
Corro sério risco de ser mal interpretada ao me referir ao papa Francisco como bom pastor. Tamanha simplicidade pode não combinar com o cargo, com o peso da liturgia nem com a importância do Sumo Pontífice e do seu legado. Mas tomo a referência como certa, pois ele fez todo esforço para ser lembrado dessa forma — com extrema simplicidade. Do caixão de madeira às vestes do dia a dia com as quais decidiu ser sepultado, assim como o local escolhido para seu descanso eterno, longe da suntuosa e turística Basílica São Pedro, tudo mais comedido do que os rituais habitualmente relegados a um papa.
Ostentar, por qualquer forma e meio, nunca esteve em seus planos. Ele foi um pastor incansável, próximo dos mais pobres, defensor perene da paz, dos mais humildes, das minorias, dos refugiados, da natureza. Não foi apenas alguém que defendeu causas sociais, mas foi também um homem de palavra. Fez da palavra de Deus a sua própria palavra. Cumpriu o combinado consigo, com a Igreja, com este mundo e creio que também com o Divino. O legado de Francisco é o seu próprio caminho, seu pastoreio, seu exemplo.
Tive o privilégio e a imensa alegria de ver o papa de muito perto, a convite da Obra de Maria. Sinto ainda hoje a emoção desse encontro. Consigo imaginar a força de fé de mais de um milhão de pessoas que acompanharam os cortejos fúnebres, que sabemos também ser uma cerimônia política. Por intermédio de Rodrigo Craveiro, nosso enviado especial, que tem feito uma brilhante cobertura para o Correio, a TV Brasília, a Rádio Tupi, o Estado de Minas e outras emissoras dos Diários Associados, vamos acompanhar os desdobramentos do conclave e da escolha do novo papa, além da emoção dessa despedida histórica, que une monarcas, presidentes, ministros e uma imensidão de gente sem título, mas com fé inabalável.
Rodrigo, a editora de Mundo, Ana Paula Macedo, eu e outros colegas estávamos aqui quando Francisco foi declarado papa. Somos parte de uma equipe que fez coberturas extensas e capas lindas e premiadas quando ele ascendeu ao posto máximo da Igreja Católica. Sabíamos desde sempre, talvez por obra de anjos e profetas, que nosso esmero — à época sob a batuta do editor de Artes Amaro Júnior — seria compatível com um papa que decidiu renovar a Igreja, ouvir as críticas e empenhar mudanças importantes de forma humilde, pedindo desculpas, modernizando a estrutura, aceitando diferenças, pacificando a relação do Vaticano com outras religiões.
Francisco foi senhor de si, sem perder a serenidade nem o humor. Disse, certa vez, numa entrevista, que “o senso de humor é um certificado de sanidade” e admitiu rezar todos os dias por mais de 40 anos uma oração para pedir ao Senhor a capacidade sorrir, de rir do lado ridículo das coisas, de entender que sempre a vida traz algo que leva ao riso. Francisco nos disse que o humor humaniza. Acredito muito nisso também e sigo esse seu exemplo. Quando formos rezar pelo papa, algo que ele sempre pedia — “Não esqueçam de rezar por mim” —, vamos sorrir por ele, com ele, para ele. Viva Francisco, nosso bom pastor!