
Um grupo empresarial investigado sob suspeita de ser parte do braço logístico da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) assumiu as operações de um terminal portuário e tentou obter a gestão de outros dois terminais em áreas estratégicas da costa brasileira.
A concretização das empreitadas poderia movimentar pelo menos R$ 3 bilhões e deixar portos sob o controle do grupo por até 25 anos.
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O Grupo BSO, com sede na avenida Faria Lima, coração financeiro de São Paulo, foi um dos alvos da operação Carbono Oculto, que investiga a ramificação do PCC no setor de combustíveis. Uma empresa vinculada ao grupo, a Stronghold Infra Investimentos, foi alvo de mandado de busca e apreensão.
Atualmente, o grupo já controla um terminal no porto de Paranaguá, mas a BBC News Brasil identificou que o conglomerado tentou e ainda tenta operar nos portos de Maceió, em Alagoas, e no de Santos, o mais movimentado do Brasil.
Investigadores a par do caso disseram à BBC News Brasil em caráter reservado que a tentativa do PCC de controlar terminais portuários pode atender tanto às atividades da facção no setor de combustíveis quanto no tráfico de drogas.
Procurado, o Grupo BSO confirmou as tentativas de obter o controle de portos na costa brasileira, mas negou seu envolvimento com o PCC.
Há duas semanas, três operações simultâneas deflagradas pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) e pela Polícia Federal atacaram parte da estrutura que teria sido montada pela facção para operar no mercado de combustíveis em todo o Brasil.
Segundo as investigações, empresas ligadas à facção operam em todas as etapas do setor de combustíveis, da produção ou importação, passando pela distribuição e venda direta ao consumidor final por meio de uma rede de mais de mil postos espalhados em pelo menos dez Estados brasileiros.
A estimativa é de que o esquema, que também teria contado com a participação de fundos de investimento e fintechs (empresas que oferecem serviços financeiros no meio digital), teria movimentado R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024. Para lavar o dinheiro e blindar o patrimônio do grupo, a facção teria passado a usar os serviços de fundos de investimento e fintechs.
O governo brasileiro tratou as operações como as maiores já realizadas de uma só vez contra o crime organizado no país.
Rumo ao litoral
O grupo BSO foi fundado em 2002 e, oficialmente, atua como um conglomerado de empresas em setores como os de cartões de crédito, empréstimo consignado e combustíveis.
Ele se estruturou em torno de um fundo, o Zeus Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios, e, a partir daí, passou a criar uma estrutura empresarial para participar de leilões de concessão de portos.
Em 2022, foi criada a empresa Stronghold Infra Investments, vinculada ao Grupo BSO. Em 2023, a empresa passou a participar de leilões para arrendar terminais de importação e exportação de combustíveis.
Documentos da investigação Carbono Oculto apontam que duas pessoas citadas como sócios do Grupo BSO, Cleiton Santos Santana e Guilherme Ali de Paula, teriam vínculos com Mohamad Houssein Mourad, conhecido como "Primo" e classificado como o "epicentro" do esquema do PCC no setor de combustíveis.

"Apesar de Cleiton e seu sócio Guilherme Ali de Paula 'estamparem' a fachada do grupo BSO, uma análise mais aprofundada revela vínculos diretos com o grupo Mohamad. Isso sugere que eles podem atuar como interpostas pessoas ou ter um papel mais profundo nas operações de ocultação de bens", diz um trecho da decisão da Justiça paulista que autorizou a operação Carbono Oculto.
Em outro trecho da decisão, a o juiz Sandro Nogueira de Barros Leite, diz que "há elementos indicativos da expansão do grupo Mohamad para os portos, com os investimentos na cadeia de combustíveis sendo um dos destaques do Grupo BSO".
Cleiton e Guilherme foram alvos de mandados de busca e apreensão autorizados pela Justiça de São Paulo. Mourad foi alvo de um mandado de prisão e está foragido.
O advogado de Cleiton Santos Santana, Daniel Bialski, negou o envolvimento de seu cliente com o PCC.
"Nunca existiu nenhuma vinculação (com o PCC) [...] ainda não tivemos acesso à investigação, mas ao que tomei conhecimento até agora, não há nada que vincule [o cliente dele] ou as empresas aos principais personagens da investigação", diz Bialski à BBC News Brasil.
As defesas de Guilherme Ali de Paula e Mohamad Houssein Mourad não foram localizadas.

Três tentativas
Documentos aos quais a BBC News Brasil teve acesso mostram que a primeira tentativa do Grupo BSO de assumir um terminal portuário no Brasil aconteceu em agosto de 2023, quando a Stronghold participou do leilão para arrendar o terminal MAC 12, situado no Porto de Maceió.
