ARTIGO

Ação climática deve considerar países mais frágeis

Quando deixamos os mais vulneráveis para trás, todos pagamos o preço. A COP30, que acontece na maior floresta tropical do planeta, oferece uma oportunidade de redefinir essa lógica

opiniao 0911 -  (crédito: kleber sales)
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Jorge Moreira da Silva Subsecretário-geral da ONU e diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops) 

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Enquanto líderes do mundo todo se reúnem em Belém para a COP30, as atenções se voltam para como os países planejam colocar em prática o Acordo de Paris 10 anos após sua adoção. 

 Estamos em um momento crítico: novos planos nacionais de ação climática precisam colocar o mundo em um caminho capaz de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Para os países em desenvolvimento, isso significa unir ambição, financiamento e um ambiente favorável para impulsionar as ações climáticas. 

Financiamento é um grande desafio. Os países em desenvolvimento precisarão de pelo menos US$ 310 bilhões por ano até 2035 para atender às necessidades de adaptação, protegendo vidas, meios de subsistência e economias. Esse valor é 12 vezes maior que o volume atual de fluxos internacionais de financiamento público para adaptação, segundo os dados mais recentes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Mesmo entre tantas necessidades urgentes, há um grupo que fica ainda mais para trás: os países frágeis e afetados por conflitos. A dura realidade é que justamente aqueles que mais precisam de financiamento climático são os que menos o recebem e estão entre os que mais sofrem com os efeitos das mudanças climáticas. 

Dos 25 países mais vulneráveis às mudanças climáticas, 16 são considerados frágeis ou em situação de conflito. Cerca de 70% das pessoas em estado de insegurança alimentar vivem em contextos como esses. E aproximadamente 70% dos refugiados e 80% dos deslocados internos vêm de países que enfrentam, de forma direta, os impactos mais severos dessa crise.

São justamente essas nações que recebem apenas um quarto do financiamento climático de que precisam. Em 2020, as populações que viviam em países afetados por conflitos de alta intensidade contaram com um aporte médio de cerca de US$ 2,74 por pessoa, aproximadamente metade do valor destinado a quem vive em áreas de conflito de média intensidade (US$ 5,06) ou de fragilidade social e institucional (US$ 5,25). 

Esses são locais onde secas e enchentes destroem infraestruturas já escassas, onde a governança é frágil e onde as comunidades são deslocadas repetidamente. É uma injustiça difícil de ignorar: as pessoas com menos recursos para se adaptar estão sendo deixadas para trás por um sistema que deveria ajudá-las. 

Há muitas razões para isso. Quem doa reluta em assumir riscos onde há pouca estrutura institucional ou financeira. Dessa forma, grande parte do financiamento climático tende a ir para áreas estáveis e de baixo risco, e não para os mais vulneráveis. Isso precisa mudar.

 Um quarto da humanidade vive em áreas afetadas por conflitos, por isso não se trata apenas de uma responsabilidade moral, mas de um imperativo estratégico e político bastante claro. A aversão ao risco alimenta cenários de instabilidade. À medida que os eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes, a disputa por terra, alimento e água pode se agravar, gerando ainda mais insegurança. Ações de adaptação climática podem ser decisivas para enfrentar as dinâmicas que geram conflitos e fragilidade. 

O Unops oferece soluções práticas para apoiar operações humanitárias, de desenvolvimento e de paz. Mais da metade do nosso trabalho é realizado em regiões frágeis e afetadas por conflitos. Somos testemunhas do que é possível alcançar quando são criadas condições favoráveis para garantir que o financiamento climático chegue onde ele é mais necessário. 

No Afeganistão, anos de conflito afetaram gravemente os serviços básicos para a população. Em parceria com o Banco Mundial (BM) e outros apoiadores, estamos restaurando e ampliando o acesso à água potável e à irrigação, fortalecendo a resiliência das comunidades rurais. 

No Iêmen, com o apoio do BM, ajudamos a restaurar serviços urbanos, incorporar soluções sustentáveis e adaptadas ao clima nos esforços de reconstrução, recuperar estradas, instalações com energia solar e sistemas de água. Essas iniciativas ajudam milhões de pessoas a reconstruir suas vidas e lançam as bases para um Iêmen mais forte. 

A ação climática está profundamente ligada ao desenvolvimento sustentável. Se a comunidade internacional realmente leva a sério o cumprimento das metas globais de adaptação e desenvolvimento, é fundamental disponibilizar financiamentos que funcionem em áreas frágeis. Isso significa ampliar o acesso a recursos financeiros, fortalecer a capacidade dos governos de administrá-los e adaptar o apoio a condições de maior instabilidade. 

Garantir a coordenação e ampliar parcerias com autoridades locais, ONGs e grupos da sociedade civil são aspectos cruciais, uma vez que eles possuem o conhecimento e a vivência para atuar em cada contexto. Igualmente importante é redefinir o conceito de risco: a inércia também tem custos, como instabilidade, migração e demandas humanitárias. Da mesma forma, é essencial fortalecer os sistemas de alerta precoce para garantir que todas as pessoas, em todos os lugares, estejam protegidas por sistemas de alerta até 2027. 

O setor privado também tem um papel importante. O crescimento do financiamento misto e dos investimentos de impacto mostra que é possível mobilizar capital mesmo em mercados difíceis quando existem mecanismos de compartilhamento de risco. O que falta é vontade política para aplicar essas inovações onde elas são urgentemente necessárias.

A lógica é simples: quando deixamos os mais vulneráveis para trás, todos pagamos o preço. A COP30, que acontece na maior floresta tropical do planeta, oferece uma oportunidade de redefinir essa lógica e de provar que o financiamento climático pode alcançar aqueles que mais precisam, independentemente da fragilidade de suas circunstâncias. 

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Por Opinião
postado em 09/11/2025 06:00
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