
Coloridas, delicadas e cheias de história, as miçangas voltaram a ocupar um lugar de destaque na moda contemporânea. O que antes remetia a colares de infância ou enfeites caseiros, agora surge reinterpretado nas passarelas, vitrines e redes sociais, em roupas, bolsas, sapatos e até alfaiataria. Mais do que um detalhe decorativo, o uso das miçangas, hoje, é um manifesto estético e político: o de valorizar o artesanal em meio à era do fast fashion. Mas como usar esses pontos coloridos?
"Pensar nas aplicações das miçangas de forma inusitada pode trazer um diferencial, como uma peça inteira feita delas, e não apenas nos detalhes", afirma o designer Christian Lopes Salvanha, fundador da marca paulistana Rever, focada em vestuário sustentável. Para ele, o segredo está na combinação de cores e na harmonia visual. "É o olhar atento para a composição que determina a estética da peça", completa.
Já o personal stylist Fernando Lackman enxerga nas miçangas um elemento de design, e não apenas de ornamentação. "Elas criam textura, brilho e movimento no tecido. Gosto quando aparecem em golas estruturadas, punhos ou barras de alfaiataria. É um detalhe que transforma o básico em algo único", explica.
O retorno das miçangas ao mundo da moda está diretamente ligado ao crescimento do slow fashion, movimento que valoriza o tempo de criação, a produção manual e o consumo consciente. "As miçangas representam o oposto da produção em massa. Cada peça bordada à mão carrega uma história, tempo e intenção", diz Lackman. Christian concorda: "A moda atual está olhando para o processo mais manual, na contramão do fast fashion. Isso gera renda, valoriza pequenos produtores e resgata o fazer artesanal".
E mais do que um adorno, o bordado com miçangas tem recebido o status de protagonista. Há coleções inteiras construídas em torno dessas pequenas esferas, ganhando grande escala e conceito, e dando a esse detalhe o papel principal das peças.
Com o avanço das mídias visuais, o efeito fotogênico das miçangas as tornou presença constante no Instagram e no TikTok. "Peças com miçangas fotografam bem e chamam atenção. Isso impulsiona o consumo de produtos artesanais e autorais", observa Lackman. A força desse impacto visual também democratizou o uso: o que antes parecia restrito a fantasias ou produções extravagantes agora se adapta a qualquer estilo.
Um dos momentos culturais que reacenderam o interesse pelas miçangas foi a febre das "pulseiras da amizade" nos shows da turnê The Eras Tour, de Taylor Swift. Feitas com miçangas coloridas e mensagens personalizadas, essas pulseiras se tornaram símbolo de afeto, troca e pertencimento entre fãs, e acabaram ultrapassando os estádios. Desde então, o gesto de montar e trocar pulseiras se espalhou pelas redes sociais, inspirando novas gerações a redescobrir o prazer do fazer manual, e reforçando o elo entre moda, memória e afeto.
Como usar
As possibilidades de uso são quase infinitas. No ambiente profissional, um toque de brilho sutil em uma gola ou uma bolsa estruturada pode modernizar o visual sem exageros. Já em um date, vale ousar com brincos coloridos, tops bordados ou saias com aplicações. "Tudo depende da personalidade de quem usa", lembra Christian. "Moda é posicionamento social e político."
Para quem tem medo do excesso, a dica é simples: harmonia e equilíbrio. "Escolha um ponto de destaque, pode ser uma bolsa, um cinto ou um sapato, e mantenha o resto do look neutro. A moda é livre, mas a combinação de cores continua sendo o segredo", recomenda o estilista da Rever.
O segredo está em pensar nas miçangas como elemento de design, e não apenas de decoração. "Dá para criar texturas, jogos de luz e movimento no tecido, aplicando-as em áreas estratégicas da roupa ou em acessórios. Gosto quando as miçangas são usadas em golas estruturadas, mangas, barras de alfaiataria ou até em sapatos", acrescenta Lackman.
Aquela ideia de que as miçangas são coisas infantis, usadas apenas nas pulseirinhas da amizade, já é uma leitura ultrapassada. O que antes era lúdico e adolescente, hoje é ressignificado com sofisticação. O truque, nesse caso, está na combinação: materiais nobres, design refinado e styling inteligente tiram qualquer traço infantil e colocam a miçanga num patamar contemporâneo, expressivo e até luxuoso.
Ao optar pelos acessórios, Fernando explica que a combinação é a solução: "As miçangas pedem mix! Misturar cores, tamanhos e texturas cria um efeito moderno e personalizado. O ideal é escolher um foco — colar, brinco ou bolsa — e deixar o restante do look mais neutro".
Entre ancestralidade e inovação
Além de beleza e delicadeza, a miçanga carrega séculos de história, símbolo de cultura e memória. "Existem registros de miçangas no Egito Antigo e, aqui no Brasil, muitas avós usavam para fazer enfeites de casa", lembra Christian. "Para mim, elas não remetem à infância, mas à ancestralidade."
Fernando reforça essa ideia, enxergando nas miçangas uma dualidade entre passado e futuro: "Elas são nostálgicas porque evocam o artesanal e o afeto, mas também são inovadoras quando reinterpretadas com novas tecnologias e proporções. É o elo perfeito entre tradição e modernidade."
Visualmente, as miçangas comunicam singularidade. Fugindo do "básico e mal feito", elas transformam o comum em expressão estética e cultural. Simbolicamente, evocam respeito por técnicas antigas e por comunidades que mantêm viva a arte do bordado manual.
Tendência com propósito
Hoje, as miçangas aparecem em coleções de moda praia, em biquínis e saídas de banho, mas também em looks urbanos, como jaquetas, cintos e bolsas estruturadas. Além do apelo estético, há um olhar cada vez mais consciente sobre os materiais usados. "Dependendo da matéria-prima, a miçanga pode se transformar em um produto ecologicamente responsável", ressalta Christian.
Mais do que uma tendência passageira, o retorno das miçangas representa uma mudança de mentalidade na moda: a de valorizar o tempo, o toque humano e a beleza das imperfeições. Como resume Lackman, "as pessoas querem vestir histórias, não apenas roupas".
*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte

Revista do Correio
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