
ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista
O dia seguinte foi adiado. O país ganhou mais uma semana para olhar para Washington e se perguntar porque o presidente Donald Trump resolveu jogar no lixo 201 anos de boas relações diplomáticas, comerciais e financeiras entre Brasil e Estados Unidos. Os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e agora especificamente contra o ministro Alexandre de Moraes vão além de qualquer medida imaginada ou concebida para atingir outro país em tempos de paz. É uma declaração de guerra. Uma invasão das atribuições constitucionais brasileiras por determinação de governo estrangeiro. Não há precedente para intromissão de tal magnitude na vida jurídica de um país organizado. É sempre bom lembrar Ulysses Guimarães, grande político e melhor frasista: "O Brasil não é uma Uganda qualquer".
O prejuízo está precificado. O Brasil vai perder, o comércio entre os dois países deve se reduzir e as relações diplomáticas ficarão seriamente estremecidas. Brasil e Estados Unidos sempre se reconheceram como países independentes. Um respeitou o outro, mesmo nos momentos mais difíceis. Jamais houve algo parecido com intromissão deste quilate promovida por Trump. As consequências virão depois. Prejuízos financeiros nos dois lados. Resultados políticos ainda não mensuráveis. Os bolsonaros estão liquidados. Pediram ao governo norte-americano para adotar medidas contra a economia brasileira na tentativa de paralisar processo judicial movido contra o papai. Eles colocaram a política pessoal acima dos interesses do país. Ninguém tolera traidores.
Houve concessões do norte-americano. Ele olhou para o interesse do consumidor e para o das grandes empresas norte-americanas. Liberou o suco de laranja, obrigatório no café da manhã norte-americano, e também aliviou os aviões produzidos pela Embraer que fazem sucesso no mercado interno daquele país. Recentemente, uma única empresa encomendou 74 aviões da empresa paulista. Outros itens foram aliviados. Mas o grosso das exportações brasileiras vai passar pelo funil das tarifas de 50%, impostas sem qualquer critério. Acordou de mau humor e atacou com sua caneta de tinta preta. Não satisfeito, mandou mais 25% contra a Índia e 35% contra o Canadá. Ele é o imperador do mundo.
Os europeus estão em polvorosa. A presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, assinou acordo com Trump considerado lesivo aos interesses da comunidade. Os principais líderes estão decepcionados, revoltados e indignados. A revolta não vai parar por aí. Os Estados Unidos possuem a maior máquina de guerra do mundo. Mas, neste caso, os tiros e as bombas não modificam o cenário. A negociação será feita nos grandes salões por diplomatas espertos e inteligentes. A maneira grosseira dos xerifes norte-americanos não vai prosperar por muito tempo. De vez em quando, aquele país é assolado por uma onda de direitistas radicais. O senador Joseph McCarthy agiu assim nos anos 40 e 50 do século passado. Procurou comunistas até debaixo da mesa.
Trump é uma nova versão dessa herança que o americano médio tem do caipira, dono de terras, que conquistou o Oeste com a força de trabalho de brancos que tinham ideia de criar um país para suas liberdades. Mas admitiam a escravidão de negros e a matança de índios. O macarthismo causou muitos problemas, porém se afundou na história. O namoro com o fascismo alemão também não foi longe. Mas os resíduos desse radicalismo, misturados ao desemprego causado pela globalização, produziram personagens estranhos. Um deles é Donald Trump, que não tem a menor vergonha de misturar o público com o privado. Ele foi à Escócia, semana passada, inaugurar mais um resort de sua propriedade.
O mal já está feito. Não há espaço para recuos, nem pedidos de desculpas. A questão de agora é administrar as perdas. A audácia do presidente Trump demonstrou que ele será capaz de promover profunda intervenção na eleição de 2026 no Brasil, mesmo que os bolsonaros estejam inelegíveis. Há, sempre, a possibilidade de golpe de Estado, ação que o governo dos Estados Unidos recorre quando decide impor pela força seus interesses. Não se esquecer que Trump tentou o golpe para não reconhecer sua derrota para Joe Biden.
É o momento de ligar todos os alarmes na defesa da democracia brasileira, que está sob severo ataque. Acabaram as ilusões e as possibilidades de palavras bonitas para recolocar o bom senso no centro do debate. Não haverá paz na política brasileira nos próximos meses, até a realização das eleições de 2026, que ganharam um surpreendente contorno dramático. Os dois grupos da extrema-direita, no Brasil e nos Estados Unidos, são veteranos de golpes de Estado. Nada impede que tentem de novo. Eles não têm mais nada a perder. Já perderam tudo. Até a vergonha.