
O diagnóstico de autismo, seja na infância, seja na vida adulta, transforma a rotina, a convivência e a percepção do mundo. Por isso, profissionais, empresas e espaços educacionais precisam ir além da tolerância à diversidade e se transformar a partir dela. O Brasil tem 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo o Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — número que pode ser bem maior por causa da dificuldade e da falta de diagnóstico. Equivale a 1,2% da população e revela uma realidade que pede mais do que empatia — exige preparo, informação e mudança de atitude.
A neuropsicóloga Renata Bitar, especialista e que vive no espectro, explica que, quando uma pessoa autista é exposta à rotina da sociedade, fica vulnerável a sobrecargas sensoriais. Com a sensibilidade aguçada, o cérebro processa os estímulos do ambiente de forma diferente. Sons, luzes, cheiros e até a movimentação ao redor são elementos que passam despercebidos para a maioria, mas podem ser sentidos com intensidade quase física por quem é autista.
Quando esses estímulos ultrapassam um certo limite, o sistema nervoso entra em modo de defesa. Surgem sinais típicos de sobrecarga, como irritação, suor excessivo, confusão, dificuldade para organizar os pensamentos, fala travada, choro ou agitação. "Esses sinais podem ser divididos em meltdown, uma crise mais explosiva; e shutdown, quando a crise envolve a retirada da pessoa", relata.
Por isso, Renata reforça que ambientes despreparados podem adoecer pessoas autistas, seja fisicamente, seja emocionalmente. Em contrapartida, locais e profissionais inclusivos geram impacto tão significativo que se tornam uma questão de saúde pública, oferecendo autonomia, qualidade de vida e dignidade.
"Essas alternativas funcionam como planos de segurança, protegendo o sistema nervoso das crises e permitindo que os autistas mostrem suas habilidades sem barreiras. Essas adaptações estruturais na sociedade são fundamentais e urgentes e, ao contrário do que muitos pensam, não são um luxo a ser conquistado," alerta a neuropsicóloga.
Renata reforça que, para que a inclusão avance com urgência, profissionais e empresas precisam se informar sobre o espectro autista e os níveis de suporte. Além disso, é essencial ouvir a pessoa neurodivergente sobre suas necessidades, respeitar sem questionar, sem infantilizar e sem reproduzir falas que contrariem o diagnóstico.
Do medo ao acolhimento
A ida a consultórios e clínicas médicas não é fácil para muita gente. Mas para uma pessoa com TEA, pode ser ainda mais desafiadora, afetando a rotina de crianças e adultos que estão no espectro. Sons de maquinários, luzes fortes e o visual das roupas médicas transformam procedimentos rotineiros em experiências estressantes e, muitas vezes, traumáticas.
Para mudar essa realidade, profissionais da saúde vêm adaptando seus espaços e métodos de atendimento. No consultório da dentista Luísa Ottoni, que também é neurodivergente, por exemplo, os pacientes recebem um atendimento calmo, especializado e detalhista, vindo de alguém que entende, na prática, o que o outro pode estar sentindo.
“Faço muita questão de explicar detalhadamente tudo o que será feito e quais instrumentos serão usados. Imprimo e plastifico cada um deles, colocando à frente da cadeira para que a criança visualize o passo a passo de cada momento. Isso tranquiliza muito”, explica.
A dentista também adota um comportamento adaptado, pensado tanto para ela quanto para os pacientes. “Para atender alguém, preciso estar tranquila. Uso tampões de ouvido para reduzir estímulos sensoriais. Para as crianças, temos óculos escuros, abafadores, espaço para brincadeiras e muitos brinquedos divertidos”, completa.
Segurança e empatia
O mesmo cuidado é aplicado por Paulo Sérgio Pinheiro, médico anestesiologista e cirurgião-dentista, que prioriza a comunicação visual, a ambientação calma e a atenção individual. Em sua clínica, todo o processo é pensado de ponta a ponta, desde a recepção até o atendimento.
