INVESTIGAÇÃO

Morte de ex-delegado pioneiro no combate ao PCC pressiona Tarcísio em meio a 'nova fase' do crime organizado em SP

Episódio mostra força do crime organizado em momento em que Primeiro Comando da Capital está em fase diversificação de suas atividades, pontuam especialistas em Segurança Pública.

O episódio coloca o governador de São Paulo sob pressão -  (crédito: REUTERS/Amanda Perobelli)
O episódio coloca o governador de São Paulo sob pressão - (crédito: REUTERS/Amanda Perobelli)

O brutal assassinato do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes nesta segunda-feira (15/09), em uma via pública movimentada de Praia Grande (SP), mostra a força do crime organizado em um momento em que o Primeiro Comando da Capital (PCC) está em fase diversificação de suas atividades, pontuam especialistas em Segurança Pública.

Pioneiro no combate do crime organizado, Ferraz Fontes foi assassinado em uma aparente emboscada no município do litoral paulista, onde era secretário municipal de Administração.

Um vídeo da ação mostra um carro em alta velocidade, onde estava Fontes, virando em uma avenida até colidir com um ônibus. O carro capota, até que outro veículo chega com homens fortemente armados, que atiram no veículo onde estava o ex-delegado.

As imagens mostram que Ferraz Fontes foi executado em uma ação planejada e de alta complexidade tática, avalia Leonardo Carvalho, pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"Não foi um alvo aleatório, foi um alvo escolhido. A operação contou com logística e planejamento prévio, fruto de um treinamento especializado", afirma Carvalho.

"Ferraz teve papel fundamental na identificação da estrutura do PCC. Foi um dos primeiros delegados a mapear o organograma da facção e, em sua gestão, várias lideranças foram transferidas para presídios federais. Ele já havia sido jurado de morte há alguns anos", lembra o pesquisador.

O envolvimento do PCC no crime não está confirmado pelas investigações, mas existem indícios que a organização está ligada ao assassinato de Ferraz Fontes, disse à GloboNews Lincoln Gakiya, promotor do Ministério Público de São Paulo e integrante do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

As investigações seguem duas linhas de motivação: vingança pelo trabalho do ex-delegado contra o crime organizado e retaliação pelo seu trabalho na Prefeitura de Praia Grande.

Para o pesquisador, a execução "com alto grau de planejamento" mostra a força do crime organizado.

O crime ocorreu em um momento em que o PCC tem ampliado suas atividades, do domínio da cadeia produtiva de drogas à extração ilegal de ouro na Amazônia, passando por controle de empresas de tecnologia na Faria Lima.

"São fortes os indícios de que essas facções criminosas estão ampliando seus domínios territoriais num primeiro ponto. Mas nos últimos anos as autoridades vem investigando e identificando a presença da facção criminosa também na economia formal. Não é de hoje", diz.

Em paralelo, ações de execuções de grande visibilidade tem se tornando cada vez mais recorrente em São Paulo, como o caso do assassinato Vinícius Gritzbach, ex-colaborador e delator do PCC, que foi executado a tiros em novembro de 2024 no Aeroporto Internacional de Guarulhos.

"Num primeiro momento, esse tipo de execução era focada em alguns desafetos internos da facção. Tivemos o episódio que aconteceu em Guarulhos, uma área com grande circulação de pessoas, um grande esquema de monitoramento por câmeras, e isso não foi capaz de desestimular nem de frear a realização de uma execução ali. Agora a gente tem esse novo episódio."

Para Rafael Alcadipani, professor titular da EAESP-FGV e pesquisador da área, as ações têm sido propositalmente "mais espetacularizadas".

"São ações de chamar muita atenção. Era uma coisa que eles haviam parado um pouco, mas parece que eles voltam a querer fazer isso", diz.

"Este foi um crime ousado, que mostra como o crime organizado está fora de controle, com liberdade de ação nas ruas, no litoral, no aeroporto internacional, no maior porto da América do Sul. E conseguindo instaurar pânico", completou o professor.

"Eles [o PCC] se transformaram como máfia, estão mais especializados, mas acho que eles querem agora mostrar um pouco da sua força também."

