Opinião

O direito à defesa

Ante a impotência de se conter o que se identifica como arbítrio judicial, ganha força a ideia da anistia como contraponto, como uma espécie de equilíbrio na balança

STF: competência questionada, reclamação de advogados e  penas que se revelam desproporcionais abrem espaço para a mobilização pela anistia
 -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
STF: competência questionada, reclamação de advogados e penas que se revelam desproporcionais abrem espaço para a mobilização pela anistia - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

ALBERTO ZACHARIAS TORON, Advogado, mestre e doutor pela USP, especialista em direito constitucional pela Universidade de Salamanca

Os atos ocorridos no dia 8 de Janeiro de 2023 e mais o que a competente investigação da Polícia Federal (PF) trouxe à tona não deixam dúvidas: estávamos diante de uma tentativa de golpe. Não foram apenas vidraças quebradas, plenários destruídos ou uma escultura manchada por uma frase escrita com um batom. Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) foi vigiado com o objetivo de ser assassinado. Havia prisões de autoridades no roteiro criminoso.

Portanto, não se pode dizer que estávamos diante de baderneiros desorganizados que irromperam num "domingo no parque", ainda que um ou outro estivesse ali sem saber exatamente do que se tratava. A denúncia oferecida pelo procurador-geral da República mostra com riqueza de detalhes o plano urdido. Não deu certo, para a felicidade da cidadania e da democracia. As instituições prevaleceram, pessoas foram presas, processadas e condenadas; outras estão no caminho.

Apesar disso, é preciso ter clareza de que processos penais, sobretudo quando estão imbricadas questões políticas, não pacificam a sociedade, apenas afirmam a supremacia do Estado. A polarização segue, mas obrigatoriamente contida nos limites do que a lei permite. O contrário disso é o desgoverno e o caos; a selvageria. E aqui se vê a importância dos processos instaurados e das prisões dos golpistas. A imposição da lei e da ordem, dizia o sociólogo Ralph Dahrendorf, em A lei e a ordem, se confunde com a própria democracia e é uma das grandes aquisições da história da humanidade.

Embora correta a premissa, os processos criminais instaurados e as condenações impostas não podem violar direitos e garantias individuais. A velha ideia de Luhmann, da "legitimação pelo procedimento", projeta sua importância não apenas no âmbito dos processos, mas alcança a própria instituição envolvida na persecução penal. Dito de outra forma, se a competência do STF é questionada, se os advogados reclamam da dificuldade e até da falta de acesso aos elementos informativos colhidos pela PF, de não terem podido fazer sustentação oral diante dos juízes e, depois, porque as penas se revelam draconianas, desproporcionais, tudo isso, sinistramente, abre espaço para a mobilização pela anistia. Pior ainda agora, quando se noticiou que o relator do processo não pretende intimar as testemunhas de defesa para prestar depoimento, conforme mostrou a reportagem Moraes abre lacuna a acusados de golpe de Estado ao não intimar testemunhas de defesa, publicada na Folha de S. Paulo. 

Advogado não é oficial de Justiça e a testemunha arrolada a tempo e modo para ser ouvida pode não querer depor. O que fazer? Como compeli-la? Dane-se a defesa? Isso não é justiça!

Não que mitigar injustiças seja o objetivo principal da anistia, mas é preciso entender que a proposta se apoia na tentativa de desfazer atos que se reputam viciados pela incompetência da Corte julgadora, ou até mesmo por penas elevadíssimas.

Ante a impotência de se conter o que se identifica como arbítrio judicial, ganha força a ideia da anistia como contraponto, como uma espécie de equilíbrio na balança. Se é justo ou injusto esse movimento, o que é indiscutível é que, sendo a anistia um ato político, que emana do Poder Legislativo, as forças ali hegemônicas podem levar adiante essa bandeira, que fragiliza o Estado de Direito e pode levar à falta de responsabilização de pessoas por atos gravíssimos contra as instituições.

O certo, porém, é que a renúncia do Estado ao exercício do poder punitivo tanto pode apaziguar os ânimos como gerar condições para novos movimentos golpistas. Há quem diga que a Revolta de Jacareacanga, de 1955, no sul do Pará, anistiada por Juscelino Kubitschek, e o levante de Aragarças, em 1959, Goiás, foram ensaios para o golpe de 1964. Se não queremos a anistia hoje, devemos lutar pelo devido processo legal.

postado em 27/04/2025 06:00
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