Trata-se de um terminal de 13 mil metros quadrados com localização estratégica.
Situado na costa nordestina, o terminal fica milhares de quilômetros mais perto de mercados produtores de derivados de petróleo como os Estados Unidos, o Golfo Pérsico ou Rússia, do que terminais tradicionais situados no Sudeste ou no Sul do país.
A empresa, no entanto, perdeu a disputa para uma gigante do setor, a Ipiranga, que pertence ao grupo Ultra.
Em março de 2024, a Stronghold foi à caça de um novo terminal pela segunda vez.
Desta vez, ela participou de um chamamento público relativo ao leilão do terminal STS-08, no Porto de Santos, no litoral de São Paulo, o mais movimentado do Brasil.

O chamamento é a etapa em que as empresas demonstram interesse em participar do futuro leilão cuja data ainda não foi divulgada.
A estimativa é que a vencedora do leilão desembolse pelo menos R$ 452 milhões em investimentos e que o contrato gire em torno de R$ 2,8 bilhões com uma duração de 25 anos.
O STS-08 é mais de dez vezes maior que o MAC 12, com uma área de 152 mil metros quadrados, conectado por dutos ao terminal de Cubatão e a refinarias existentes em São Paulo, o maior mercado consumidor do país.
Quatro meses depois, em julho de 2024, a Stronghold, finalmente, conseguiu o seu primeiro terminal portuário.
Ela comprou a Liquipar, a empresa que havia vencido o leilão do terminal PAR-50, localizado no porto de Paranaguá, em 2023. O terminal tem 85 mil metros quadrados de área e conta com 18 tanques de armazenagem. Atualmente, ele ainda não está em operação.
O contrato de arrendamento prevê que o terminal ficará com a empresa até 2051.
Ele também prevê que a Liquipar/Stronghold repasse ao governo paranaense um total de até R$ 1,7 bilhão até o fim da sua vigência.

A empresa se comprometeu a investir R$ 572 milhões na modernização do terminal.
A divulgação dos investimentos foi feita por Cleiton Santos Santana ao lado do governador do Paraná, Ratinho Jr (PSD), cujo nome é cotado para disputar as eleições presidenciais de 2026. Os dois posaram, juntos, para fotos.
Procurados, o governo do Paraná e a empresa pública que administra o porto de Paranaguá, Portos do Paraná, negaram irregularidades no processo que concedeu o controle do terminal PAR50 à Liquipar/Stronghold.
"A Portos do Paraná informa que o leilão público de arrendamento do PAR50 foi realizado em 2023 na B3 de maneira transparente e a empresa vencedora foi a FTS Group, um grupo paranaense. Na sequência, esse grupo vendeu a concessão para outra empresa, num processo que foi feito no âmbito da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, do governo federal, sem qualquer ingerência do Estado", diz um trecho da nota enviada.
"O Governo do Paraná e o governador também repudiam qualquer tentativa de associar a administração estadual a essas investigações", diz outro trecho.
Vínculos apontados
Segundo as investigações, há suspeitas de que Mourad tenha financiado, ao menos parcialmente, a compra da Liquipar pela Stronghold.
Isso teria ocorrido a partir de repasses feitos pela SM Serviços, apontada como uma empresa de fachada de Mourad, à empresa Grand Bank, vinculada a Guilherme Ali de Paula, na mesma época em que a Stronghold negociava a compra da Liquipar.
"Guilherme Ali de Paula é o proprietário da GRAND BANK, que recebeu um alto fluxo financeiro da SM SERVIÇOS EMPRESARIAIS EIRELI em datas próximas à aquisição do terminal PAR 50 do Porto de Paranaguá", diz um trecho da decisão da Justiça de São Paulo que autorizou a operação.
A investigação também aponta que Mourad teria ligações com a Stronghold por meio de um fundo de investimentos.
"Há uma suspeita de que o grupo Mohamad seja titular de 67% das cotas do FUNDO ATENA, o que estabeleceria um vínculo direto com o Porto de Paranaguá/PR", diz a decisão da Justiça de São Paulo.
Procurada, a assessoria de comunicação do Grupo BSO negou os supostos vínculos com o PCC.
"Nem a Stronghold, nem a Zeus, nem a Liquipar têm qualquer vínculo societário ou relação de investimento com o sr. Mourad ou com a SM Serviços Empresariais", disse a empresa.
Por meio de nota, a Liquipar também negou irregularidades.
"A Liquipar atua com absoluta transparência e está à disposição das autoridades para cooperar com as investigações, prestando todos os esclarecimentos necessários, em coerência com seu compromisso com a legalidade, a segurança e o desenvolvimento do Porto de Paranaguá", disse.
