
Uma das cenas que tenho na memória de infância é de um bate-papo noturno, ao redor de uma fogueira, entre primos, caseiros e capatazes da fazenda de meu avô materno, no interior de Minas. De forma contumaz, as histórias giravam sobre fenômenos sobrenaturais, mitos e caçadas a animais presentes na região entre São Francisco e Arinos.
Particularmente, a presença de onças era o que mais me assustava. Ouvia atento aos relatos sobre ataques a animais e moradores. Vira e mexe, eles saíam para caçadas noturnas na tentativa de encontrar o felino que dizimava o rebanho dos fazendeiros. Confesso que sentia muito medo de ser vítima de um daqueles bichos, que costumavam se esconder em cima de árvores ou tocas, conforme contavam os funcionários.
Em uma semana recheada de notícias impactantes — como a morte do papa Francisco, o aniversário de Brasília, a recusa de um deputado desconhecido a um ministério no governo Lula e a descoberta de um escândalo bilionário de roubo a aposentados e pensionistas do INSS — , a morte de um caseiro por uma onça no Mato Grosso do Sul se tornou um dos focos principais do debate nas redes sociais, com uma alta audiência em todas as matérias.
Como os ataques de onça são extremamente raros, de uma forma geral, a discussão centrava-se em dois pontos: a presença humana no hábitat dos animais e as causas do comportamento agressivo dos bichos, que chegou a avançar sobre um dos policiais que faziam parte das equipes de captura.
O primeiro ponto a termos em mente é que não existe onça boa ou má. A ciência aponta que o comportamento agressivo relatado normalmente está relacionado à defesa do território ou à busca por alimento. Práticas como a "seva" (alimentação de animais em pontos específicos) são vistas como um fator de risco, pois fazem com que os felinos percam o medo e associem a presença humana a uma fonte de alimento.
Outro ponto que merece atenção é que a região, banhada pelos rios Miranda e Aquidauana, trata-se de um destino do turismo ecológico, com visitantes de todas as partes do mundo. Turistas acabam deixando restos de alimentos para os animais, o que favorece o encontro de pessoas com a fauna local.
E, além disso, o Pantanal passou, no ano passado, por um dos maiores incêndios da história, com praticamente 15% da área consumida em queimadas. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chegou, inclusive, a prever o desaparecimento do bioma até o fim deste século. Ou seja, os sinais de mudança na biodiversidade da região são mais do que evidentes.
Urge a necessidade de colaboração entre pesquisadores, poder público e a sociedade para não termos novas tragédias. Animais silvestres estão cada vez mais presentes em áreas urbanas. Respeitar os limites da ação humana é fundamental. Nós somos os invasores.
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