
Um enorme letreiro iluminado, em frente à sede da prefeitura de Kahramanmaras, cidade de 700 mil habitantes no sul-sudeste da Turquia, marca pontualmente 4:17. Naquele horário de 6 de fevereiro de 2023, uma segunda-feira, um terremoto devastador de 7,8 graus na escala Richter atingiu 11 províncias do país da Eurásia, deixando mais de 50 mil mortos e um rastro de destruição que parecia insuperável. Mais de 70% dos prédios em Kahramanmaras colapsaram, com bairros inteiros destruídos.
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Hoje, mais de dois anos e nove meses depois, a tragédia do século, como passou a ser chamada no país, se mostrou um teste de organização, resiliência e governança. A resposta turca, rápida e sistemática, tornou-se um exemplo de mobilização nacional e planejamento — algo de que o Brasil, mesmo distante geograficamente e em contexto distinto, tem muito a aprender.
A "mobilização do século", como os turcos chamam o processo de reconstrução em andamento, começou antes mesmo que a poeira dos escombros assentasse. Em apenas 15 dias, as primeiras fundações foram lançadas. A tarefa de retirar toneladas de destroços e reerguer cidades inteiras, num território de 108 mil quilômetros quadrados, demandou coordenação rara até mesmo entre potências econômicas.
O país ergueu e segue construindo milhares de moradias projetadas para resistir a futuros abalos, equipadas com isolamento térmico e sistemas de energia quase autossuficientes. Mais que um plano de engenharia, tratou-se de uma reafirmação de futuro: reconstruir com segurança, dignidade e sustentabilidade.
Mas o que mais me impressiona na experiência turca talvez não seja a grandiosidade das obras, e sim os detalhes cotidianos de um país que, em meio ao trauma, reafirmou valores básicos de convivência e confiança pública.
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Um exemplo singelo, mas revelador: nas cidades turcas, é comum encontrar fileiras de caixas eletrônicos de diferentes bancos, lado a lado, sem qualquer aparato de segurança ostensiva. Pessoas sacam dinheiro a qualquer hora, com tranquilidade, em plena rua. É uma cena banal por lá, e quase impensável em boa parte das capitais brasileiras, em que o medo molda os hábitos mais corriqueiros.
Essa diferença diz muito sobre o tecido social de cada nação. O Brasil, país sem terremotos, convive há décadas com outro tipo de abalo: o da desorganização crônica, que compromete desde a segurança pública até a manutenção de infraestruturas básicas. Aqui, o colapso não vem do solo, mas da erosão institucional.
Enquanto os turcos reconstruíam cidades inteiras em ritmo de 550 moradias por dia, no Brasil, obras públicas de pequeno porte frequentemente se arrastam por anos, interrompidas por disputas políticas, burocracia ou corrupção.
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A Turquia ergueu novas cidades sobre ruínas. O Brasil, se quiser avançar, precisará erguer novas atitudes sobre seus escombros invisíveis.

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