Turismo

Quilombo São Domingos coloca Paracatu no mapa do afroturismo

Lançamento de projeto no quilombo abre novas oportunidades de aprendizado, valorização da cultura afro-brasileira e geração de renda para a comunidade, em Paracatu

Conduzida por Isabel, a produção do açafrão é lenta e detalhista -  (crédito: Ester Barros Fotografia)
Conduzida por Isabel, a produção do açafrão é lenta e detalhista - (crédito: Ester Barros Fotografia)

Paracatu (MG) — Fundado há cerca de 300 anos e reconhecido como quilombo pela Fundação Cultural Palmares, São Domingos, localizado no noroeste de Minas Gerais, abriga cerca de 70 famílias cheias de histórias para contar. Para preservar esses patrimônios, saberes e traços culturais, o  Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de Minas Gerais, a Prefeitura Municipal de Paracatu e a própria comunidade desenvolveram o Catálogo de Experiências Turísticas — o primeiro produto de afro-turismo do estado.

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A iniciativa vai além de abrir as portas do quilombo para a visitação do público. De acordo com Patrícia Rezende, analista do Sebrae Minas, o objetivo é fortalecer a identidade afro-brasileira e gerar oportunidades de renda por meio do turismo de base comunitária. Para isso, foi criado o Coletivo de Turismo do Quilombo São Domingos, responsável por coordenar as ações e garantir que o desenvolvimento aconteça com protagonismo local.

Para fortalecer ainda mais o projeto, o Sebrae Minas promoveu uma série de capacitações voltadas à comunidade, com temas como empreendedorismo, gestão, governança turística e afro-turismo. As oficinas também abordaram storytelling, precificação, marketing e habilidades socioemocionais, além de apoiar a criação de um perfil oficial do quilombo no Instagram, ampliando as possibilidades de geração de renda e de visibilidade para o território.

Segundo Priscila Martins, consultora responsável pela criação do catálogo, com as qualificações necessárias, a comunidade quilombola passa a oferecer 11 experiências locais aos visitantes, que têm a oportunidade de conhecer de perto a história de resistência, a culinária típica e o acolhimento mineiro.

Entre as vivências, estão a visita ao Engenho de Rapadura do Planeta e ao Quintal de Dona Romilda, trilha do Morro do Pineco, café quilombola, almoço no quilombo e hospedagem domiciliar, além de diversas oficinas, como a de tranças afro, de máscara da caretagem, de açafrão, de pão de queijo e do Bolo Zumbi.

Bolo Zumbi, pão de queijo e ancestralidade

Entre as experiências que podem ser vividas pelos turistas está o preparo do Bolo Zumbi, carregado de lembranças e simbolismo. A quitanda, típica das comunidades quilombolas, é feita com ingredientes tradicionais e tem sabor que remete à resistência e à herança cultural, preservando tradições e histórias dos descendentes de pessoas escravizadas.

Para Irene dos Reis de Oliveira, coordenadora da Fábrica de Biscoitos Ouro da Roça, a produção mantém viva a memória e reforça a identidade e a união dos quilombos. Mesmo simples, a receita é repleta de força ancestral. "Usamos fubá torrado, óleo, ovos, cravo e canela, farinha de trigo, queijo meia-cura e, claro, a rapadura do quilombo", explica.

 Quem vai a Minas já chega procurando o grande carro-chefe da gastronomia: o pão de queijo. Mas quem visita, especificamente, Paracatu e o quilombo São Domingos é presenteado com uma receita especial. Segundo Irene, os ingredientes são praticamente os mesmos, mas o modo de preparo é o que diferencia a versão paracatuense, reconhecida desde 2015 como patrimônio imaterial do município.

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"Em muitos lugares, o preparo leva o escaldamento da massa, com o leite e o óleo fervendo antes de misturar os outros ingredientes. Aqui é diferente, pois fazemos tudo a frio, com a massa crua e o queijo bem curado, o que dá outro sabor e textura ao pão de queijo", detalha.

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Aos que vivem a experiência na Fábrica de Biscoitos Ouro da Roça, Irene finaliza a vivência recitando o poema que ecoa amor e tradição. "Do polvilho ao forno, vai crescendo a emoção, cheirinho de Minas perfumando o coração. Dourado, quentinho, é sabor que traz memória, pão de queijo é afeto, é pedaço da nossa história. É sabor da nossa terra, tradição que não tem fim, pão de queijo é alegria, é Minas dentro de mim", finaliza.

