
Cristovam Buarque — professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
Depois da longa história de golpes contra a democracia, é natural que democratas comemorem a condenação de golpistas pela Justiça. Mas o Brasil precisa saber que juízes punem golpistas, mas não constroem democracia. Só políticos podem construí-la, se tiverem maturidade para fazê-la eficiente, justa e respeitada pela população. A indignação dos eleitores é mais indutora de golpes do que as armas de militares. A própria Justiça que prende golpistas, desincentiva a democracia quando, baseada nas leis da política, protege juízes corruptos com aposentadorias precoces no lugar de cadeia.
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A atual geração de políticos transmite impressão de que não há adultos na sala da República. Adultos consideram as consequências de seus atos para o conjunto da sociedade e para o futuro. Sob essa perspectiva, a política brasileira está carente de adultos, os políticos parecem brincar, sem responsabilidade com o país e seu futuro. Crianças não pensam no coletivo nem no longo prazo — querem seus doces e brinquedos para saciar seus desejos imediatos. Nossos representantes se comportam da mesma forma: brincam de votos, de eleições, de projetos de lei e até de reformas constitucionais. Sobretudo, brincam com o destino dos recursos públicos, sem considerar os interesses comuns da população nem o futuro da nação.
As emendas parlamentares, algumas sob a forma de "Pix", é exemplo dessa brincadeira. Grande parte desses recursos tem sido destinada a projetos de caráter eleitoreiro, voltados a agradar aliados em troca de apoio político, sem coordenação com as prioridades do país, nem consequência no enfrentamento dos desafios nacionais. A ação política hoje está repleta de devaneios típicos das brincadeiras infantis, sem consequência real na condução da nação. Os parlamentares brincam com o dinheiro público e se beneficiam dele sem compromisso com o conjunto da sociedade.
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A própria ideia de anistiar criminosos que atentaram contra a democracia não é algo que se espere de adultos comprometidos com a democracia. Mas também não se comportam como adultos os democratas que comemoram o gesto maduro dos juízes, mas não tomam as atitudes necessárias para consolidar a democracia. A prisão do ex-presidente e de militares golpistas é um passo histórico, mas insuficiente para garantir a consolidação democrática se os políticos continuarem brincando de política, enriquecendo com a corrupção, ignorando as necessidades do povo, mantendo supersalários, mordomias, privilégios, desperdícios e sem assegurar educação de base com alta qualidade para todos.
São raros, hoje, os líderes que podem ser considerados suficientemente adultos para pensar no futuro do país, respeitar o povo, articular uma base de apoio sólida para realizar os projetos necessários e formular estratégias para construir a nação que desejamos. Isso exigiria definir prioridades e pactuar sacrifícios no presente, em nome de um futuro comum para todos, o que caracterizaria adultos fazendo política, e não brincando de fazer política.
Hoje, na sala da República, parece não haver adultos. Temos políticos claramente infantilizados que pedem proteção a grandalhões do bairro vizinho para bater em seus compatriotas com tarifaço e outras ameaças contra a soberania nacional. São políticos infantis e traidores da pátria. Mas aqueles que defendem a soberania não parecem entender que, na ótica adulta, essa defesa exige mais do que julgamento jurídico, requer unidade nacional que ultrapasse o núcleo restrito ao governo e seus aliados.
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A soberania não se sustenta em um país onde a nação é confundida com o partido no poder: ou ela pertence a todos — salvo os traidores —, ou não resiste. Para defender a soberania com o apoio de todos — excetuando os traidores —, é preciso dialogar, estender a mão, construir pactos com todos os que a desejam, mesmo que com divergências eleitorais e estratégicas. Requer a formulação e a implantação de uma agenda comum que viabilize a unidade necessária para justificar e sustentar a nação soberana. Essa, talvez, seja a mais grave infantilidade da política atual: a incapacidade de construir uma agenda comum para um destino compartilhado, com democracia consolidada, sem pobreza, sem corrupção, com distribuição justa da renda.