ARTIGO

Mulheres: nem seguras, nem iguais. Até quando?

Essa normalização da violência não é ao acaso. Ela tem sido sistematicamente alimentada por tentativas de deslegitimação das políticas de gênero, por discursos oficiais e desmonte de estruturas de apoio

A mulher, que tem 37 anos, foi levada ao Hospital Regional de Santa Maria -  (crédito: pacifico)
A mulher, que tem 37 anos, foi levada ao Hospital Regional de Santa Maria - (crédito: pacifico)

Claudia Costadoutora em direito político econômico, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie-São Paulo

Apesar de termos avançado rumo à igualdade de gênero e de direitos das mulheres em muitos aspectos durante o século passado e no começo do século 21, o atual retrocesso é flagrante em muitos países, inclusive o Brasil. Nos últimos anos — especialmente logo após a pandemia da covid-19, que agravou o cenário —, enfrentamos não apenas uma estagnação, mas a perda de direitos e garantias fundamentais das mulheres. É grave, e vivemos o silêncio deliberado em relação a esse retrocesso.

<p><strong><a href="https://whatsapp.com/channel/0029VaB1U9a002T64ex1Sy2w">Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais not&iacute;cias do dia no seu celular</a></strong></p>

A ONU Mulheres completou 15 anos no último dia 2 de julho, e seu relatório divulgado na ocasião,é alarmante. Segue imperiosa a necessidade de enfrentamento aos desafios quanto à desigualdade laboral, econômica, digital e, principalmente, de combate à violência de gênero, que se manifesta de várias formas. Mesmo registrando algum avanço, como a redução da mortalidade materna em um terço ou o aumento de participação política em alguns países, os pontos negativos superam as conquistas. O feminicídio é sua manifestação mais forte.

No relatório de 2024, a ONU classifica essa brutal agressão às mulheres e meninas como epidemia. Os dados até o ano anterior revelam que, a cada 10 minutos, uma mulher é morta por alguém próximo — seja marido, companheiro, ex-parceiro ou alguém da família, totalizando 85 mil mulheres assassinadas no mundo. A ONU Mulheres alerta que nenhum país está livre do feminicídio e que o perigo do recente aumento dos números é visível.

O Brasil ocupa lugar vergonhoso de destaque entre os primeiros países. O acirramento do machismo e o evidente racismo na violência de gênero contribuem de maneira substancial. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, dos 1.463 homicídios de mulheres registrados no ano passado, 63,9% das vítimas eram negras. A pesquisa, realizada em parceria com o Instituto Datafolha, revela que 21,4 milhões de brasileiras — ou seja, 37,5% das mulheres — sofreram algum tipo de violência no ano anterior, representando o maior índice desde o começo da série histórica em 2015. Os homens brasileiros, filhos de mulheres brasileiras, estão mais cruéis e desumanos.

Os dados do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) mostram também que não avançamos na proteção institucional. Mais de 60% das mulheres vítimas de violência dizem que não confiam nas instituições policiais, sustentadas pelo imposto de todos, homens e mulheres. 

A violência é perceptível também no mundo digital. Pesquisas como as do Lab Think Olga e Instituto Avon já sinalizaram que 76% das mulheres no Brasil sofreram algum tipo de violência digital. Uma maneira nova de silenciar a voz da mulher. Ameaças de divulgação de imagens, assédio, perseguição em redes sociais ou utilização e modificação de imagens por inteligência artificial (IA) são formas de violência que se somam às "reais". Silencia-se a mulher, apaga-se sua identidade.

Essa normalização da violência não é ao acaso. Ela tem sido sistematicamente alimentada por tentativas de deslegitimação das políticas de gênero, por discursos oficiais e desmonte de estruturas de apoio. A estrutura de acolhimento à mulher é alvo preferencial de cortes orçamentários, como aqueles destinados às casas-abrigo ou que resultam na debilidade de políticas educativas. 

Mas há resistência à essa onda desumana. Iniciativas parlamentares, como a Rede Justiceiras e o Mapa do Acolhimento, assim como ações afirmativas em favor da lei Mariana Ferrer (Lei 14.245/21) mostram que ainda não estamos mergulhadas na mais profunda treva do obscurantismo. A realidade, no entanto, ainda é desesperadora e segue firme sem dar mostras de mudança profunda. 

Um exemplo é o discurso que desqualifica o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 05 — a igualdade de gênero — da agenda 2030 da ONU, sabotando a implantação de políticas nesse sentido. É uma de suas faces. A ONU Mulheres relaciona o cumprimento necessário de 14 dos ODS a partir da eliminação da violência de gênero. Realizar essa agenda significa dar cumprimento aos nossos fundamentos de uma civilização justa e democrática. 

A ameaça é visível, tem estórias e rostos, com dados a serem combatidos com coragem para mudar o rumo sombrio do retrocesso e da história. Não é impossível mudar, mas a cada dia que passa a inércia, o silêncio, a violência e o assassinato tentam nos tornar mais fracas.

 

 

Por Opinião
postado em 30/07/2025 06:00
x