'Apuração exige inteligência'

Tarcísio de Freitas
REUTERS/Amanda Perobelli
O episódio coloca o governador de São Paulo sob pressão

Em contrapartida, diz Leonardo Carvalho, as forças de Segurança Pública no Estado têm apostado no caminho da repressão, como a Operação Escudo e a Operação Verão.

"O protagonismo permanece concentrado nas polícias, em especial na Militar, sem a participação efetiva de outros órgãos na formulação de políticas de segurança pública. E sabemos que se trata de um tema bastante complexo, que demanda atuação articulada de diferentes instituições", diz o pesquisador.

"É preciso que o Estado atue com inteligência, planejamento e articulação. A política de segurança não pode se resumir à polícia."

Rafael Alcadipani também pontua que, agora, a resposta do Estado precisa ser precisa e profissional.

"A polícia tem que agir de forma inteligente e cirúrgica, para encontrar e prender os responsáveis. Não pode repetir ações generalizadas e pouco planejadas, como já vimos antes, porque isso não muda nada. O crime organizado continua forte, continua atuante e continua gerando vítimas", disse.

Ele também alerta para o impacto político do assassinato. O episódio coloca o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um dos principais presidenciáveis nas eleições de 2026 e que luta pelo espólio político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob pressão.

"Este crime mostra que a política de segurança pública do governador não tem dado resultado. Fuzis circulam livremente, pessoas continuam sendo assassinadas, e o crime age como quer. Isso pode prejudicar a imagem eleitoral de Tarcísio", avaliou o professor da FGV.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, disse que a polícia já identificou dois dos suspeitos pela morte do ex-delegado-geral. Os nomes não foram revelados. Derrite afirmou ainda que haverá uma "pronta resposta" ao ataque.

Alcadipani também criticou o vazamento precoce de informações durante as investigações.

"Isso é muito pouco profissional. Investigação é sigilosa. Não é para ficar falando antes da hora, porque só alerta os criminosos e atrapalha a apuração. O correto é prender primeiro e falar depois", concluiu.

Quem era Ruy Ferraz Fontes?

Ruy Ferraz Fontes tinha 63 anos e era formado e pós-graduado em Direito e foi delegado de polícia desde 1988. Ele trabalhou por 15 anos em uma delegacia especializada em roubo a bancos.

Fontes era tido como um dos maiores especialistas no Brasil nas ações do Primeiro Comando da Capital (PCC) e um pioneiro no combate ao grupo.

Em maio de 2006, ele estava no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), onde investigava o PCC, quando a facção fez uma série de ataques no Estado de São Paulo, matando mais de 500 civis e 50 agentes públicos.

Sua equipe indiciou todos os principais líderes do PCC nas ações relacionadas a aqueles ataques, isolando os criminosos em presídios de segurança máxima.

Por suas ações contra o PCC em 2006, ele recebeu no ano seguinte a medalha Tiradentes, da Câmara Municipal de São Paulo.

Mas as medidas contra o PCC transformaram Fontes em um alvo da facção criminosa.

Em 2019, a imprensa noticiou que o líder máximo do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, teria ordenado a morte de três integrantes da Polícia Civil de São Paulo — entre eles o delegado Ruy Ferraz Fontes. A informação era baseada em uma investigação do Ministério Público de São Paulo que revelou uma carta com detalhes da operação do PCC contra os policiais.

Os atentados planejados contra Fontes e os demais policiais seriam resposta à transferência de Marcola e outros 21 integrantes do PCC para prisões federais, o que desagradou a facção criminosa.

Ao longo de sua carreira, ele ocupou diferentes posições. Entre 2019 e 2022, no governo de João Dória em São Paulo, Fontes foi delegado geral da Polícia Civil de São Paulo.

Fontes esteve à frente da Policia Civil no caso do ataque de adolescentes a uma escola e uma locadora de veículos em Suzano (SP) em 2019, que matou 8 pessoas, além dos dois atiradores, que também morreram.

Fontes fez cursos sobre segurança no exterior e era professor de Investigação Policial na Academia da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Ele atuou como professor por mais de dez anos.

Ele estava aposentado da polícia, e em janeiro de 2023 assumiu a secretaria de Administração em Praia Grande.

BBC
Rute Pina - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 17/09/2025 04:42 / atualizado em 17/09/2025 08:45
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