
Marcia Hirota e Roberto Klabin — presidente e vice-presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, respectivamente
Em pleno Dia Nacional da Mata Atlântica (27 de Maio), o Brasil deu um passo importante rumo à proteção de seus ecossistemas marinhos e costeiros. A aprovação da Lei do Mar na Câmara dos Deputados representa um momento histórico: pela primeira vez, o país está prestes a ter um marco legal para garantir a governança da Zona Costeira e Marinha, território fundamental para a segurança climática, alimentar, econômica e cultural.
Com mais de 7,5 mil quilômetros de costa e uma zona costeira onde vive mais de 60% da população brasileira, é urgente que o país priorize essa agenda. O Sistema Costeiro-Marinho brasileiro, como definido pelo IBGE abrangendo áreas continentais sobre influência marinha e uma vasta área oceânica, carece da integração de várias políticas setoriais fragmentadas e atualização de normas que foram historicamente pouco implementadas. A ausência de um marco legal específico tem levado à sobreposição de competências, conflitos de uso, degradação ambiental e insegurança jurídica para empreendedores e comunidades tradicionais.
A proposta da Lei do Mar define diretrizes claras de gestão, integração, planejamento espacial e instrumentos de monitoramento — um arcabouço legal que dá segurança às atividades sustentáveis e à conservação. Além disso, outro pilar é o fortalecimento da participação social, a valorização dos conhecimentos científicos e dos conhecimentos locais e tradicionais na gestão dos territórios marinhos e costeiros.
Inspirada no processo que originou a Lei da Mata Atlântica, aprovada em 2006, a proposta da Lei do Mar foi apresentada inicialmente pelos deputados Sarney Filho e Alessandro Molon. Após resistências de alguns setores, o texto passou por aprimoramentos e, a partir de 2021, ganhou novo fôlego com a relatoria do deputado Túlio Gadêlha. Com amplo diálogo, o texto atual reflete o equilíbrio entre a necessidade de conservar os ecossistemas, ordenar atividades produtivas e garantir direitos dos povos e comunidades tradicionais ao território.
A Zona Costeira e Marinha abriga ecossistemas essenciais, como recifes de coral, manguezais e bancos de algas, que desempenham papel-chave na regulação do clima, na proteção contra eventos extremos e na manutenção da biodiversidade. Segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os oceanos absorvem mais de 90% do excesso de calor gerado pelas emissões de gases de efeito estufa, tornando sua proteção uma medida central na agenda climática global. Estudos também mostram que áreas marinhas bem manejadas têm maior resiliência aos impactos do aquecimento e da acidificação dos oceanos, além de serem estratégicas para a manutenção dos recursos pesqueiros e outros serviços ecossistêmicos.
A economia azul brasileira, que já representa cerca de 19% do PIB nacional com setores como portos, pesca, turismo e energia, pode ser impulsionada por uma legislação moderna e eficaz, capaz de ampliar investimentos, proteger serviços ecossistêmicos e garantir previsibilidade regulatória a todos os envolvidos. A Lei do Mar tem o potencial de ordenar o território marinho, favorecer a atração de investimentos verdes e qualificar o debate sobre a transição ecológica no país.
A aprovação da Lei do Mar na Câmara Federal foi um importante sinal do país para a Conferência da ONU sobre os Oceanos, na França. O discurso brasileiro reforçou o compromisso em fortalecer pontos como as áreas protegidas marinhas, a gestão pesqueira sustentável, o planejamento espacial marinho e a educação para o oceano. Além disso, é clara a sinergia entre as políticas para o oceano e o clima, nas vésperas da Conferência das Partes em Belém.
Com a COP30 se aproximando, o Brasil tem agora a oportunidade de chegar ao evento com um novo marco legal aprovado, reafirmando seu compromisso com a agenda climática e com a proteção dos oceanos, contribuindo diretamente para o cumprimento de metas globais, como o Acordo de Paris, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e o Marco Global da Biodiversidade. A aprovação definitiva da Lei do Mar é também um gesto de compromisso com o futuro do país.
Agora, a bola está com o Senado Federal. Espera-se que, diante da relevância estratégica da Lei do Mar para o país e do acordo político que viabilizou sua aprovação na Câmara, a tramitação no Senado ocorra com celeridade. A aprovação da Lei do Mar pelo Senado representaria não apenas um avanço legal, mas uma sinalização firme ao país e ao mundo de que estamos preparados para assumir um papel de protagonismo na proteção dos oceanos. O momento exige coragem, visão e compromisso com as gerações futuras.