
Responsável por cerca de 10% dos cânceres hematológicos, o mieloma múltiplo surge quando plasmócitos — células responsáveis pela produção de anticorpos — passam a se multiplicar de forma desordenada dentro da medula óssea. Esse processo compromete a fabricação de glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas, aumentando o risco de fraturas espontâneas, infecções, anemia grave e níveis elevados de cálcio no sangue.
Por serem sinais facilmente confundidos com problemas comuns, principalmente ortopédicos, o diagnóstico costuma ocorrer tardiamente, o que torna exames laboratoriais e de imagem essenciais para detectar a doença antes que provoque danos irreversíveis ao esqueleto e aos rins. No pais, o tumor apresenta cerca de 7 mil novos casos por ano.
A mielofibrose, por sua vez, pertence ao grupo das neoplasias mieloproliferativas e ocorre quando a medula óssea passa a ser gradualmente substituída por tecido fibroso, perdendo a capacidade de produzir células sanguíneas em quantidades adequadas. Como tentativa de compensação, órgãos como baço e fígado podem aumentar de tamanho. Por se desenvolver de forma lenta e silenciosa, muitos pacientes recebem o diagnóstico em fases mais avançadas, quando há maior comprometimento da qualidade de vida.
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Tanto na mielofibrose quanto no mieloma múltiplo, o diagnóstico tardio é um desafio global. Isso ocorre porque dores ósseas, fraqueza e alterações no hemograma frequentemente são atribuídas a causas mais comuns, como deficiências nutricionais, infecções ou desgaste musculoesquelético. Entretanto, mudanças persistentes em exames de sangue, aumento progressivo do baço, alterações renais sem motivo aparente e quadros recorrentes de anemia acendem o sinal de alerta para uma investigação hematológica completa. O encaminhamento precoce ao especialista faz diferença especialmente porque certos tratamentos só são realmente efetivos quando iniciados antes de danos estruturais.
Avanço na pesquisa
Nos últimos anos, estudos clínicos têm revolucionado o tratamento dos cânceres hematológicos. No caso do mieloma múltiplo, pesquisas vêm desenvolvendo terapias cada vez mais específicas, como anticorpos monoclonais, drogas imunomoduladoras e novas combinações de medicamentos. Esses estudos têm permitido acesso a protocolos terapêuticos inovadores e ajudado a compreender melhor os perfis genéticos da doença na população brasileira, contribuindo tanto para maior sobrevida quanto para a redução de efeitos adversos.
Diagnóstico
"Temos um exame de sangue simples, a eletroforese de proteínas, que muitas vezes não é solicitado pelos médicos, mas que pode ajudar muito na suspeita de diagnóstico da doença. Os médicos medicam, mas não exploram a causa, o que dificulta o diagnóstico", explica a hematologista Vânia Hungria, coordenadora do International Myeloma Foundation Latin America (IMF-LA) e uma das referências no Brasil. Mesmo com os avanços da medicina, o mieloma múltiplo ainda não tem cura. Os pacientes costumam apresentar recaídas frequentes, e os resultados dos tratamentos tendem a piorar a cada nova etapa terapêutica, o que reforça a importância de ampliar o acesso às novidades que chegam ao mercado.
Novidades no tratamento
Estudos clínicos internacionais têm ganhado destaque e incluído participação expressiva do Brasil. Ensaios como os DREAMM-7 e DREAMM-8 avaliaram o novo medicamento belantamabe mafodotina, recentemente aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), demonstrando redução no risco de progressão da doença e abrindo novas possibilidades terapêuticas para pacientes recaídos ou refratários.
Transplante
Novos compostos estão sendo avaliados em estudos clínicos e buscam oferecer controle mais duradouro dos sintomas e melhora da anemia, um dos aspectos mais desafiadores no manejo da condição. Além disso, o transplante de medula óssea segue sendo o único tratamento potencialmente curativo para pacientes com mielofibrose de alto risco, e melhorias nos protocolos têm ampliado a taxa de elegibilidade e reduzido complicações.
Dados nacionais sobre mielofibrose
Afeta cerca de 100 mil habitantes
1.556 óbitos, de 2018 a 2022
Classificação e progressão
Mielofibrose primária (MPF): ocorre espontaneamente
Mielofibrose secundária: evolução de outras neoplasias mieloproliferativas (como a policitemia ou trombocitemia)
Perfil dos pacientes
Idade média do diagnóstico: 70 anos
Maior prevalência em homens
Sintomas
Perda de peso
Ficar ofegante ao realizar atividades simples
Fadiga
Sudorese noturna
Coceira
Febre
Citopenia
Esplenomegalia
Insuficiência renal
Dor abdominal e saciedade precoce
Dor óssea
Palavra do especialista
Quais sinais e sintomas devem alertar o paciente a procurar um hematologista e em que momento o encaminhamento é mais indicado?
Os sinais de alerta incluem anemia persistente, dor óssea nova ou progressiva, alterações inexplicadas no hemograma, alterações renais, aumento do baço ou fígado detectados em exames de imagem e sintomas constitucionais, como fadiga intensa, perda de peso e inapetência. Esses achados devem motivar uma avaliação especializada, principalmente quando não há outra causa evidente. O encaminhamento ao hematologista é recomendado assim que surgem alterações suspeitas, a partir de exames laboratoriais, sinais clínicos ou achados de imagem. A avaliação precoce é fundamental para prevenir danos a órgãos-alvo, otimizar o tratamento e aumentar as chances de resposta efetiva, evitando complicações que podem comprometer a qualidade de vida do paciente.
Por que o diagnóstico costuma ser tardio em muitos casos, quais exames são fundamentais para a identificação?
O diagnóstico costuma demorar porque os sinais iniciais podem se confundir com condições benignas e comuns, como infecções, osteoporose, hérnias de disco ou anemias por outras causas. Muitas vezes, o paciente passa por diferentes especialidades até que a suspeita seja levantada. Para confirmação diagnóstica, exames de sangue, avaliação da proteína monoclonal, biópsia de medula óssea e exames de imagem são fundamentais.
Como são definidos os estágios dessas doenças?
O estadiamento depende de critérios clínicos, laboratoriais, citogenéticos e moleculares. Ele não apenas estima a agressividade da doença, como ajuda a definir a melhor estratégia terapêutica. Identificar o paciente antes de danos severos é crucial, pois permite oferecer tratamentos mais eficazes e com menor risco. Conforme o estágio avança, há impacto no prognóstico, no nível de complicações e nas opções terapêuticas disponíveis — incluindo transplante de medula óssea.
Quando o transplante de medula óssea é indicado e como o atraso no diagnóstico pode impactar o tratamento e a sobrevida?
O transplante de medula óssea alogênico é indicado especialmente em casos de mielofibrose de alto risco e em pacientes com bom estado clínico. É um tratamento potencialmente curativo, especialmente para indivíduos com menos de 65 anos e sem doenças associadas que comprometam o procedimento. Quando o diagnóstico é tardio, o paciente pode já apresentar insuficiência renal, fraturas, anemia grave e risco aumentado de infecções no mieloma múltiplo. Na mielofibrose, há risco de debilitação progressiva que pode inviabilizar o transplante. Quanto mais precoce o diagnóstico, melhores são as condições físicas para receber terapias modernas, reduzindo complicações e aumentando a sobrevida.
Volney Vilela é médico hematologista, coordenador de hematologia e transplante de medula óssea do Hospital Sírio-Libanês em Brasília.
*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte
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