“Temos uma recepção exclusiva que funciona como sala de regulação, pois, muitas vezes, a pessoa autista se desregula ao sair da rotina habitual", conta. Os agendamentos também são feitos com horários espaçados, para que o paciente tenha tempo de se adaptar. "Durante a avaliação prévia, conversamos com os familiares sobre rotina, preferências e gatilhos do paciente. Todo o ambiente é preparado para ser silencioso e seguro, com iluminação suave, ruído controlado e equipe treinada para lidar com comportamentos e sensibilidades típicas do autismo”, detalha.
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Paulo conta que a comunicação é adaptada ao nível de compreensão da criança. Quando isso não é suficiente, a anestesia entra como aliada. “Utilizamos histórias visuais, brinquedos, personagens e até sons familiares para tornar o ambiente menos ameaçador. Quando necessário, usamos protocolos de sedação ou anestesia cuidadosamente planejados, garantindo conforto e segurança para o paciente e tranquilidade para a família.”
O especialista também utiliza o protocolo seguro de sedação ambulatorial para múltiplos cuidados, como coleta de sangue, exames de imagem, corte de cabelo e até de unhas, procedimentos que podem ser desafiadores para pessoas neuroatípicas. O objetivo é reduzir o estresse e o sofrimento durante os procedimentos.
Para Paulo, que atua há mais de 30 anos na área da saúde, adaptar ambientes para pessoas neurodivergentes traz benefícios para todos: pacientes, famílias e profissionais. “Para o paciente e a família, significa respeito, dignidade e menos trauma. É a chance de vivenciar o cuidado da saúde sem medo, sem contenções e sem sofrimento. Para o profissional, representa crescimento humano e técnico, porque o atendimento exige sensibilidade, empatia e atualização constante”, finaliza.
E esse acolhimento, de fato, é primordial, sobretudo para os desafios diários que envolvem o convívio social, dilema que persiste, também, na rotina dos adultos autistas. Essa é a realidade da jovem Fernanda Martins, 19 anos, diagnosticada há mais de uma década com o TEA.
Mesmo com tantos obstáculos vividos até aqui, ela fala com orgulho sobre o caminho que tem percorrido nessa jornada de aceitação. “O caminho para o autoconhecimento e o amor-próprio é longo. Mas, com a ajuda de quem nos respeita e entende, da terapia e de uma rotina bem estruturada, conseguimos nos aceitar. E, finalmente, podemos ser livres. Hoje, me sinto aliviada”, conclui.
Beleza sem barreiras
Na sociedade, ainda há um preconceito de que pessoas neurodivergentes não podem ou não conseguem se cuidar — pensamento ultrapassado e discriminatório. Na verdade, o problema está nos profissionais e nos espaços que deveriam proporcionar esse cuidado, como salões, clínicas, restaurantes e spas, que muitas vezes não são imaginados para elas. Essa visão começa a mudar com a capacitação eficiente de profissionais de diversas áreas. Um exemplo é Hani Chiareli, cabeleireira especializada no atendimento a pessoas autistas.
Com aptidão natural para cuidar, Hani sempre foi apaixonada pelos processos de embelezamento. Após a chegada de bebês à família, uniu o amor pelo cuidado ao carinho pelo universo infantil em um único trabalho. Hoje, atua diretamente com crianças atípicas, oferecendo atendimento individualizado, no qual deixa os pequenos conduzirem o processo, sem seguir uma técnica rígida.
“Eu abordo a criança na direção que ela me dá e não com ferramentas pré-definidas. Quando se trata de uma criança autista, mesmo aquelas que já conheço e com quem conquistei confiança, cada dia é um dia novo. Elas chegam diferentes, dependendo do que viveram, se passaram por terapia ou por algum estresse. Então, meu atendimento é orgânico e exclusivo, respeitando sempre a sensibilidade e a forma como cada uma gosta de ser atendida”, explica.
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Hani se adapta à rotina de cada paciente e, em alguns casos, corta o cabelo até enquanto a criança dorme. O essencial, segundo ela, é manter uma comunicação afetiva, respeitando os limites e o tempo de cada pessoa. A paciência no atendimento e o entendimento sobre o espectro fazem com que desenvolva o trabalho com empatia e inclusão.