Açafrão, o ouro da terra

Durante o percurso turístico, os visitantes também conhecem o passo a passo da produção de açafrão da comunidade. A experiência é conduzida por Isabel Lopes, anfitriã e guardiã da Casa Museu Aureliano Lopes, que apresenta o processo artesanal e delicado da especiaria.

Diferentemente do pão de queijo e do Bolo Zumbi, a produção do açafrão, trazido da Ásia e ressignificado por comunidades negras, é lenta e detalhista. Isabel explica, passo a passo, o cultivo, a colheita e o processamento artesanal no pilão, até chegar ao pó que se consome.

"Ao colher o açafrão, é importante deixar o 'dente' da especiaria na terra, para que ela continue brotando. Também é preciso cortar as raízes em fatias finas, para que sequem mais rápido ao sol. E, ao moer e peneirar a iguaria, o processo deve ser feito com calma, para evitar desperdícios e preservar seus benefícios nutricionais", orienta Isabel.

Ao final da vivência, as mãos dos visitantes ficam tingidas pelo amarelo intenso da cultura e da riqueza gastronômica que brota da terra viva do quilombo.

Máscaras de Caretagem

A varanda de dona Cristina Coutrim é um espaço sagrado de criação e uma das experiências mais marcantes oferecidas pelo roteiro. Neta de um dos escravos que fundou a comunidade, ela ensina os visitantes, na prática, a confeccionar as máscaras da caretagem, símbolo do maior festejo do quilombo e homenagem a São João Batista — devoção nascida de uma promessa antiga que ainda move o lugar.

Entre tintas, moldes, risadas, fitas e boas histórias, os turistas aprendem sobre fé, identidade e resistência. As máscaras carregam o poder da ancestralidade e o orgulho de pertencer. "Hoje, o mais importante, para mim, é passar essa tradição para quem vem depois. Tenho o dever de ensinar os dançantes a fazerem suas próprias máscaras, é o jeito de eles manterem viva a atividade", conta Cristina, artesã e guardiã da cultura local.

Com a chegada da noite, os visitantes se juntam à comunidade na celebração. A grande festa acontece em 23 de junho, Dia de São João Batista, e reúne dança, música e fé. A coreografia é exclusivamente praticada por homens, sendo 24 integrantes divididos entre 12 "damas", vestidos de mulher, e 12 "cavaleiros". A tradição, no entanto, também acolhe as crianças, garantindo que o legado siga pulsando nas novas gerações.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

*A estagiária viajou a convite do Sebrae Minas

  • Para consultar as tarifas das experiências e outras informações, acesse o QRCode
    Para consultar as tarifas das experiências e outras informações, acesse o QRCode Foto: Sebrae Minas
  • No quilombo, as mulheres são protagonistas: lideram ações, empreendem e mantêm viva as tradições
    No quilombo, as mulheres são protagonistas: lideram ações, empreendem e mantêm viva as tradições Foto: Ester Barros Fotografia
  • A devoção a São Domingos, nascida de uma promessa antiga, ainda move a comunidade
    A devoção a São Domingos, nascida de uma promessa antiga, ainda move a comunidade Foto: Alex de Jesus / O Tempo
  • Localizado a apenas 4km do centro histórico de Paracatu, o Quilombo São Domingos é um território de história, fé e resistência
    Localizado a apenas 4km do centro histórico de Paracatu, o Quilombo São Domingos é um território de história, fé e resistência Foto: Ester Barros Fotografia
  • Conduzida por Isabel, a produção do açafrão é lenta e detalhista
    Conduzida por Isabel, a produção do açafrão é lenta e detalhista Foto: Ester Barros Fotografia
  • Por conta da receita do Bolo Zumbi, Irene já foi contemplada por iniciativas como a Fundação Cultural Palmares e o Prêmio Pnab
    Por conta da receita do Bolo Zumbi, Irene já foi contemplada por iniciativas como a Fundação Cultural Palmares e o Prêmio Pnab Foto: Ester Barros Fotografia
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JC
postado em 09/11/2025 06:00
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