
O que mais me marcou foi a imagem de um muçulmano com o braço direito erguido, segurando a Masbaha (terço islâmico), assim que Francisco adentrou o auditório do Instituto para o Treinamento de Imãs Mohammed VI, em Rabat, capital do Marrocos. Havia ali um ato de profundo respeito por um homem que pregava a paz e a importância do diálogo inter-religioso. Havia um silêncio absoluto naquele anfiteatro, rompido apenas quando o papa discursou e quando um trio de cantores — um muçulmano, uma judia e uma cristã — entoaram a Ave Maria.
Foi um momento tão numinoso que as lágrimas rolaram pela minha face. Existia um senso de unidade e de paz naquele local que creio ser impossível expressar com palavras. Ao fim do evento, clérigos islâmicos desceram as escadarias do prédio com um semblante de satisfação e de admiração.
No último dia da breve viagem ao Marrocos — a primeira de Francisco em um país árabe —, o jesuíta Jorge Mario Bergoglio lotou o Estádio Príncipe Moulay Abdellah. Dessa vez, a missa teve presença massiva da população laica, especialmente de jovens do Marrocos, mas também da África Subsaariana, que viajaram para ver Francisco. Foi minha segunda cobertura de uma viagem do papa.
Dezoito anos atrás, acompanhei a ida de Bento XVI a São Paulo e a canonização de Frei Galvão, em missa a céu aberto no Campo de Marte. É inegável como Francisco mostrava-se diferenciado. Carregava consigo a simplicidade peculiar aos missionários e aos jesuítas. Foi um líder religioso que construía pontes, pregava a igualdade, aproximava-se dos pobres e oprimidos, acolhia a comunidade LGBTQIAPN , preparava a Igreja para discutir o sacerdócio das mulheres.
Francisco também foi exemplo de resiliência e fé. Mesmo fragilizado, depois de enfrentar uma pneumonia dupla, ele visitou a penitenciária de Regina Coeli, na Quinta-Feira Santa. Por 30 minutos, conversou com 70 presos. Três dias depois, deu a última bênção aos fiéis, na Praça de São Pedro, apenas poucas horas antes de morrer. Era como se quisesse estar presente em um momento tão significativo para os católicos: a celebração da ressurreição de Cristo.
O jesuíta argentino entra para a história deixando uma marca indelével de carisma, caridade, força, abnegação, fé e preocupação genuína com o próximo. Simples que foi, escolheu uma sepultura de terra, sem decoração e com uma pequena placa escrita "Franciscus". Também pediu para ser enterrado dentro de um caixão de madeira, fora dos muros do Vaticano. A Deus, Francisco. Um homem que cumpriu à risca os ensinos de Jesus Cristo.
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