Mais do que comer, pertencer!
Longe de ser apenas uma necessidade fisiológica, o ato de comer, para muitos neurodivergentes, pode ser fonte de incômodo. Foi com essa percepção, e a partir da própria vivência com o filho, que Vinicius Longaray decidiu criar, em 2022, o Espetinho do Vini, um restaurante pensado para acolher pessoas dentro do espectro autista.
“Quando criei esse espaço, foi baseado nas minhas experiências com meu filho. Levei em consideração tudo aquilo que sentia falta em outros locais e trouxe para o nosso estabelecimento, principalmente empatia, amor e um bom atendimento com essas crianças”, conta.
Pai atípico de uma criança autista nível 1 e com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), Vinicius adaptou o restaurante de forma completa. “No primeiro projeto, fizemos várias mudanças. Fechamos a área externa com vidro, colocamos brinquedos sensoriais e abafadores de ruído”, detalha.
A pouca adesão à proposta na cidade de origem fez com que Vinicius reformulasse o negócio, mas sem perder o propósito. Hoje, o local já não tem toda a estrutura anterior, mas mantém o foco no acolhimento e na facilitação da rotina. “Temos um menu especial em que os responsáveis escolhem o que a pessoa mais gosta de comer, com um preço acessível e mais aderente ao paladar atípico e infantil, evitando também desperdícios e gastos desnecessários”, explica.
Mesmo com os desafios, Vinicius acredita que locais adaptados e inclusivos deveriam ser mais valorizados. Para ele, a verdadeira inclusão não está apenas nas estruturas, mas na forma como as pessoas acolhem quem é diferente, seja em espaços comerciais, religiosos ou institucionais.
“Se a criança não sentir confiança no local, ela não vai permanecer. Já fui a lugares humildes, mas com um atendimento e uma empatia enormes. Acho que o acolhimento e o amor que se transmite são fundamentais para facilitar a rotina das pessoas autistas”, conclui.
A psicóloga Luciana Garcia relembra que criar ambientes realmente inclusivos exige equilíbrio entre acolhimento e autonomia. O primeiro passo é entender que as diferenças sensoriais e emocionais não são fragilidades, mas características neurológicas reais. “Respeitar esses limites é o que permite que o autista ‘funcione melhor’, não o que o torna dependente”.
Autonomia para o adolescente
Com uma história cheia de amor e significado, Deolinda Maria Lopes da Rocha e Taciana Rocha, mãe e filha, criaram o Instituto EducaTEA, um espaço em que adolescentes e adultos no espectro autista e com deficiência intelectual (DI) são verdadeiramente acolhidos. Um ambiente real e seguro, onde eles podem praticar atividades do dia a dia e conquistar autonomia — algo essencial para uma vida plena e independente.
A ideia de criar a organização surgiu após o nascimento de Eduardo, filho de Taciana e neto de Deolinda. Com o crescimento do jovem, hoje com 19 anos, a mãe começou a perceber diferenças sutis entre ele e o irmão gêmeo e entendeu que havia algo a ser diagnosticado. A partir do diagnóstico de autismo, a família decidiu fundar o instituto, que atualmente conta com uma vertente voltada para adolescentes e jovens adultos, o EducaTeens.
O instituto funciona de forma organizada todas as terças e quintas, no Clube Ascade, em Brasília, com o apoio de uma equipe multidisciplinar formada por psicopedagogos, psicólogos, fisioterapeutas, psicomotricistas e nutricionistas. As atividades oferecidas incluem oficinas profissionalizantes, de culinária, atividades sensoriais, habilidades básicas, artes, habilidades sociais e diversos esportes. A instituição também realiza passeios semanais e colônias de férias.
“Nossa proposta é despertar o potencial de cada um por meio de oficinas, que são fundamentais para a independência e a interação social. E, como avó e mãe que somos, a segurança é nossa prioridade absoluta. Por isso, cada participante é acompanhado de perto por um profissional, garantindo um ambiente de confiança”, explica Deolinda.
