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Lula quer usar petróleo para transição energética

No encerramento da Cúpula de Líderes, presidente anuncia fundo que terá recursos obtidos com a exploração de combustível fóssil para bancar energias limpas e ações climáticas. Na avaliação de especialistas, há incoerência na postura do chefe do Executivo

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Lula: "Direcionar parte dos lucros com a exploração de petróleo para transição energética permanece caminho válido para países em desenvolvimento" - (crédito: Mauro Pimentel/AFP )

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o Brasil vai criar um fundo com o objetivo de usar recursos da exploração do petróleo para financiar a mudança para energias mais sustentáveis. Ele discursou durante sessão temática da Cúpula de Líderes da COP30 que tratou de transição energética. Esta sexta-feira foi o último dia do evento, que reuniu chefes de Estado e líderes internacionais em Belém para iniciar as negociações da Conferência do Clima.

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A postura de Lula é criticada por especialistas, que defendem a redução do uso de combustíveis fósseis, sem a exploração de novas reservas. O governo federal, porém, autorizou a perfuração de poços na Margem Equatorial, região amazônica, poucos dias antes da COP30.

Numa mostra da contradição de seu posicionamento, Lula também disparou críticas ao financiamento global ao setor de petróleo e gás, mas reforçou que o afastamento dos fósseis será gradual. Pediu aos líderes, ainda, que quadrupliquem o uso de biocombustíveis até 2033.

"Há espaço para explorar mecanismos inovadores de troca de dívida por financiamento de iniciativas de mitigação climática e transição energética. Direcionar parte dos lucros com a exploração de petróleo para transição energética permanece um caminho válido para os países em desenvolvimento", discursou o chefe do Executivo. "O Brasil estabelecerá um fundo dessa natureza para financiar o enfrentamento da mudança do clima e promover justiça climática", acrescentou.

O chefe do Executivo não esclareceu, porém, se a iniciativa será interna, aos moldes do Fundo Social do Pré-Sal, ou se poderá ser acessada por outros países, como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), lançado na quinta-feira. Esse último vai financiar medidas de conservação das florestas em países em desenvolvimento. Os rendimentos do fundo serão aplicados para esse fim e trarão retorno para os investidores, aumentando a possibilidade de adesão dos países. A meta é arrecadar US$ 25 bilhões em investimentos de ações soberanas, e US$ 100 bilhões em investimentos particulares.

"Sem equacionar a injustiça de dívidas externas impagáveis e sem abandonar condicionalidades que discriminam os países em desenvolvimento, andaremos em círculos. Um processo justo, ordenado e equitativo de afastamento dos combustíveis fósseis demanda o acesso a tecnologias e financiamento para os países do Sul Global", frisou.

Logo no início do discurso, o chefe do Executivo destacou que pensa na transição energética como meta de longo prazo, a ser atingida de forma gradual. "Já sabemos que não é preciso desligar máquinas e motores, nem fechar fábricas ao redor do mundo de um dia para o outro. A ciência e a tecnologia nos permitem evoluir de forma segura para um modelo centrado nas energias limpas", declarou.

Em seguida, argumentou que o Brasil é líder em energias sustentáveis, investindo em larga escala desde os anos 1970, e com 90% da matriz atual baseada em fontes renováveis, como a hidrelétrica. Enfatizou, ainda, o uso de 30% de etanol na gasolina e de 15% de biodiesel no diesel. No entanto, criticou a demora do mundo em abandonar os combustíveis fósseis, citando que, desde do Acordo de Paris, assinado há 10 anos, a participação deles na matriz global caiu apenas de 83% para 80%.

"Os incentivos financeiros, muitas vezes, vão no sentido contrário ao da sustentabilidade. No ano passado, os 65 maiores bancos do mundo se comprometeram a conceder US$ 869 bilhões para o setor de petróleo e gás", afirmou.

Ao fim do discurso, o presidente citou três passos que os líderes mundiais presentes na COP30 devem seguir para avançar na agenda climática: implementar o Acordo de Dubai, feito durante a COP28, de triplicar a energia renovável e dobrar a eficiência energética até 2030; colocar a eliminação da pobreza energética no centro do debate, com metas para uso de combustíveis limpos para cozinhar alimentos; e aderir ao Compromisso de Belém para quadruplicar o uso de combustíveis sustentáveis até 2035 e acelerar a descarbonização dos setores mais desafiadores.

Em entrevista em Belém, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse desconhecer o novo fundo, mas saiu em defesa das declarações do chefe do Executivo.

"Acompanhei o presidente Lula em mais de 100 (reuniões) bilaterais e sei quanto ele defende a mudança da matriz energética global, mas que seja feita seja feita de forma justa, inclusiva e equilibrada", destacou.

Também nesta sexta-feira, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, comemorou os resultados do terceiro trimestre da empresa, com lucro de R$ 32,7 bilhões — 23% superior ao período anterior —, e ressaltou que quem apostar contra a companhia "vai perder" (leia reportagem na página 7).

Incoerência

Após o discurso de Lula, o Instituto Internacional Arayara criticou a falta de coerência entre o que prega o presidente e as ações do governo, apontando que o Brasil já possui um "mapa do caminho" para essa transição, mas ainda mantém políticas e incentivos que favorecem o setor fóssil.

Segundo a organização, há falhas concretas que impedem o avanço da descarbonização. Entre elas, a não contratação do leilão de baterias para armazenamento em larga escala — essencial para estabilizar o Sistema Interligado Nacional (SIN) — e a manutenção do curtailment, prática que restringe a geração de energia renovável em períodos de sobreoferta, penalizando usinas solares e eólicas.

A Arayara também destacou que Lula deverá decidir até o dia 18 se vetará os subsídios ao carvão mineral previstos no Projeto de Lei de Conversão nº 10/2025, derivado da Medida Provisória nº 1.304/2025, atualmente aguardando sanção presidencial.

"As decisões que tomarmos com relação ao setor energético definirão nosso sucesso ou nosso fracasso na batalha contra a mudança do clima", afirmou a nota.

A instituição reconheceu a fala do petista que defendeu uma "transição energética justa" e o fim dependência dos combustíveis fósseis. "O caminho para a transição energética nós já sabemos. Mas, especialmente no Brasil, o lobby dos fósseis tem direcionado as políticas públicas para manter subsídios e incentivos bilionários ao petróleo, gás e carvão", afirmou John Wurdig, engenheiro ambiental e gerente de transição energética da Arayara.

 

 

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postado em 08/11/2025 03:55
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