
Rubens Roriz — presidente da Associação dos Auditores Fiscais da Receita do DF (AAFIT); Ésio Vieira de Araújo — presidente da Associação da Carreira Auditoria Tributária do DF (Acate); Wanderson Vieira — presidente do Sindicato da Carreira Auditoria Tributária do DF ( Sinafite-DF)
O funcionamento do Estado depende de muitas engrenagens. Algumas são visíveis, como a sala de aula, o posto de saúde ou a viatura policial. Outras permanecem escondidas nos bastidores, embora sejam igualmente vitais. É o caso da fiscalização tributária. Sem ela, os recursos simplesmente não chegam ao caixa público; e, sem recursos, não há como manter serviços, pagar salários ou realizar investimentos.
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No Distrito Federal, essa função é exercida por uma carreira singular: os auditores fiscais da Receita do DF. Diferentemente do que ocorre em outras unidades da Federação, aqui a carreira acumula a responsabilidade de arrecadar não apenas tributos típicos da esfera estadual, como ICMS e IPVA, mas também impostos de natureza municipal, como ISS e IPTU. Trata-se de uma atribuição ampliada que concentra em uma única estrutura a tarefa de financiar praticamente todo o funcionamento da máquina pública distrital.
Os números falam por si: em 2024, a arrecadação distrital alcançou R$ 24,8 bilhões — crescimento real de 10,3% sobre 2023. É fundamental destacar que esse crescimento ocorreu sem a elevação da carga tributária. Ou seja, o Distrito Federal tem mais recursos para financiar políticas públicas sem que seus cidadãos tenham que tirar mais dinheiro do seu bolso. Isso foi possível com atuação eficiente e estratégica e com fiscalização firme sobre quem, ao não pagar seus impostos devidamente, desvirtua o ambiente de negócios e aumenta o peso da contribuição para os contribuintes honestos.
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Em 2024, foram lavrados autos de infração no montante de R$ 742 milhões nas mais variadas operações de combate aos crimes contra a ordem tributária. Recursos que, sem fiscalização, estariam fora do orçamento da saúde, da educação e da segurança.
O debate público, no entanto, costuma se limitar ao tamanho da carga tributária. Pouco se discute sobre a qualidade da arrecadação. Pouco se enxerga que, em um ambiente sem fiscalização, quem cumpre a lei é punido e quem burla o sistema é premiado. A concorrência desleal se instala, corroendo a economia e aprofundando desigualdades. O auditor fiscal da Receita é justamente quem evita que isso aconteça.
Por isso, a instituição do Dia do Auditor Fiscal da Receita do DF, celebrado neste 21 de setembro, merece reflexão. A lei aprovada em 2023, que incluiu a data no calendário oficial, não deve ser lida como uma simples homenagem corporativa. É uma oportunidade de trazer ao debate público a centralidade de uma profissão que garante o funcionamento da máquina pública e, por consequência, da própria vida em sociedade.
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A coincidência simbólica também merece registro: 21 de setembro é o dia de São Mateus, o cobrador de impostos que, segundo a narrativa bíblica, abandonou sua função para seguir Jesus Cristo. Se na história religiosa o coletor é lembrado como alguém que deixou os tributos para viver a fé, no mundo contemporâneo o auditor fiscal permanece como alguém que dedica a vida a transformar tributos em cidadania.
Essa reflexão é ainda mais urgente porque o país vive uma transição profunda. A Reforma Tributária aprovada pela Emenda Constitucional 132 promete simplificação e racionalidade. Mas não há reforma que funcione sem uma administração tributária forte. Um imposto novo não garante, por si só, mais justiça. É preciso quem o fiscalize, quem assegure que a lei será cumprida, quem traduza as promessas da reforma em realidade concreta.
Nesse contexto, duas propostas em discussão no Congresso são fundamentais. A primeira é a Lei Orgânica Nacional das Administrações Tributárias (Lonat), que vai definir normas gerais para os Fiscos de todo o país. Seu papel é assegurar direitos, deveres e garantias dos auditores, oferecendo segurança jurídica e uniformidade. Não se trata de defender privilégios, mas de estabelecer uma base legal sólida para que a arrecadação dos tributos seja transparente e efetiva.
A segunda é o PLP 108/2024, que cria o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS). Esse colegiado terá a responsabilidade de coordenar a aplicação do novo tributo, harmonizando procedimentos e reduzindo disputas. A governança do IBS será decisiva para evitar insegurança jurídica e garantir que a reforma produza o efeito esperado: simplificar sem criar problemas.
É nesse ponto que a valorização do auditor fiscal da Receita transcende qualquer pauta corporativa. Ela interessa à sociedade como um todo. Um Fisco fragilizado significa menos arrecadação, mais desigualdade e serviços públicos precários. Um Fisco fortalecido, por outro lado, é condição para que a democracia funcione, porque não há cidadania plena onde não há financiamento adequado do Estado.
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