
MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES, Pesquisador da Embrapa Agroenergia
Vivemos tempos em que o pessimismo se impõe como sombra persistente. Crises globais, mudanças climáticas, desigualdades sociais e tensões políticas minam nossa confiança em dias melhores. Muitas vezes, a descrença infiltra-se em nossa autoestima coletiva, fazendo parecer que o futuro é incerto e hostil. Por isso, cada conquista capaz de romper esse clima de incerteza torna-se ainda mais valiosa.
Foi o que ocorreu com uma recente vitória da ciência brasileira. O anúncio do World Food Prize 2025, considerado o "Nobel da Alimentação e Agricultura", concedido à pesquisadora Mariangela Hungria, trouxe não apenas reconhecimento individual, mas também um sopro de confiança coletiva. A distinção projeta o Brasil no cenário internacional como fonte de soluções concretas para os grandes desafios da sustentabilidade global.
Mariangela Hungria é uma das maiores referências mundiais em microbiologia do solo e em tecnologias que permitem à agricultura reduzir a dependência de fertilizantes químicos sem perder produtividade. Pesquisadora da Embrapa desde os anos 1980, com sólida formação acadêmica no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, ela liderou avanços decisivos no uso de microrganismos fixadores de nitrogênio, com impactos em milhões de hectares de lavouras em todo o país.
O impacto dessa contribuição vai muito além das fronteiras brasileiras, porque toca em um dos pontos centrais da agricultura moderna: o nitrogênio. Esse elemento é indispensável à vida, base da síntese de proteínas e da produtividade agrícola. Sem ele, simplesmente não haveria como alimentar a população mundial. Mas a sua aplicação sob a forma de fertilizantes industriais traz efeitos colaterais significativos.
A produção de nitrogênio é altamente intensiva em energia fóssil, contribuindo para emissões de gases de efeito estufa, em especial o óxido nitroso, um dos mais potentes no aquecimento global. Além disso, o excesso de nitrogênio aplicado aos solos pode chegar aos rios, lagos e zonas costeiras, desencadeando processos que comprometem a biodiversidade aquática e a qualidade da água.
O trabalho de Mariangela Hungria mostrou que as próprias bactérias presentes no solo podem ser parceiras das plantas na obtenção de nitrogênio limpo e de baixo custo. Em vez de depender apenas de fertilizantes químicos, que liberam o nutriente de forma rápida e, muitas vezes, em excesso, esses microrganismos conseguem capturar o nitrogênio que existe em abundância no ar e disponibilizá-lo diretamente às raízes, de maneira gradual e equilibrada.
É como se a planta tivesse uma "fábrica natural" de fertilizante funcionando ao seu lado, fornecendo apenas o que precisa, quando precisa, sem sobras que contaminem a água ou prejudiquem o clima. Essa alternativa segura e eficiente não só reduz custos para o produtor, como também protege o meio ambiente e melhora a sustentabilidade da agricultura.
O alcance do trabalho de Mariangela Hungria pode ser medido em números impressionantes. Só na soja, a tecnologia de fixação biológica de nitrogênio permite que a planta dispense o uso de fertilizantes nitrogenados na forma química comercial. Isso significa uma economia anual superior a R$ 70 bilhões para os produtores brasileiros — dinheiro que deixa de sair em importações e fica no campo, fortalecendo a renda de milhares de agricultores e a competitividade do Brasil no mercado mundial.
Mas o impacto vai muito além do bolso. Ao trocar adubos químicos por microrganismos do solo, a agricultura brasileira evita a emissão de mais de 200 milhões de toneladas de gases de efeito estufa em cada safra — um volume equivalente às emissões anuais de muitos países. Em termos simples, isso significa menos poluição, mais proteção ao clima e mais segurança para a água e os solos.
A trajetória de Mariangela Hungria simboliza um movimento ainda mais amplo: a transição da agricultura de um modelo excessivamente dependente da química industrial para outro que se inspira na biologia e nos processos naturais. O avanço dos bioinsumos no Brasil não é apenas uma tendência, mas uma verdadeira revolução silenciosa, que fortalece a produtividade ao mesmo tempo em que reduz impactos ambientais.
Além da fixação biológica de nitrogênio, microrganismos e extratos naturais ajudam a controlar pragas e doenças, a estimular o crescimento das plantas e a recuperar solos degradados. Fungos, bactérias e até insetos benéficos passam a integrar o arsenal de soluções de uma agricultura que aprende com a biodiversidade, substituindo insumos de alto impacto por processos vivos e regenerativos.
Essa é a essência de uma agricultura inteligente que transforma o mundo natural em aliado e faz do Brasil o berço de uma mudança de paradigma com a marca dos trópicos. É a prova de que ciência e natureza, juntas, podem oferecer soluções poderosas para a sustentabilidade global. Uma ciência que não só alimenta, mas inspira o mundo.