ARTIGO

Saúva já era

Fui testemunha, na minha mocidade, do slogan que dava a tábua de salvação para o setor agrícola: "Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil". Hoje, o agronegócio brasileiro consolidou posição privilegiada no cenário global

PRI-0711-OPINI -  (crédito: maurenilson)
PRI-0711-OPINI - (crédito: maurenilson)

JOSÉ SARNEY, ex-presidente da República, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras

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Se há uma área em que o Brasil pode ter certeza de que consolidou sua excelência, graças à formação de recursos humanos que nos permitiram alcançar um lugar de destaque no mundo, sem dúvida alguma é a empresarial. Os que operam a economia brasileira são extremamente qualificados, e a prova disso é o êxito que acompanha o desenvolvimento e o crescimento do nosso PIB, a soma da riqueza do nosso país. E se buscarmos no empresariado aqueles que mais se qualificaram, certamente não haverá dúvida na resposta de que são os do setor do agronegócio. 

Nossa caminhada vem de muito longe, a começar pela nossa monocultura do café, que, durante mais de um século, foi o seu carro-chefe. O crescimento e a modernização de nossas cidades foram impulsionados pelo café, que predominou sobretudo em São Paulo, no Paraná e em Minas Gerais, onde dominou as áreas rurais e serranas próximas, subindo a serra; como exemplo, basta citar o Rio de Janeiro, onde as plantações de café ocuparam a paisagem das encostas da Tijuca. Mas, como encontraram em Dom Pedro II uma mente genial, foram replantadas as árvores nativas, de tal modo que hoje as Matas da Tijuca e do entorno da cidade do Rio de Janeiro nos oferecem a beleza de uma Mata Atlântica que parece ser a primitiva, com a exuberância das espécies que habitam aquelas terras. 

Lembro-me — e para isso tenho que recorrer à bondade de Deus que me assegurou vida longa — de que fui testemunha, na minha mocidade, da divulgação do slogan que dava a tábua de salvação para o setor agrícola: "Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil." Nosso inimigo maior era essa espécie de inseto que devorava as lavouras e, assim, impedia o seu crescimento e a produtividade.

Essa situação de atraso conviveu conosco até algumas décadas atrás. Essa barreira somente foi transposta por meio da tecnologia, quando o presidente Geisel articulou a criação e consolidação da Embrapa, autarquia que deve ser inscrita como um dos maiores órgãos públicos deste país, com a capacitação, inclusive no exterior, de recursos humanos e soma de serviços prestados, como o desenvolvimento de produtos que asseguraram essa posição invejável do Brasil, que pode se apresentar como primeiro país do mundo em exportação de grãos, capaz de entrar na competição mundial com produtos de melhor qualidade e com grande competitividade de preços.

A outra grande barreira rompida ocorreu quando criamos o Ministério Extraordinário da Irrigação durante o meu governo, com a meta modesta de conseguirmos irrigar um milhão de hectares em cinco anos, o que foi cumprido, com o desenvolvimento de uma tecnologia capaz de levar água como um grande instrumento de progresso da agricultura. 

Concomitantemente, desenvolveram-se equipamentos e técnicas de grande valia para o cumprimento de nossos objetivos, como o pivô central, que passou a ser fabricado em massa e permitiu, com o uso dessa experiência e do seu trato diário, o desenvolvimento de uma tecnologia que assegurou, com o esforço da Embrapa, as primeiras supersafras daqueles anos, quando passamos de uma estagnação de cerca de 54,6 milhões de toneladas de grãos no início do meu governo, em 1985, iniciando o impulso para o salto na produção. Lembro que a nossa economia, já em 1989, no último ano do meu governo, ocupou o lugar de oitava maior economia do mundo.

Graças a todo esse trabalho pioneiro então iniciado, atingimos hoje a produção de mais de 300 milhões de toneladas, um patamar que nos assegura o sedutor marco de maior exportador mundial em volume de grãos, superando os Estados Unidos. Assim, o setor do agronegócio brasileiro consolidou uma posição privilegiada no cenário global. 

O Brasil hoje produz de agulhas a aviões sofisticados, concorrendo em alguns segmentos com as mais avançadas tecnologias. Infelizmente, na área de computação, uma política equivocada de desenvolvimento da área digital, computadores, microchips, softwares, impediu que tivéssemos nessa área o mesmo desenvolvimento que tivemos em outras áreas. E isso realmente é um problema para nós, que, sem dúvida alguma, iremos superar, desde que se estabeleça uma política de desenvolvimento científico voltada para as tecnologias de ponta e visando a substituição de importações e nos possibilite ter um nicho de competitividade também nesta área. 

Costumamos dizer que o futebol é o esporte nacional, e eu acrescento sempre em uma conotação de blague que, à frente do futebol, temos o esporte de falar mal do Brasil, sendo este um divertimento nacional. Mas a verdade é que eu ouvi do ministro Delfim Netto, em uma conferência que ele fez na Universidade CEUMA do Maranhão, que o Brasil fora o país que mais crescera no século 20.

 


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Por Opinião
postado em 07/11/2025 06:00
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