ou FeLV positivos, pelo estigma que essas doenças carregam", explica a equipe. Além disso, gatos tímidos são os que mais "sobram". Devoluções também acontecem: mudança de endereço e falta de paciência no período de adaptação lideram as justificativas.
Adotar adultos exige planejamento
Para a médica veterinária Vitória Freitas, receber um pet adulto em casa traz particularidades importantes. Como muitos não possuem histórico conhecido, a primeira consulta costuma incluir avaliação geral, testes laboratoriais e exames para doenças infecciosas.
"Nos primeiros dias, é comum que o animal fique quieto, esconda-se ou apresente alterações de apetite. O tutor deve oferecer rotina estável e espaço tranquilo", orienta. O reforço positivo, segundo ela, é essencial para lidar com possíveis traumas.
Sobre imunização, Vitória alerta: se o histórico vacinal for desconhecido, vale iniciar todo o protocolo novamente, incluindo antirrábica e vermifugação, com reforço após 15 dias. Em Brasília, região endêmica de leishmaniose, o uso de repelentes é indispensável.
Preconceitos persistem
A recusa por animais pretos, idosos, tímidos ou com doenças crônicas se repete entre as ONGs. A "beleza padrão" ainda direciona escolhas, atrasando a adoção de perfis considerados menos "atraentes". Apesar disso, movimentos de conscientização vêm ganhando força — e as organizações relatam queda gradual da rejeição.
Enquanto filhotes conquistam rapidamente novos tutores, adultos e idosos permanecem meses — às vezes anos — esperando. Para os protetores, a conta é simples: adotar um animal adulto não só salva uma vida, como abre espaço para o resgate de outra.
Feiras, entrevistas e triagens detalhadas ajudam a evitar devoluções, mas o compromisso final é sempre do adotante. Com paciência, rotina, consultas veterinárias e compreensão, adultos se mostram tão afetuosos quanto filhotes — e, muitas vezes, até mais tranquilos.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

Revista do Correio
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