
A sessão de retomada dos trabalhos no Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, foi marcada por uma veemente defesa da independência da Corte nos julgamentos e pelo apoio ao ministro Alexandre de Moraes. Em um recado claro ao deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que vem fazendo gestões ao governo de Donald Trump para sancionar economicamente o Brasil e emparedar os membros da Corte a fim de tentar evitar a condenação do pai ex-presidente, os magistrados reforçaram que não se deixarão pressionar por piores que sejam as sanções que a eles venham ser impostas pelo presidente norte-americano. Apenas três ministros se pronunciaram: o presidente Luís Roberto Barroso, o decano Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes — enquadrado na Lei Magnitsky por conta da atuação do filho 03 de Jair Bolsonaro junto a personagens da extrema-direita com influência na Casa Branca.
Barroso fez questão de trazer um resgate histórico dos momentos em que a democracia brasileira esteve ameaçada e como o Judiciário foi impactado por regimes autoritários. Mas ressaltou que até então jamais ninguém tinha tentado "virar a mesa" por não aceitar o resultado das urnas — tal como fez o ex-presidente, em 2022, motivo pelo qual é réu no STF por chefiar um grupo que articulou um golpe de Estado para tentar impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
"Quem ganha as eleições, leva. Quem perde, pode tentar ganhar nas eleições seguintes. E quem quer que ganhe, precisa respeitar as regras do jogo e os direitos fundamentais de todos. Isso é que é uma democracia constitucional. Essa é a nossa causa, a nossa fé racional. E, como toda fé sinceramente cultivada, não pode ser negociada", destacou.
Barroso, aliás, frisou que a tentativa de golpe arquitetada por Bolsonaro não começou depois de decretado o resultado do segundo turno da eleição presidencial de 2022. O presidente do Supremo lembrou que a preparação para a ruptura institucional vem desde 2019 e se estendeu até 2023, com a invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro pelos bolsonaristas — submetidos, como o ministro ressaltou, ao devido processo legal nas ações que correm contra eles na Corte.
"Faz-se aqui o reconhecimento ao relator das diversas ações penais, ministro Alexandre de Moraes. Com inexcedível empenho, bravura e custos pessoais elevados, conduziu ele as apurações e os processos relacionados aos fatos acima descritos. Nem todos compreendem os riscos que o país correu e a importância de uma atuação firme e rigorosa, mas sempre dentro do devido processo legal. Todos os réus serão julgados com base nas provas produzidas, sem qualquer tipo de interferência, venha de onde vier", comentou, acrescentando que "ninguém tem o monopólio do amor ao Brasil".
Crime de lesa-pátria
Gilmar Mendes, por sua vez, fez um discurso duríssimo e centrou a crítica em Eduardo Bolsonaro. Segundo o decano, a atuação do parlamentar licenciado junto ao governo Trump é uma traição ao Brasil. "Não é segredo para ninguém que os ataques à nossa soberania foram estimulados por radicais inconformados com a derrota do seu grupo político nas últimas eleições presidenciais — entre eles, um deputado federal que, na linha de frente do entreguismo, fugiu do país para covardemente difundir aleivosias contra o Supremo Tribunal Federal, num verdadeiro ato de lesa-pátria", apontou.
O decano externou indignação com as sanções econômicas que estão sendo impostas ao Brasil por Donald Trump, sob a justificativa de que Jair Bolsonaro estaria sendo perseguido pelo STF. "[O tarifaço é resultado] de uma ação orquestrada de sabotagem contra o povo brasileiro, por parte de pessoas avessas à democracia, armadas com os mesmos radicalismo, desinformação e servilismo que vêm caracterizando sua conduta já há alguns anos", criticou, para acrescentar:
"Venho manifestar meu mais veemente repúdio aos recentes atos de hostilidade unilateral, que desprezam os mais básicos deveres de civilidade e respeito mútuo que devem balizar as relações entre quaisquer indivíduos e organizações. Este Supremo Tribunal Federal não se dobra a intimidações", salientou Gilmar.
Já o ministro Moraes deixou claro que irá ignorar a inclusão do nome dele na lista da Lei Magnitsky e que a sanção a ele imposta em nada altera o curso do julgamento dos golpistas. "As ações prosseguirão. O rito processual do Supremo Tribunal Federal não se adiantará, não se atrasará. O rito processual irá ignorar as sanções praticadas. Este relator vai ignorar as sanções que foram aplicadas e continuar trabalhando como vem fazendo tanto no plenário, quanto na Primeira Turma, sempre de forma colegiada, diferentemente das mentiras, das inverdades, da desinformação das redes sociais", observou.
Sem citar Jair Bolsonaro, o filho 03 do ex-presidente e seus aliados, o STF vem julgando um grupo de pessoas que desconhece os limites legais e que utiliza de todos os recursos possíveis para tentar subjugar o Supremo. "Temos visto, recentemente, ações de diversos brasileiros que estão sendo ou processados pela Procuradoria-Geral da República ou investigados pela Polícia Federal. Estamos verificando diversas condutas dolosas, conscientes de uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais anteriormente vista em nosso país, age de maneira covarde e traiçoeira, com a finalidade de tentar submeter o funcionamento deste Supremo Tribunal Federal ao crivo de um Estado estrangeiro", disse Moraes.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, manifestou apoio a Moraes e citou as "assombrosas e inconcebíveis investidas" contra o ministro. Segundo o PGR, o magistrado está sendo sancionado com a Lei Magnitsky "pelo desempenho legítimo das suas funções jurisdicionais".
O advogado-geral da União, Jorge Messias, por sua vez, ressaltou que "o Brasil é um Estado soberano e merece respeito nas suas relações internacionais". Repudiou, ainda, a sanção imposta pelos EUA a Moraes. "Não aceitamos que nenhuma autoridade brasileira, nem o ministro Alexandre Moraes, seja ameaçada ou punida por Estados estrangeiros. Da mesma forma, não podemos admitir que nossas leis e nossa Constituição sejam suspensas para que a legislação estrangeira estabeleça o que as empresas em solo nacional devem ou não fazer", comentou.
Apesar de habitualmente participar da sessões de abertura dos trabalhos do STF, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não mandou nenhum representante para a audiência de ontem.
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