
Reginaldo Arcuri — presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil
O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, com mais de 124 mil espécies de fauna e 44 mil espécies de flora distribuídas entre os seis biomas terrestres e os três grandes ecossistemas marinhos. Essa riqueza natural coloca o país em posição estratégica no cenário global e representa um enorme potencial para impulsionar a indústria nacional rumo ao desenvolvimento sustentável.
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Na próxima semana, o Brasil estará na vitrine mundial ao ser palco da COP30, em Belém, no coração da Amazônia. Será uma oportunidade rara para o país demonstrar ao mundo que é capaz de unir preservação, desenvolvimento, e promover negócios sustentáveis a partir de sua riqueza natural. Para que isso aconteça, o país precisará fazer valer as leis e políticas que, embora já existam, ainda não conseguem alavancar de fato a bioeconomia nacional.
Desde 2015, o país possui um marco legal moderno para o acesso à biodiversidade. A Lei nº 13.123, conhecida como Novo Marco Legal da Biodiversidade, nasceu com o objetivo de corrigir os entraves que antes desestimulavam o uso desse patrimônio natural pela indústria nacional. O objetivo era oferecer segurança jurídica, reduzir a burocracia e fomentar pesquisa, inovação e desenvolvimento tecnológico.
A norma também criou o Programa Nacional de Biodiversidade, elaborado para estimular o uso sustentável dos recursos biológicos, a conservação e a repartição justa dos benefícios gerados. Mais recentemente, o governo instituiu a Estratégia Nacional de Bioeconomia, voltada à promoção da bioindustrialização e à integração entre inovação, sustentabilidade e justiça na distribuição dos ganhos oriundos do patrimônio genético.
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No entanto, 10 anos após a entrada em vigor da Lei da Biodiversidade, ainda há um longo caminho para que a norma, de fato, funcione da maneira que foi planejada. Em uma década, por exemplo, até onde podemos saber, apenas 13 acordos de repartição de benefícios de natureza não monetária - que englobam transferência de tecnologia, capacitação de pessoal, financiamento de projetos de desenvolvimento — foram efetivamente firmados, enquanto 119 aguardam análise do Ministério do Meio Ambiente. Essa lentidão impede que projetos de conservação, capacitação e desenvolvimento regional saiam do papel.
Além desse cenário de morosidade, o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, criado para canalizar os recursos decorrentes do uso do patrimônio genético, acumula quase R$ 12 milhões e não tem conseguido captar valores de outras fontes, como doações ou recursos internacionais. Esse é um entrave que contraria o desenho original que previa sua sustentabilidade financeira.
Somando-se a esses desafios está o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), ferramenta essencial para registrar e monitorar o uso da biodiversidade. O instrumento sofre com falhas técnicas e instabilidade constantes, o que impede a efetiva repartição de benefícios.
Por fim, agravando ainda mais o quadro, estão em discussão revisão de entendimentos consolidados e até atos já formalizados. Esse tipo de movimento gera insegurança jurídica, ameaça a confiança de pesquisadores, comunidades, empresas, e compromete a credibilidade do marco legal instituído.
Como reflexo desse conjunto de entraves, o Brasil, mesmo com seu enorme potencial biotecnológico e diversidade incomparável de espécies, praticamente não aparece entre os grandes produtores de medicamentos baseados na própria biodiversidade. Os 10 fitoterápicos mais vendidos no país não utilizam espécies nativas. Em um mercado global que movimentou US$ 216,4 bilhões em 2023, o Brasil respondeu por apenas 0,1% desse total. No Sistema Único de Saúde (SUS), entre os fitoterápicos disponíveis, apenas quatro das 12 espécies vêm da flora nacional.
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O país tem leis avançadas e riqueza biológica inestimável. Falta transformar essas ferramentas em resultados concretos. A COP30 pode atuar como um ponto de virada. O Brasil deve provar que é capaz de fazer desse grande evento uma estratégia de desenvolvimento, com políticas eficazes, segurança jurídica e uso inteligente da biodiversidade.
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