
Dilze Percilio — socióloga, mestre em sociologia da cultura, especialista em docência universitária, mentora
A mulher negra que chega à liderança carrega mais do que seu crachá. Ela traz consigo a força de uma ancestralidade que resistiu ao peso de uma estrutura que insiste em negá-la e, muitas vezes, uma dúvida que sussurra: "Será que eu mereço estar aqui?" Esse sussurro tem nome: síndrome da impostora. E, embora a psicologia a descreva como um sentimento de inadequação, entre nós, mulheres negras, ela ganha contornos ainda mais profundos porque a sociedade, de forma direta, individualizada, recorrente e sistêmica, vive a proclamar que não somos nem fazemos o suficiente.
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Essa sensação de desencaixe tem um outro lado, quase que um lado oposto, no qual a mulher negra que "chegou lá" não se questiona, mas também não se incomoda de ser a única. Aparece, então, a síndrome da abelha rainha — aquela que chegou lá, senta sozinha no trono e, muitas vezes, reproduz a lógica excludente para manter sua posição. O isolamento no topo não é só emocional, é estrutural, e traz consequências. Quando a mulher negra que ascende não olha para o lado, não cria pontes nem redes, ela perde a chance de fazer o que nossas "mais velhas" sempre fizeram: cuidar, dividir e multiplicar. E é justamente por isso que estamos aqui.
Esses fenômenos não nascem do nada. São efeitos de vieses inconscientes, presentes nos processos seletivos, nas promoções concorridas, nas reuniões em que falamos e não somos ouvidas. Estudos mostraram que, mesmo quando mulheres negras possuem as competências exigidas, elas são vistas como "potenciais em desenvolvimento", enquanto colegas brancos são tratados como "talentos promissores". A régua nunca é a mesma.
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Mas aqui vai um lembrete importante: nós não somos impostoras. Temos bagagem, entrega, preparo e, principalmente, as competências que o mundo do trabalho mais valoriza hoje: empatia, escuta ativa, colaboração, resiliência. Muitas de nós aprendemos isso fora das salas de MBA, no chão de fábrica da vida, na gestão de famílias, de comunidades, de nós mesmas. Somos líderes porque desenvolvemos essas habilidades na prática, nos diversos processos sociais de que participamos — sem crachá, mas com muita potência.
E por mais que muitos ainda tentem justificar essa exclusão com falsos argumentos meritocráticos, os números contam outra história. Segundo a ONU Mulheres, apenas 39,3% das posições gerenciais no Brasil são ocupadas por mulheres. Nos cargos de C-Level, esse número é ainda menor: apenas 13% das empresas brasileiras têm CEOs mulheres. E, quando o recorte é racial, o apagamento se intensifica — a presença de mulheres negras em cargos executivos ainda é estatisticamente irrelevante, o que, nos estudos estatísticos, é chamado de "traço".
E aqui entra outra contradição: as competências que o mercado mais valoriza hoje são justamente aquelas que as mulheres demonstram com mais frequência. Um estudo da Zenger & Folkman, publicado no periódico Harvard Business Review, revelou que as mulheres superam os homens em 13 das 19 principais competências de liderança, incluindo habilidades como iniciativa, integridade, desenvolvimento de pessoas, colaboração, empatia e construção de relacionamentos.
Ou seja, não falta preparo — falta oportunidade. E essa desconexão entre competência e reconhecimento é uma das maiores violências simbólicas enfrentadas pelas mulheres, especialmente pelas mulheres negras.
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E, para não cairmos na armadilha da "preta única", temos uma solução ancestral e contemporânea ao mesmo tempo: os coletivos afrocentrados, especialmente os grupos de mulheres negras. Esses espaços não são só de acolhimento, mas de estratégia. São lugares onde trocamos experiências, compartilhamos dores, mas também abrimos caminhos. Coletivo não é moda. É ferramenta. É tecnologia social de expansão.
O caminho para romper essas síndromes passa por uma mudança na forma como nos olhamos — e como nos organizamos. Precisamos sair do lugar de "única" e buscar o lugar de "uma entre muitas". E isso só acontece quando caminhamos juntas. A mulher preta líder não é exceção. Ela é semente. E também é solo fértil para outras florescerem.

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