
Ontem, Belo Horizonte se despediu de Lô Borges como ele merecia. Fãs, amigos, familiares e companheiros de estrada compareceram ao Palácio das Artes para prestar homenagens ao baluarte e cofundador do Clube da Esquina, um dos maiores movimentos culturais da história do Brasil.
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A morte de Salomão Borges Filho aos 73 anos, porém, acende o triste alerta para a caminhada em direção ao fim de uma geração de compositores de coisas naturais. Como bem destacou Zeca Baleiro, último parceiro de Lô em vida, por meio do disco Céu de Giz: "Ele é de um tipo de artista que não vai mais aparecer. Ele inventou um jeito de fazer música, então a partida dele representa meio que o fim dessa linhagem", disse ontem à imprensa.
Uma breve contextualização histórica é fundamental para compreender Lô Borges como um artista singular. Após gravar Clube da Esquina ao lado de Milton Nascimento, um dos maiores álbuns da história do Brasil, o jovem de 20 anos compôs, no mesmo ano de 1972, ao lado do irmão Márcio, o Disco do Tênis, um dos mais cultuados de sua carreira.
O que para muitos hoje seria momento de "surfar na onda" do sucesso, foi hora de sol na cabeça para o jovem do Santa Tereza. Lô pegou seu violão e viajou pelo Brasil. Parou seu trem azul em Arembepe (BA), onde conviveu com hippies e, sem apego material ou ao sucesso, distribuiu LPs do Disco do Tênis aos cavaleiros marginais com quem trocava papos entre uma esquina e outra. Uma decisão que só poderia ser tomada por um artista de linhagem única.
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A tal singularidade citada por Zeca Baleiro serve para descrever, também, o processo de composição de Lô Borges. O disco lançado em 22 de agosto ao lado do maranhense tem bastidores saborosos. Em casa, o mineiro compôs as melodias e lembrou, após duas décadas sem qualquer contato, justamente de Baleiro para finalizar o trabalho a quatro mãos. Assim, do nada, como um trem de doido.
Irmão do meio de uma família de 11 filhos, Lô aprendeu desde cedo a dividir. Sua música independente, sem compromisso com a sonoridade padrão do mercado, como bem definiu o baterista Charles Gavin (Titãs), também era coletiva por paradoxo. As parcerias, desde aquelas com vizinhos de Divinópolis com Paraisópolis até as mais recentes, evidenciam um artista de coração generoso.
Uma dessas, inclusive, se constituiu com uma fã de Brasília, que o encontrou na casa do pai, Salomão, ao tomar coragem de tocar o interfone da casa da família Borges em Belo Horizonte. Manuela Costa e Lô gravaram juntos Tobogã, lançado no ano passado com 12 faixas inéditas, fruto do desprendimento também singular para um artista de tal magnitude.
Trata-se da essência que só um artista único pode ter. Se no momento de ascensão escolheu o refúgio, Lô recusou o descanso e o dominical no fim de sua vida, quando já tinha todo merecido reconhecimento por sua obra. Lançou um disco por ano entre 2019 e 2025 e deixou outro pronto.
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Não era questão de querer mais, mas de apenas existir. Ser quem sempre foi: um artista com sonho real, desde o primeiro encontro com Bituca no Edifício Levy, no Centro de Belo Horizonte, aos 10 anos de idade.
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