Opinião

Quando fui segurança do papa Francisco

Aquela missão foi muito mais do que proteger um homem. Francisco nos mostrou que segurança não se mede apenas por blindagens e barreiras, mas pela capacidade de construir pontes

PRI-2704-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2704-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

LEANDRO MIRANDA ERNESTO, Agente de Polícia Federal e professor do curso de direito da Universidade Católica de Brasília (UCB)

Como policial federal com 20 anos de serviço, já participei de inúmeras operações de segurança de alto nível, desde a proteção de autoridades — entre as quais, os ex-presidentes dos Estados Unidos Barack Obama e da Rússia Dmitri Medvedev e o rei Filipe VI, da Espanha — até grandes eventos internacionais. Mas nenhuma experiência foi tão transformadora quanto a missão de proteger o papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2013, no Rio de Janeiro. O que começou como mais uma atribuição profissional tornou-se uma profunda lição sobre humanidade, compaixão, serviço e liderança autêntica.

Foi um dos maiores desafios logísticos e de segurança já enfrentados pela Polícia Federal brasileira. Meses antes do evento, começamos um minucioso trabalho de planejamento que envolvia desde análise de rotas até a preparação para possíveis ameaças terroristas. Criamos um esquema de segurança comparável ao usado em cúpulas do G20 ou visitas presidenciais. Afinal, estávamos protegendo não apenas um líder religioso, mas o chefe de Estado do Vaticano.

Não podíamos prever que o nosso maior desafio não viria de ameaças externas, mas justamente da simplicidade radical do homem que estávamos designados a proteger. Enquanto preparamos helicópteros, carros blindados e barreiras de segurança, o papa Francisco preparava-se para quebrar todos os protocolos.

O primeiro choque ocorreu logo no desembarque. O plano original previa seu transporte imediato da Base Aérea do Galeão ao Palácio Guanabara de helicóptero — o método mais seguro para evitar riscos. Para nossa perplexidade, ele recusou categoricamente. "Quero ver o povo", disse com um sorriso tranquilo.

Oferecemos então um Mercedes-Benz blindado da frota presidencial. Nova recusa. Apresentamos outras opções de veículos de luxo com proteção balística. Nada. Optou por um simples Fiat Idea, sem qualquer blindagem, insistindo ainda em manter os vidros totalmente abertos durante todo o trajeto. Enquanto a nossa equipe monitorava cada movimento da multidão, ele acenava e sorria como se estivesse numa tranquila visita pastoral.

Quando transferimos o papa para o papamóvel, esperávamos que, ao menos ali, ele aceitasse algum nível de proteção. Escolheu o veículo mais simples, sem blindagem, completamente exposto. Durante todo o percurso, a nossa equipe de segurança trabalhava em estado de alerta máximo, enquanto ele parecia completamente à vontade.

O ápice da tensão ocorreu quando decidiu visitar a comunidade de Varginha, em Manguinhos. Como profissionais de segurança, sabíamos que aquela era uma das situações de maior vulnerabilidade. Ruas estreitas, vielas labirínticas, multidão incontida — um cenário que contrariava todos os protocolos de proteção a autoridades.

Calculávamos riscos e rotas de fuga. Ele simplesmente se deixou levar pela compaixão. Abraçou moradores, visitou uma casa humilde, conversou com crianças. Sua segurança pessoal parecia ser sua última preocupação. Naquele momento, entendi que estávamos protegendo não um líder distante, mas um homem que vivia o que pregava.

Nos momentos de folga, na residência da Arquidiocese, tive o privilégio de observar Francisco longe dos holofotes. No último dia da visita, ele reservou um tempo precioso para receber cada pessoa que havia trabalhado na organização do evento. Com uma paciência que parecia infinita, o papa Francisco dedicou alguns minutos a cada um de nós. Quando chegou minha vez, surpreendeu-me ao me receber não com a formalidade de um chefe de Estado, mas com a calorosa simpatia de um pai. Conversamos brevemente e, ao final, tirou uma foto comigo — um registro que guardo com especial carinho até hoje.

Antes de me despedir, ele colocou em minhas mãos um escapulário do Vaticano, abençoando-o. Aquele pequeno objeto, carregado de significado, tornou-se muito mais que uma lembrança. Transformou-se em um símbolo tangível de tudo o que havia aprendido naqueles dias intensos: que a verdadeira grandeza se mede pela capacidade de valorizar cada pessoa, independentemente de sua posição ou função.

No último dia, durante a cerimônia de despedida, ocorreu um episódio inusitado. O ídolo do Vasco Roberto Dinamite tentava presentear o papa com uma camisa autografada por ele, mas era barrado pela segurança. Como vascaíno orgulhoso, vi ali uma oportunidade de conciliar meu dever profissional com minha paixão pelo time. Facilitei discretamente a aproximação, e o sorriso de Dinamite ao cumprir seu objetivo valeu por todos os protocolos quebrados naquela semana. O coração de torcedor bateu mais forte.

Hoje compreendo que aquela missão foi muito mais do que proteger um homem. Aprendi com ele. Francisco nos mostrou que segurança não se mede apenas por blindagens e barreiras, mas pela capacidade de construir pontes. Que liderança verdadeira não precisa de pompas, mas de autenticidade. E que, no final, o que realmente protege é o amor genuíno pelas pessoas. 

Por Opinião
postado em 27/04/2025 06:00
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