
A Câmara aprovou, na noite desta terça-feira, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que amplia a blindagem a deputados e senadores frente a processos judiciais e limita as prisões de parlamentares. O texto, apelidado por governistas de "PEC da Blindagem" e "PEC da Impunidade", atende aos interesses do Centrão, mas também tem apoio de setores da direita e da própria esquerda no Congresso. O substitutivo, do deputado Claudio Cajado (PP-BA) — designado relator nesta terça-feira, em substituição ao deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) —, incluiu uma blindagem ainda maior aos deputados e senadores do que a prevista na Constituição de 1988 e posteriormente derrubada em 2001. A matéria recebeu, no primeiro turno, 353 votos a favor e 134 contra — e houve uma abstenção. No segundo turno, o placar foi de 344 x 133. A proposta segue, agora, para a apreciação do Senado.
Entre as principais mudanças trazidas pela PEC, está a previsão de que deputados e senadores, a partir de sua diplomação (depois da eleição e antes da posse), só poderão ser alvo de medidas cautelares provenientes do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, instâncias inferiores não terão mais autorização para colocar em prática ações cautelares contra parlamentares, como bloqueio de bens. Os congressistas também só poderão ser presos, depois da diplomação, se forem pegos em flagrante cometendo crimes inafiançáveis, como racismo, tráfico de drogas, entre outros.
O Congresso ainda deverá ser avisado, em até 24 horas, sobre casos de prisões de parlamentares. Câmara e Senado decidirão, no caso de serem presos deputados ou senadores, se mantêm ou não a prisão. Essa decisão se daria por meio de votação secreta, o que provocou uma série de críticas de deputados governistas e também de oposição.
"Eu me arrepio de ver esse negócio de voto secreto. Fui eleito vereador há muito tempo, depois fui deputado estadual, e uma coisa a gente aprendeu: não esconder o nosso voto do povo. E, agora, volta o voto secreto, exatamente para saber se algum parlamentar pode ser, nesse caso, processado ou não", disse o deputado Rogério Correia (PT-MG).
O parlamentar bolsonarista Zé Trovão (PL-SC), que defendeu a blindagem, se disse contra o trecho que definia o voto secreto. "Digo, de passagem, que não concordo com o que está sendo votado aqui agora (referindo-se ao voto secreto). Voto secreto, jamais, na minha concepção, vou aceitar. Voto tem que ser transparente para o eleitor, que está lá fora, saber o que está sendo votado", frisou.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), argumentou que a iniciativa de votar o texto se deu após "abusos" que teriam sido sofridos por deputados e senadores. "A decisão de trazer à pauta com o apoio da maioria do colégio de líderes é para que este plenário possa deliberar sobre uma matéria que eu julgo de muita importância, que é para trazer as garantias constitucionais que o nosso mandato precisa", justificou.
Ele ainda sustentou: "O relatório do deputado Claudio Cajado, a quem cumprimento, nada mais é que um retorno ao texto constitucional de 1988, que foi aprovado pela então (Assembleia) Constituinte, que foi alterado por esta Casa, que diante de muitas discussões e atropelos e abusos que aconteceram contra colegas nossos em várias oportunidades, a Câmara tem hoje a oportunidade de dizer se quer retomar este texto constitucional ou não".
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Liberação
O governo Lula liberou os deputados para votar livremente. Segundo parlamentares petistas, o Planalto não quis se indispor com a cúpula do Congresso e se envolver em uma questão "interna" do Legislativo.
O líder do PT, Lindbergh Farias (PT-RJ), no entanto, repetiu o discurso governista para pedir que a Câmara priorize pautas mais abrangentes, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
"Temos uma extensa pauta no país. Temos a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, que é uma prioridade, que pode beneficiar 20 milhões de brasileiros. Nós temos a PEC da Segurança Pública. Sinceramente, não vejo como interesse do povo brasileiro uma PEC que protege parlamentares, deputados e senadores. A nossa pauta tem que ser a vida do povo e é nisso que nós insistimos", enfatizou.
Foro estendido
Outra novidade trazida no substitutivo de Cajado foi a inclusão de presidentes de partidos com representação no Congresso no foro privilegiado. Segundo o texto, eles só poderão ser julgados por infrações comuns pelo STF. A alteração foi criticada até por deputados de oposição.
“Em vez de reduzir o foro privilegiado, a gente está ampliando? Presidente de partido agora vai também vai ter foro privilegiado? Eu acho que isso é um escárnio. De uma maneira muito respeitosa, quero divergir aqui da oposição. Deixar claro, inclusive, aos meus colegas parlamentares, que eu respeito muito, que são perseguidos: Nikolas (Ferreira), (Carlos) Jordy, o Marcel van Hattem, que é líder do meu partido, e tantos outros, como (Gustavo) Gayer. Eu vejo as injustiças das perseguições, mas esse remédio aqui, na nossa visão, é inadequado. E, por essa razão, a gente vai contra”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
Já o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) ressaltou que o texto fortalece o Congresso Nacional, embora a oposição não o considere o texto “ideal”. “É lógico que o texto não é o ideal. Está muito longe do ideal. Nós gostaríamos de um texto que deixasse muito claro o artigo 53, que tem sido tão violado. Inclusive, o artigo 53 tem sido o maior motivo de perseguição dos deputados. Nós gostaríamos que ele estivesse cristalino, dizendo que nós podemos exercer as nossas palavras, as nossas funções, fora do Congresso Nacional.”
O parlamentar destacou que gostaria, também, que buscas e apreensões — como já ocorreu com ele — fossem autorizadas ou barradas pelo Congresso.
O texto da PEC 3 de 2021 ficou parado na Câmara por dois anos e voltou a ser discutido em agosto, depois do motim bolsonarista na Câmara e também no Senado. Os parlamentares bolsonaristas defendiam a aprovação da anistia aos golpistas do 8 de Janeiro e o fim do foro privilegiado. Esse último não avançou por falta de clima político para votação.
A anistia, por outro lado, está em vias de avançar e pode ter a urgência aprovada hoje, mas precisaria do apoio de lideranças do Centrão. Segundo parlamentares governistas, o avanço da PEC da Blindagem foi uma condição imposta por líderes do Centrão para apoiar a anistia, que agora beneficiaria o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado.
Os principais pontos da PEC da Blindagem
- Blindagem: desde a expedição do diploma para assumir os cargos (o que se dá antes da posse propriamente dita), deputados e senadores só poderão ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal e só poderão ser alvos de medidas cautelares provenientes do STF;
- Limitação a instâncias inferiores: com o modelo, na prática, juízes de instâncias inferiores não poderão, por exemplo, pôr em prática ações contra parlamentares suspeitos de corrupção;
- Prisão só em flagrante: parlamentares não poderão ser presos, a partir da diplomação, a menos que sejam pegos em flagrante em crime inafiançável (como racismo, tráfico de drogas, terrorismo, tortura, dentre outros);
- Presidentes de partidos: o texto de Cajado prevê que presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso também serão julgados apenas pelo STF por infrações penais comuns;
- Decisão do Congresso: as Casas Legislativas precisarão ser avisadas pelas autoridades em um prazo de até 24 horas para decidir pela manutenção ou revisão da prisão dos deputados e senadores. Essa decisão se daria por voto secreto.
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