CENÁRIO INTERNACIONAL

O que esperar da cúpula da Celac, que fez Lula sair da COP30 em Belém

Ausências de lideranças importantes e visões divergentes sobre tensão entre EUA e Venezuela podem enfraquecer encontro.

Destróier USS Stockdale (DDG 106) no Mar do Caribe, em 29 de setembro de 2025 -  (crédito: Getty Images)
Destróier USS Stockdale (DDG 106) no Mar do Caribe, em 29 de setembro de 2025 - (crédito: Getty Images)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa neste domingo (9/11) da reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE).

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Lula deixa Belém, onde acompanha a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), para viajar a Santa Marta, cidade na Colômbia que recebe o evento da Celac.

O presidente brasileiro não iria participar da cúpula inicialmente, mas afirmou, na semana passada, que o encontro seria ambiente apropriado para discutir a movimentação militar dos Estados Unidos na região do Caribe e na costa da Venezuela.

"Só tem sentido a reunião da Celac, neste momento, se a gente for discutir essa questão dos navios de guerra americanos aqui nos mares da América Latina. Tive oportunidade de conversar com o presidente [Donald] Trump sobre esse assunto, dizendo para ele que a América Latina é uma zona de paz", disse.

"Somos uma zona de paz, não precisamos de guerra aqui. O problema que existe na Venezuela é um problema político que deve ser resolvido na política", acrescentou Lula.

O que é a Celac?

A Celac reúne todos os países da América Latina e do Caribe e tem como principal objetivo promover a integração da região.

O organismo intergovernamental foi criado oficialmente em 2011, na Venezuela. Até aquele momento, as nações latino-americanas e caribenhas se reuniam na OEA (Organização dos Estados Americanos), que também conta com a participação de Estados Unidos e Canadá.

Por isso, a formação da Celac foi vista como uma forma dos países da região discutirem diferentes temas de cunho político, social, cultural e econômico sem a influência das duas potências desenvolvidas.

Ainda assim, o bloco mantém diálogo estreito com a União Europeia e outros países e grupos, como Índia, China, Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e União Africana.

Em 2013, a Celac realizou a sua primeira reunião de cúpula oficial com a presença da UE, algo que se repetiu em 2015, 2023 e agora em 2025.

Placa da cúpula da Celac na Colômbia
Getty Images

Desde o início, o órgão enfrenta desafio de criar uma organização capaz de gerar consenso entre os países e cuja institucionalidade seja capaz de implementar políticas de integração autônomas em relação aos Estados Unidos.

Entre as contradições enfrentadas pelo bloco está também a de construir políticas comuns em uma região ainda marcada por diferentes níveis de desenvolvimento econômico, pobreza, crime organizado e, em especial, antagonismos no campo político-ideológico.

Em 2020, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil deixou o comitê da Celac porque o então presidente desejava distância de lideranças de esquerda, como Cuba e Venezuela.

Mas logo no início de seu atual mandato, Lula anunciou a volta do Brasil ao organismo.

A cúpula: EUA e Venezuela em foco

A reunião que começa neste domingo tem como objetivo discutir uma ampla agenda global, com ênfase em educação, saúde, inovação, inteligência artificial, comércio, investimentos e combate ao crime organizado.

A expectativa é que, durante o evento, seja consolidada a chamada "Declaração de Santa Marta" e o "Mapa do Caminho 2025-2027", instrumentos que visam converter o diálogo birregional em ações concretas e orientar a implementação das prioridades entre as duas regiões.

Mas analistas concordam o tópico de maior destaque deve ser o aumento da tensão entre Estados Unidos e Venezuela.

Há dois meses, as forças armadas americanas vêm reforçando sua presença no Mar do Caribe com navios de guerra, caças, bombardeiros, fuzileiros navais, drones e aviões espiões. É o maior destacamento militar na região em décadas.

O governo de Donald Trump afirma estar comandando um esforço para reprimir o narcotráfico na região e acusa o presidente venezuelano Nicolás Maduro de liderar o Cartel de los Soles, grupo classificado como organização narcoterrorista.

Forças dos EUA já realizaram pelo menos 17 ataques a barcos suspeitos de transportar drogas no Caribe, perto da costa venezuelana, nas últimas semanas, matando mais de 60 pessoas.

Na semana passada, Trump minimizou a possibilidade de uma guerra com a Venezuela, mas sugeriu que os dias de Maduro no poder estavam contados.

Em 15 de outubro, o presidente americano confirmou ter autorizado a agência de inteligência CIA a conduzir "operações secretas" em solo venezuelano, no que foi considerada uma indicação de que Washington está disposto a escalar a tensão a níveis inéditos.

Destróier USS Stockdale (DDG 106) no Mar do Caribe, em 29 de setembro de 2025
Getty Images
Destróier USS Stockdale (DDG 106) no Mar do Caribe, em 29 de setembro de 2025

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o horizonte de um conflito entre os dois países está mais próximo do que nunca – e um acirramento das tensões poderia trazer impactos profundos para toda a região.

A presença de porta-aviões e tropas norte-americanas no Caribe rompe com uma tradição latino-americana de não beligerância, segundo afirma Monica Herz, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

"É algo que coloca em xeque décadas de esforços para manter o Atlântico Sul e a América Latina como zonas de paz", alerta.

Mas até o momento, os países da América Latina e Caribe não se juntaram para comentar o tema ou elaborar uma estratégia conjunta de resposta à crise.

"Não há consenso mínimo, não articulação, não há nenhuma organização envolvida", lamentou Herz em entrevista concedida antes do anúncio da participação de Lula na cúpula deste domingo.

A expectativa, portanto, é de que o encontro da Celac termine com pelo menos algum tipo de declaração sobre os últimos acontecimentos.

Esvaziamento e visões divergentes

Não se sabe, porém, se será possível obter um consenso definitivo entre os membros da Celac sobre o que acontece nas águas do Caribe no momento.

A Colômbia classificou os ataques americanos a embarcações como violações ao direito internacional, e o Brasil já manifestou apoio a uma negociação para colocar fim à tensão.

Lula defendeu uma saída "política e diplomática" para a crise no país vizinho durante seu encontro com Donald Trump em outubro. O brasileiro também propôs a participação do Brasil como facilitador numa eventual negociação.

Já o governo de Trinidad e Tobago, por exemplo, deixou clara a total adesão de seu governo ao amplo envio de forças militares pelos EUA. Na semana passada, a ilha caribenha recebeu a visita de um dos navios de guerra da frota de Trump: o USS Gravely, um destróier lançador de mísseis com capacidade de combate aéreo, submarino e de superfície, além de poder transportar helicópteros.

E em um movimento que foi visto como de alinhamento aos EUA, Argentina e Paraguai também classificaram o grupo Cartel de los Soles como uma organização internacional terrorista.

Os dois países ainda anunciaram mais recentemente que farão os mesmo com facções criminosas brasileiras, entre elas o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Há preocupação também em relação ao esvaziamento da cúpula, diante de cancelamentos na participação de lideranças centrais.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cancelou sua participação de última hora, assim como o presidente uruguaio, Yamandú Orsi.

Javier Milei, da Argentina, e Claudia Sheinbaum, do México, também não estarão, entre outros.

O encontro segue até segunda-feira (10), mas Lula participa apenas do primeiro dia de reunião e retorna a Belém para a abertura oficial da COP30.

*Com reportagem de Paula Adamo Idoeta e Claudia Jardim

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BBC
Julia Braun* - Da BBC News Brasil em Londres
postado em 09/11/2025 12:29 / atualizado em 09/11/2025 16:16
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