Durante as atividades, que são alinhadas aos objetivos familiares e voltadas ao desenvolvimento de habilidades e autonomia, cada grupo conta com até cinco adolescentes e um profissional responsável pela oficina. O planejamento é feito com base nos objetivos terapêuticos e todos os encontros têm registros qualitativos e quantitativos para acompanhar a evolução dos participantes.
Embora o instituto desenvolva nos autistas uma autonomia essencial para facilitar a vida em sociedade, Deolinda afirma que a população em geral ainda precisa aprender a conviver com pessoas atípicas e a enxergar que elas têm o direito de participar da vida cotidiana como qualquer outra.
“As pessoas precisam compreender que autistas são sujeitos de direitos e merecedores de uma vida com mais oportunidades. Vemos olhares que se desviam quando eles pulam ou falam alto. Esse afastamento nasce da falta de informação. A maior contribuição que podemos oferecer é o conhecimento, apoiar as famílias, combater a desinformação e desarmar o preconceito. Porque uma sociedade que inclui e respeita a diversidade não é apenas mais justa para eles, ela se torna mais humana para todos nós”, conclui.
A verdadeira inclusão
Profissionais podem se capacitar e os ambientes podem ser adaptados, mas, segundo relatos de famílias que convivem com o espectro, a verdadeira inclusão vai muito além das estruturas físicas ou técnicas específicas. Facilitar a vida das pessoas autistas também envolve combater o preconceito, comunicar-se de forma clara, exercer empatia e evitar julgamentos.
Diagnosticada tardiamente, aos 36 anos, Ana Carolina do Vale Pinheiro explica que pessoas no espectro têm uma forma diferente de se comunicar e que cabe à sociedade aceitar essas diferenças e incluí-las de forma digna. “Não vamos nos comportar da mesma forma no trabalho, na escola, na faculdade ou na fila do supermercado. Somos autistas e vamos continuar sendo assim. Para uma convivência verdadeira, o que realmente precisa é aceitação. Se querem nos incluir de verdade, é assim que deve ser”, afirma.
Mayara Gurgel, mãe do pequeno Victor Gurgel, 8, também enfrenta preconceitos e invalidações em relação ao filho, diagnosticado com autismo nível 1 de suporte. “Ele fala, comunica-se, mas tem suas limitações, que são muitas, por sinal, e mesmo assim temos que ouvir que ele ‘não tem nada’, que é coisa da minha cabeça ou apenas frescura”, desabafa.
Para ela, empatia deveria ser um valor do cotidiano. “As pessoas precisam se informar sobre o assunto para acolher verdadeiramente. Empatia, sensibilidade e amor ao próximo devem estar presentes em todos os lugares”, defende. Mayara conta que os únicos espaços em que percebe inclusão de fato são terapias voltadas a pessoas com deficiência e hospitais, locais onde o filho nunca enfrentou discriminação.
Palavras que atravessam o espectro
Além dos retratos profissionais e das vivências familiares, a literatura traz reflexões importantes sobre a experiência de conviver com o autismo. O escritor Oswaldo Freire, 82 anos, diagnosticado com TEA, explica que criou o livro O desafiante mundo do autista com o objetivo de facilitar o entendimento do universo atípico, oferecendo uma fonte de informações para profissionais de saúde, educadores, familiares e cuidadores.
A obra conta com 44 capítulos, 1.068 páginas, 627 referências científicas e citações bibliográficas, além de 135 ilustrações, imagens, mapas conceituais e exercícios evolutivos. Ao longo de 10 anos, Oswaldo coletou dados e relatos ao lado de familiares, amigos e profissionais de diferentes áreas acadêmicas no Brasil, Austrália, Estados Unidos, Argentina, México, Canadá e França.
Mais do que discutir aspectos teóricos e científicos, o livro apresenta orientações práticas para lidar com os desafios do autismo no dia a dia. Ele aborda desde estratégias de prevenção e intervenção até temas como alimentação, exercícios físicos, sono e bem-estar geral.
