ARTIGO

Os desafios do Brasil no novo protecionismo global

Para seguir relevante no cenário global, o Brasil precisa combinar diplomacia econômica, inteligência regulatória e esforço coordenado entre governo e iniciativa privada

Opiniao 3107 -  (crédito: Caio Gomez)
Opiniao 3107 - (crédito: Caio Gomez)

CAROL MONTEIRO, advogada especializada em comércio internacional e direito aduaneiro

Vivemos um momento de acirramento das disputas comerciais internacionais. O comércio exterior brasileiro foi especialmente impactado a partir da carta enviada pelo presidente Donald Trump informando que produtos originários de nosso país passarão a ser tarifados em 50% a partir de 6 de agosto. Diante desse cenário, a Lei da Reciprocidade Econômica foi regulamentada. Ela estabelece mecanismos de resposta a medidas adotadas por países ou blocos que prejudiquem a competitividade brasileira, notadamente barreiras unilaterais e exigências ambientais mais severas que as anteriormente praticadas.

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Nesse contexto, o governo estuda alternativas para reduzir os danos aos setores mais afetados, como aviação, petróleo, gás e agronegócio, incluindo café, cacau e pescados. Parte dessa estratégia envolve diversificar destinos comerciais. Justamente nesse momento, esses setores se deparam com barreiras não tarifárias, como exigências técnicas, normas sanitárias, critérios ambientais e selos de rastreabilidade, que ajudam a explicar a dificuldade de acesso a mercados internacionais.

Embora muitas dessas exigências tenham fundamentos legítimos, como saúde pública e preservação ambiental, é inegável o impacto na competitividade dos exportadores brasileiros, especialmente os pequenos e médios, com mais dificuldades de adaptação. Um exemplo marcante é o setor de pescados, cujo principal destino são os Estados Unidos, responsáveis por 70% dos embarques e uma média anual de US$ 240 milhões. Esse segmento será diretamente afetado pela tarifa. As exportações à União Europeia foram suspensas em 2018 pelo próprio Ministério da Agricultura, devido à não adesão às normas na cadeia primária da pesca.

Em um momento em que se torna essencial diversificar mercados, a União Europeia (UE) e o Reino Unido surgem como alternativas para redirecionar o fluxo afetado. É preciso investir não somente na diplomacia comercial, mas também na superação dos entraves regulatórios. Torna-se essencial adotar medidas voltadas ao controle higiênico-sanitário da cadeia produtiva nacional, conforme as exigências europeias.

Outro fator de atenção é a nova legislação antidesmatamento da UE, em vigor a partir de dezembro de 2025. Produtos como carne, soja, café e madeira só poderão acessar o mercado europeu com rastreabilidade que comprove que não vêm de áreas desmatadas após 2020. Isso representa um custo significativo e amplia a assimetria regulatória entre países exportadores. Muitos produtores ainda não têm estrutura para atender a esses critérios, acentuando desigualdades entre nações em desenvolvimento e economias centrais.

As barreiras não tarifárias tornaram-se o novo campo de batalha do comércio internacional. Exigências de licenças de importação, protocolos fitossanitários, regras de rotulagem e certificações ambientais criam um ambiente complexo. O resultado é que produtos nacionais, que cumprem normas mais rígidas, perdem espaço para concorrentes menos comprometidos com boas práticas. Esse ambiente gera um paradoxo: exige-se mais dos exportadores em nome da sustentabilidade, mas nem sempre os países compradores reconhecem ou apoiam os esforços de adequação.

Sem um Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC) funcionando plenamente, os países adotam soluções unilaterais, e o comércio deixa de ser regido por regras previsíveis. Diante disso, o Brasil precisa de estratégias mais assertivas. A recente Lei da Reciprocidade Econômica é um passo nessa direção, ao autorizar o país a reagir a práticas abusivas, inclusive com contramedidas, especialmente em casos motivados por critérios ambientais desproporcionais.

Para o setor privado, a resposta precisa ser estratégica. Monitorar os marcos regulatórios internacionais deixou de ser um diferencial e tornou-se essencial para empresas que queiram competir globalmente. Isso exige investimento em rastreabilidade, certificações reconhecidas, tecnologia e capacitação técnica, além de parcerias com consultorias jurídicas e de comércio exterior.

Não se trata apenas de sobreviver ao novo protecionismo, mas de adaptar-se a ele de forma inteligente. Estamos diante de um novo ciclo do comércio internacional, no qual o desafio não é somente vender, mas comprovar como, onde e em que condições se produziu o que será comercializado.

Para seguir relevante no cenário global, o Brasil precisa combinar diplomacia econômica, inteligência regulatória e esforço coordenado entre governo e iniciativa privada. Não basta competir em preço ou qualidade: é preciso competir também em compliance — e fazer disso uma ferramenta de acesso, e não de exclusão.

 

 

Por Opinião
postado em 31/07/2025 06:02
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