ARTIGO

Tarifas de Trump são ataque à democracia no Brasil e nos EUA

O tarifaço de Donald Trump segue uma lógica perversa, que relativiza crimes de lesa-democracia em nome de "acordos políticos"

PRI-3007-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-3007-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Rogério Sottilidiretor executivo do Instituto Vladimir Herzog

A imposição unilateral de tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, anunciada pelo presidente Donald Trump, não é apenas uma medida surpreendentemente irracional do ponto de vista da lógica econômica, política ou diplomática — é, antes de tudo, uma afronta injustificável à soberania brasileira e um ataque direto à democracia e ao Estado de Direito no Brasil.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Trump atropela os fatos — os Estados Unidos têm ampla vantagem na relação comercial com o Brasil, com superavit de mais de 400 bilhões de dólares apenas nos últimos 15 anos — e elenca falsos pretextos para o tarifaço, de práticas comerciais supostamente desleais — como os pagamentos via Pix ou o comércio da Rua 25 de Março —, à defesa da "liberdade de expressão" nas plataformas digitais — leia-se livre circulação de discursos de ódio e fake news. 

Pior: atribuindo-se superpoderes de presidente global, condiciona a suspensão da majoração das tarifas a uma anistia do Judiciário brasileiro ao ex-presidente — o "Trump dos trópicos" — por tramar o assalto ao poder pela força após ser derrotado nas urnas no pleito presidencial de 2022.

Os ataques à Praça dos Três Poderes em Brasília, em janeiro de 2023, repetiram a invasão ao Capitólio em Washington, em 2021. Em ambos os casos, extremistas rejeitaram os resultados eleitorais e tentaram desestabilizar a democracia. Trump teve seu julgamento suspenso durante seu novo mandato, mas o caso pode ser retomado depois. No Brasil, Bolsonaro e outros réus serão em breve julgados pelo Supremo por envolvimento na tentativa de golpe.

Garantindo o direito à ampla defesa, o Judiciário brasileiro tem sido exemplo para o mundo de resistência democrática, investigando, denunciando e processando com rigor os que investem contra a ordem constitucional e o Estado de Direito. Se nos Estados Unidos a Justiça respeitasse igualmente os princípios democráticos e constitucionais, provavelmente Donald Trump sequer teria concorrido à presidência pela segunda vez.

Trump e Bolsonaro compartilham o uso do poder para interesses pessoais, acima do bem comum. No conluio entre Eduardo Bolsonaro e Trump, os maiores prejudicados são cidadãos e economias dos dois países, com milhares de empresas afetadas, empregos perdidos, cadeias produtivas quebradas e aumento de preços.

A intervenção dos EUA com o aumento das tarifas deve ser vista como parte de um esforço mais amplo de subversão da democracia via chantagem econômica — uma tentativa de transformar o Brasil em refém de interesses autoritários. O episódio revela como a cultura de impunidade, que atravessa do período ditatorial aos dias atuais, segue sendo usada como moeda de troca. Essa lógica perversa, que relativiza crimes de lesa-democracia em nome de "acordos políticos", é justamente o que o Instituto Vladimir Herzog combate desde sua fundação.

A resposta do governo brasileiro à intimidação de Donald Trump tem sido firme. Lula reafirmou o compromisso com o diálogo, a soberania nacional e a separação dos Poderes. Sancionou também a Lei da Reciprocidade Econômica, que permite respostas proporcionais a medidas unilaterais contra nossa economia. A democracia brasileira não será moeda de troca. A soberania do Brasil não está à venda.

Em maio do ano passado, por iniciativa do Instituto Vladimir Herzog, parlamentares do Brasil e dos Estados Unidos, diante dos ataques às instituições democráticas nos dois países, emitiram uma declaração conjunta em defesa dos princípios democráticos de governança, do respeito aos direitos humanos, do sistema de freios e contrapesos entre os Três Poderes e da garantia de processos eleitorais livres, justos e transparentes. Essa rede internacional precisa ser fortalecida, pois o que está em jogo não é apenas uma tarifa ou um acordo comercial — é o futuro da democracia no mundo.

Brasil e Estados Unidos compartilham mais de 200 anos de relações diplomáticas e cooperação internacional. Neste momento, parlamentares, empresários, sindicatos, organizações da sociedade civil e cidadãos conscientes — brasileiros e americanos — devem estreitar laços e se manifestar contra os ataques de Trump e seus aliados, um tipo de escalada política e econômica que só serve, lá e aqui, aos interesses do autoritarismo. 

O povo dos Estados Unidos e do Brasil continuará resistindo às ameaças às nossas democracias. Ambos têm uma história marcada por lutas por liberdade e justiça — do movimento pelos direitos civis nos EUA à resistência contra o golpe de 2022 e à ditadura no Brasil. Essa herança comum nos une e fortalece diante dos desafios atuais. Seguiremos firmes, pois a democracia é uma conquista coletiva que exige vigilância, coragem e ação constante.

 

 

Por Opinião
postado em 30/07/2025 06:00
x