Em um dos trechos, o autor reflete: “E a cura do transtorno do espectro autista? Enquanto a ciência não descobrir a causa e oferecer um medicamento específico, o melhor remédio será conviver com a pessoa com essa disfunção neurobiológica. Primeiro: prevenção, que evita o agravamento da sintomatologia do TEA e de outras situações correlatas. Segundo: paciência, um pequeno passo de cada vez. Terceiro: estimulação por meio das terapias mais eficientes. E quarto, e mais importante: o amor, que promove a união entre as pessoas, respeitando a neurodiversidade. Assim, exalto os valores humanos. Se o TEA não tem cura, vamos cuidar dos nossos ‘teanos’.”
Importância da identificação
Para facilitar a rotina e tornar a sociedade mais acolhedora, o uso de colares de identificação é uma ferramenta importante. Eles ajudam a sinalizar, em locais públicos, como aeroportos, supermercados, escolas e serviços de saúde, que aquela pessoa pode precisar de mais tempo, paciência ou um suporte diferenciado.
Atualmente, existem três variações desses cordões: o de girassóis, o de símbolo do infinito colorido e o de quebra-cabeça. Cada um deles carrega um significado e um objetivo específico.
O cordão de girassóis foi criado para identificar pessoas com deficiências não aparentes, que muitas vezes enfrentam julgamentos por comportamentos atípicos ou dificuldades específicas. Ele é utilizado por pessoas com autismo, TDAH, epilepsia, fibromialgia, transtornos de ansiedade e outras condições que não são visíveis a olho nu.
O símbolo do infinito colorido representa a neurodiversidade como um todo. Ele valoriza as diferenças e reconhece que existem múltiplas formas de funcionamento do cérebro, defendendo o direito de todas as pessoas serem compreendidas em sua singularidade. Esse cordão é usado por pessoas com TEA, TDAH, dislexia, discalculia e transtornos do processamento sensorial.
Já o quebra-cabeça simboliza a complexidade, a singularidade e os diferentes perfis dentro do espectro autista. Muitas crianças e adultos com autismo continuam se identificando com ele por costume, carinho ou representatividade.
Sofia Rezende de Castro, autista, reforça a importância desses cordões. Segundo ela, ao vê-los, a maioria das pessoas tende a ser mais compreensiva e colaborativa, especialmente prestadores de serviços ou pessoas com pouco conhecimento sobre TEA ou outras deficiências ocultas. "Comecei a usar há pouco tempo, mas já tem me ajudado muito", conta.
Ela observa, no entanto, que ainda há olhares preconceituosos. Por isso, acredita que a utilização dos cordões é essencial, pois ajuda outras pessoas a compreenderem comportamentos que poderiam ser julgados sem o colar. Sofia ressalta que, para adultos, o uso é ainda mais crucial, já que, no ambiente de trabalho, a compreensão tende a ser menor.
Viagem atípica
Viajar de avião pode ser um grande desafio para pessoas autistas. Felizmente, hoje já existem aeroportos inclusivos, com salas de regulação que minimizam a ansiedade e o desconforto durante ou após o voo.
O Aeroporto Internacional de Brasília possui um espaço especial, com recursos interativos, elementos táteis e uma área que simula o interior de uma aeronave. Localizado na sala de embarque doméstico, entre os portões 21 e 22, o local recebe até sete pessoas ao mesmo tempo.
O Aeroporto Internacional do Recife conta com luzes menos intensas, projeções nas paredes, sons de água corrente, piscina de bolinhas e almofadas reves- tidas com tecidos especiais. A sala funciona 24 horas na área de embarque norte, em frente ao portão B12 e comporta até quatro famílias simultaneamente.
Já a sala multissensorial do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, possui iluminação especial, painéis de atividades e mobiliário projetado para proporcionar conforto e qualidade. O espaço fica localizado na sala de embarque, próximo ao portão.
Somando-se a esses, há salas disponíveis nos aeroportos de Florianópolis, Galeão e Santos Dumont (RJ) e Natal. O Ministério de Portos e Aeroportos prevê a criação de mais unidades.
