Artigo

A anistia aos abusadores digitais e o mantra da não regulação  

A combinação é tóxica. Plataformas como X (Twitter) e Telegram, sob controle de aliados, como Elon Musk, amplificam discursos de ódio via algoritmos

Trump e Bolsonaro conversaram algumas vezes sobre a entrada do Brasil no %u201Cclube dos ricos%u201D -  (crédito: Brendan Smialowski/AFP - 28/6/19)
Trump e Bolsonaro conversaram algumas vezes sobre a entrada do Brasil no %u201Cclube dos ricos%u201D - (crédito: Brendan Smialowski/AFP - 28/6/19)

GILBERTO LIMA JR., presidente do Instituto Illuminante de Inovação Tecnológica e Impacto Social, Palestrante e Consultor de Negócios de Base Tecnológica

A política de indultos (anistia) de Donald Trump sempre funcionou como um termômetro de suas alianças e projetos de poder. Seu gesto mais simbólico, nesse campo, foi o recém perdão concedido a Ross Ulbricht, condenado à prisão perpétua por criar o Silk Road, mercado negro da “dark web”, que movimentou US$ 200 milhões em drogas e dados roubados usando criptomoedas. Ulbricht, rebatizado de "mártir libertário", tornou-se bandeira de uma narrativa que equipara regulação estatal à tirania — exatamente o discurso que sustenta o “tecnolibertarianismo” de Trump. Mas ele não está só. Anthony Levandowski, ex-engenheiro do Google e Uber, condenado por roubo de segredos industriais, também foi perdoado em 2020. São peças de um mesmo tabuleiro: absolver os que desafiam leis e éticas em nome da inovação.  

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Aqui, o paralelo é Jair Bolsonaro. Durante as eleições de 2022, sua campanha foi campeã em doações privadas (R$ 90 milhões), com destaque para empresários como Rubens Ometto (Cosan) e os irmãos Grendene (Grendene). Esse financiamento sustentou uma máquina de desinformação. A deputada Carla Zambelli (PL-SP), aliada de Bolsonaro, disseminou notícias falsas sobre urnas e chegou a ameaçar um cidadão com arma em plena via pública. O caso de Marcos Cintra, candidato a vice na chapa de Soraya Thronicke, é emblemático. Ele foi suspenso do Twitter por ataques ao TSE e ao STF, tornou-se operador do negacionismo eleitoral. O deputado federal Eduardo Bolsonaro se autoexilou nos Estados Unidos (EUA) e, junto com autoridades norte-americanas, impôs a chantagem de um tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros, se o seu pai não for anistiado, mesmo antes da condenação formal por parte do STF. A Trump Media e o Rumble acionaram o ministro Alexandre de Moraes na justiça da Flórida, alegando cerceamento do direito de liberdade de expressão de seus clientes e usuários no Brasil.

Por que as gigantes tecnológicas financiaram maciçamente Trump e seus aliados? A resposta está na “economia política da tecnologia”: Empresas como Meta e Uber dependem da “captura de dados” sem regulação, otimização fiscal agressiva e acesso a recursos naturais baratos (ex.: servidores consomem energia equivalente ao Japão). Não por acaso, o Plano de Ação Americano de Inteligência Artificial prevê desregulação total e um agressivo plano de redução de exigências ambientais para a construção de “data centers”. A extrema-direita oferece “desregulamentação” e “redução de impostos”, além de enfraquecer leis ambientais e trabalhistas que oneram o setor; Trump posiciona-se como inimigo do maior rival tecnológico global, protegendo hegemonias como Google e Apple.  

A combinação é tóxica. Plataformas como X (Twitter) e Telegram, sob controle de aliados, como Elon Musk, amplificam discursos de ódio via algoritmos. O motivo? Engajamento = lucro. Estudos mostram que conteúdos extremistas propiciam três vezes mais interações. O resultado é a ascensão global de uma "direita algorítmica", em que o vale-tudo digital mina instituições — como na invasão do Capitólio, em 2021 e o 8 de Janeiro de 2023, no Brasil, coordenados e impulsionados por radicais de direita via redes sociais.  

Trump e Bolsonaro são sintomas de uma era perigosa: a dos “Tecnocentristas”, nova classe de imperadores digitais que usam inovação como arma contra democracias. Seus projetos incluem: moedas pró-autocratas: como a $TRUMP Coin, controlada em 80% por sua família; justiça paralela: indultos seletivos para "soldados" do ecossistema (Ulbricht, Lewandowski etc); vigilância rentista: projetos como o CBDC (Moeda Digital de Banco Central), combatido por Trump para proteger criptoempresas. Daí a agressão ao nosso Pix.

O capital tecnológico é predatório, ao criar uma vida 'ideal,' via algoritmos, para submeter vidas reais aos seus interesses. A captura do Estado por Tecnocentristas não é um acidente: é projeto. E o indulto a Ulbricht revela seu núcleo — “quem controla o código, controla o poder”. Seja a China, Rússia ou EUA, se não frearmos a aliança entre Estado, ultradireita e Big Techs, assistiremos à erosão final do espaço público. Resta saber se as instituições sobreviverão aos “imperadores digitais” do século 21.

 



postado em 31/07/2025 06:06 / atualizado em 31/07/2025 07:16
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