Logística do crime
Para o assessor internacional e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Nívio Nascimento, a descoberta de que o PCC estaria buscando o controle formal de portos no Brasil foi inesperada.
"Isso é escandaloso. É algo que não deveria acontecer. Ter uma organização como o PCC controlando um porto inteiro demonstra o poder dessas organizações e a necessidade de responder a esse problema à altura", diz Nascimento à BBC News Brasil.
Segundo ele, o que mais chamou atenção foi o fato de, segundo as investigações, o PCC ter usado fundos de investimento para adquirir o controle do porto em Paranaguá.
Na avaliação de Nascimento, que trabalhou entre 2008 e 2023 para o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o controle de portos é um passo estratégico para facções como o PCC.
"Isso vai ao encontro do que vínhamos observando há alguns anos, que é o crime avançando e diversificando suas estruturas econômicas e produtivas. Esses portos são estratégicos para o crime. Eles podem atender tanto à atividade do combustível quanto para tráfico de drogas", afirma.
Nascimento afirma, porém, que, apesar de preocupante, há sinais governamentais de que esse combate ao crime organizado está sendo feito.
"A operação Carbono Oculto mostrou que a atuação integrada de diversos atores da segurança pública mirando os ativos das facções pode dar muito certo".
A BBC News Brasil enviou perguntas à Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) sobre o controle pela Liquipar do terminal PAR50, em Paranaguá, mas não recebeu respostas.
O Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR) também não respondeu.
A Autoridade Portuária do Porto de Paranaguá (APPA) disse, por e-mail, que não foi notificada sobre as investigações e que acompanha o caso pela imprensa. O órgão disse ainda acompanhar o andamento das investigações e que "somente após a conclusão desse processo ou mediante solicitação das autoridades competentes, a empresa pública adotará os encaminhamentos administrativos que se fizerem necessários".
Faria Lima e PCC
No dia 28 de agosto, a Polícia Federal, Receita Federal e o MPSP deflagraram três operações contra um esquema supostamente utilizado pelo PCC para lucrar com o comércio de combustível e contar com o auxílio de o sistema financeiro para lavar e blindar seu patrimônio.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski classificou a operação como o maior golpe do Estado contra uma organização criminosa.
Segundo as autoridades, o esquema utilizava fundos de investimentos e empresas financeiras que operam na avenida Faria Lima (principal centro financeiro de São Paulo) para gerar, lavar, ocultar e blindar recursos da atuação da facção no tráfico de drogas e no setor de combustíveis.
O PCC é considerado uma das maiores organizações criminosas do Brasil com atuação tanto no tráfico de drogas doméstico e internacional quanto no setor de combustíveis.
As três operações se chamam Carbono Oculto, Quasar e Tank.
De acordo com as autoridades, o principal esquema, investigado pela Operação Carbono Oculto, funcionava em quatro etapas.
Na primeira, importadoras de combustíveis financiadas com recursos da facção compravam remessas de combustíveis no exterior.
O produto então era distribuído a redes de postos controladas pelo PCC em diversos Estados. Estes postos, por sua vez, sonegavam impostos da venda desses produtos ao consumidor final.
Na segunda fase, a facção também usava os postos e outros estabelecimentos comerciais para lavar dinheiro do tráfico de drogas.
O PCC teria usado uma rede de aproximadamente mil postos de gasolina distribuídos em 10 Estados: São Paulo, Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins.
A terceira fase era a da ocultação dos recursos ilícitos gerados pela facção. É nesta fase que entraram em cena, segundo a PF, fintechs (empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros).
De acordo com as investigações, as fintechs receberiam recursos dos estabelecimentos controlados pelo PCC e os misturaria com dinheiro de outros clientes, tornando o rastreio mais difícil.
Na quarta etapa ocorreria a blindagem do patrimônio do PCC contra eventuais investigações.
A blindagem patrimonial ocorreria por meio do investimento em fundos oficialmente controlados por gestoras situadas no coração financeiro de São Paulo.
De acordo com os investigadores, a facção teria usado 40 fundos de investimentos com um patrimônio de R$ 30 bilhões ligados ao esquema.
Mas esses fundos seriam controlados, na verdade, pela organização criminosa.
Ao todo, foi decretada a prisão de 14 pessoas, mas apenas seis foram presas. A Polícia Federal abriu uma investigação para apurar um possível vazamento de informações da operação que poderia ter beneficiado os investigados.
Mapas por Carla Rosch e Caroline Souza da Equipe de Jornalismo Visual da BBC News Brasil
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