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Israel x Irã: nova fase do confronto compromete ordem internacional 

A internacionalização do conflito mostra-se inevitável, dadas as profundas implicações estratégicas para potências como Estados Unidos, Rússia e China

"O ataque israelense suscita sérias questões quanto ao respeito ao direito internacional, sobretudo no que tange à soberania territorial e ao uso unilateral da força" - (crédito: AFP)

ANA CAROLINA MARSON, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP)

Na madrugada de 13 de junho, Israel lançou uma ofensiva aérea contra o território iraniano, atingindo instalações militares e destruindo a usina de enriquecimento de urânio de Natanz — a mais importante do Irã. O ataque resultou na morte de membros do alto escalão militar iraniano, bem como de cientistas ligados ao programa nuclear do país, intensificando ainda mais as tensões em uma das regiões mais instáveis do sistema internacional. A justificativa apresentada por Israel baseia-se na alegação de que o Irã dispõe de urânio enriquecido em grau e quantidade suficientes para a produção de armamentos nucleares — uma linha vermelha para a doutrina de segurança israelense. Ainda que as rivalidades entre os dois países sejam históricas, a ação marca uma elevação substancial na natureza e no alcance do confronto.

O programa nuclear iraniano sempre foi objeto de preocupação internacional, em parte devido à percepção de que o Irã é um ator revisionista e desafiador das normas da ordem liberal internacional. No entanto, o ataque israelense suscita sérias questões quanto ao respeito ao direito internacional, sobretudo no que tange à soberania territorial e ao uso unilateral da força. Além disso, surgem preocupações de ordem ambiental, embora inicialmente o Irã tenha informado à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que não havia alterações nos níveis de radiação, fontes independentes relatam que mísseis do tipo Spike podem ter perfurado áreas críticas da instalação, provocando vazamentos radioativos. Se confirmado, esse vazamento poderá ter consequências de longo prazo para a população local e os ecossistemas da região.

A resposta iraniana não tardou. O líder iraniano, aiatolá Ali Khamenei, prometeu custos elevados a Israel e aos Estados Unidos, e seu discurso foi sucedido pelo lançamento de mísseis contra território israelense — alguns desses mísseis conseguiram superar as defesas do Domo de Ferro e atingir cidades israelenses. Além disso, o governo iraniano emitiu um alerta direto às potências ocidentais advertindo que qualquer tentativa de impedir sua retaliação resultaria em ataques a bases militares estrangeiras na região. Esse posicionamento, embora incisivo, não parece refletir um desejo explícito de escalar o conflito a ponto de envolver diretamente grandes potências, o que indicaria uma estratégia calculada de dissuasão, e não de confronto direto.

Nesse contexto, a internacionalização do conflito mostra-se inevitável, dadas as profundas implicações estratégicas para potências como Estados Unidos, Rússia e China. A decisão do Irã de levar o caso ao Conselho de Segurança da ONU sinaliza uma tentativa de enquadrar a crise nos marcos do multilateralismo, ainda que os limites desse caminho sejam evidentes. Como esperado, as posições dos membros permanentes do Conselho de Segurança seguiram linhas previsíveis; Estados Unidos e França mantiveram seu apoio a Israel, enquanto China e Rússia condenaram a ação israelense e demonstraram apoio ao Irã. Assim como ocorre nos casos da guerra da Ucrânia e do conflito palestino-israelense, o impasse no Conselho de Segurança reforça a paralisia de seus mecanismos decisórios diante de divisões geopolíticas profundas.

As reações das grandes potências, embora condenatórias no caso de Rússia e China, permaneceram retóricas. Nenhum dos dois países indicou disposição para fornecer apoio direto ao Irã, o que revela tanto o receio de um confronto direto com os Estados Unidos quanto a complexidade de seus próprios interesses na região. Do lado americano, as reações foram ambíguas; o secretário de Estado, Marco Rubio, declarou que os Estados Unidos não participaram da ofensiva, mas tal afirmação foi desmentida por postagens de Donald Trump na rede X, nas quais o presidente confirmou conhecimento prévio do ataque e reafirmou o apoio dos EUA a Israel. Essa contradição enfraquece a posição diplomática americana e alimenta as crescentes tensões regionais.

Outro fator relevante é a reação dos países do entorno israelense. Embora o ataque da madrugada de 13 de junho e o contra-ataque iraniano representem um ponto de inflexão nas tensões regionais, Estados como a Jordânia adotaram uma postura cautelosa, declarando que não pretendem se envolver nos desdobramentos do conflito. Essa atitude reflete o reconhecimento da gravidade da situação, mas também o desejo de evitar uma escalada ainda maior que comprometa a estabilidade regional.

Em suma, o ataque israelense ao Irã reacende um dos focos mais perigosos da política internacional contemporânea. A ofensiva compromete princípios fundamentais da ordem internacional, ameaça a estabilidade de uma região já fraturada e coloca à prova a capacidade das potências globais de conter uma escalada que poderia ter repercussões sistêmicas. A depender das próximas movimentações diplomáticas e militares, o episódio poderá consolidar uma nova fase de confronto regional prolongado, com impactos diretos sobre o equilíbrio de poder no Oriente Médio e sobre a credibilidade das instituições multilaterais.

 


postado em 15/06/2025 06:01
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