O que diz a lei?
No Brasil, existem conjuntos de leis que buscam garantir direitos básicos, dignidade, autonomia e acesso para pessoas com autismo. Essa rede de proteção se estende da Constituição até legislações específicas voltadas à neurodiversidade.
Segundo informações publicadas pela Secretaria de Estado da Família do Distrito Federal (SEF-DF), “Conheça os direitos das pessoas com autismo”, as pessoas com TEA têm direitos semelhantes aos demais cidadãos do país, garantidos pela Constituição Federal de 1988 e outras leis nacionais. Assim, crianças e adolescentes autistas possuem todos os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), e os maiores de 60 anos estão protegidos pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).
A Lei Berenice Piana (12.764/12) instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que garante diagnóstico precoce, tratamento, terapias e medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de acesso à educação, proteção social, trabalho e serviços que promovam igualdade de oportunidades.
A lei também estabelece que a pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, permitindo que seja amparada por legislações específicas de pessoas com deficiência, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), e por normas internacionais assinadas pelo Brasil, como a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (6.949/2000).
Sancionada em 8 de janeiro de 2020, a Lei 13.977, conhecida como Lei Romeo Mion, cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). A legislação surgiu para suprir a impossibilidade de identificar o autismo visualmente, que frequentemente gera obstáculos ao acesso a atendimentos prioritários e serviços a que os autistas têm direito, como vagas reservadas para pessoas com deficiência. O documento é emitido gratuitamente por órgãos estaduais e municipais.
De forma mais recente, tramita na Câmara dos Deputados uma Comissão Especial responsável pela criação do Estatuto da Neurodiversidade, também chamado de Estatuto do Autista. O colegiado, sob comando do deputado federal Fernando Marangoni (União Brasil-SP), visa unificar mais de 70 projetos de lei sobre neurodiversidade, formando uma política nacional de acolhimento e ampliação de direitos para pessoas com TEA.
A iniciativa prevê audiências públicas e consultas a especialistas, com o objetivo de consolidar ações voltadas à saúde, educação, assistência social e inclusão em todo o país. Entre as metas estão o diagnóstico precoce, atendimento multidisciplinar e acesso gratuito a políticas públicas adaptadas. Entre os projetos que devem integrar o novo documento está o PL 1.939/2023, que prevê a dedução no Imposto de Renda (IR) de despesas com medicamentos para o tratamento do autismo.
Ao Correio, Fernando Marangoni afirma que a Comissão Especial também discutirá projetos sobre a inclusão de pessoas com TEA no mercado de trabalho, com o objetivo de institucionalizar medidas de fomento ao emprego. “Na prática, alguns projetos que já tramitam na Casa serão incorporados ao texto do Estatuto, tornando o acesso ao emprego um direito de cada pessoa com TEA no Brasil”, relata.
De acordo com a SES-DF, existem ainda algumas legislações que regulam e facilitam questões mais específicas do cotidiano das pessoas com TEA, como redução da jornada de trabalho de servidores públicos com filhos autistas, que garante gratuidade no transporte interestadual para pessoas autistas que comprovem renda de até dois salários mínimos e atendimento educacional especializado
Esporte inclusivo
A inclusão de pessoas com TEA nos estádios de futebol também é uma tendência no Brasil. Diversos clubes começaram a implantar as chamadas salas ou camarotes sensoriais. Esses espaços são projetados para oferecer um ambiente acolhedor e de autorregulação para torcedores autistas e seus acompanhantes, que muitas vezes sofrem com a hipersensibilidade a ruídos, luzes e multidões típicas do ambiente esportivo.
Geralmente equipadas com isolamento acústico, iluminação difusa, pufes, brinquedos e abafadores de ruídos, essas salas permitem que os autistas desfrutem da partida de forma mais confortável e inclusiva. Times como Atlético Mineiro, Corinthians, Palmeiras, Internacional e Fluminense contam com essa iniciativa em seus respectivos estádios.

Revista do Correio
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