
Durante 45 anos, Estados Unidos e União Soviética (URSS) travaram uma Guerra Fria com direito a ameaça nuclear, em 1962, na Crise dos Mísseis de Cuba. Seis décadas depois, o presidente dos EUA, Donald Trump, reaviveu a tensão atômica com Moscou. Depois de uma publicação do ex-presidente russo Dmitri Medvedev — atual número dois do Conselho de Segurança do país —, o norte-americano ordenou o envio de dois submarinos nucleares em resposta a comentários "provocativos".
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Na rede social X, Medvedev fez referência à guerra na Ucrânia e ao ultimato imposto por Trump para um acordo de cessar-fogo. "Trump está brincando de jogo do ultimato com a Rússia: 50 dias ou 10... Ele deveria se lembrar de duas coisas. Primeiro, a Rússia não é Israel nem mesmo o Irã. Segundo, cada novo ultimato é uma ameaça e um passo em direção à guerra." Três dias depois, na quinta-feira (31/7), o russo criticou o líder americano e citou a "famosa 'mão morta'" — um sistema automatizado ultrassecreto instituído pela URSS durante a Guerra Fria para tomar o controle do arsenal atômico, em caso de uma eventual destruição da cadeia de comando soviético.
"Ordenei que dois submarinos nucleares se posicionassem nas regiões apropriadas, caso estas declarações insensatas e incendiárias sejam mais do que isso", publicou Trump, ontem, em sua plataforma Truth Social. Ele sublinhou que "as palavras são muito importantes e, muitas vezes, podem ter consequências imprevistas". "Espero que este não seja um desses casos."
O republicano não deu detalhes sobre a região onde os submarinos seriam posicionados, nem se têm propulsão nuclear ou se carregam armamentos nucleares. A retórica belicista de Trump é um capítulo a mais no tensionamento entre a Casa Branca e o Kremlin. Ainda que tenha se aproximado do presidente russo, Vladimir Putin, depois da posse, em 20 de janeiro, Trump recentemente referiu-se ao colega como um "inútil" que "fala muita besteira".
Sanções
A relação entre os dois países se estremeceu a tal ponto que Washington ameaça impor sanções econômicas à Rússia, caso Putin não encerre a guerra até o fim da próxima semana. A intenção de Trump é lançar mão das chamadas sanções secundárias — de impacto indireto, visariam países que negociam petróleo russo, o que incluiria o Brasil. Na madrugada de quinta-feira, a Rússia lançou um dos piores bombardeios de drones e mísseis contra Kiev, capital da Ucrânia, desde 2022. Pelo menos 31 pessoas morreram.
Para a russa Anna Vassilieva, chefe do programa de Estudos Russos e diretora da Iniciativa Monterey em Estudos Russos, é muito cedo para fazer comentários sobre o anúncio de Trump. "A 'ordem de envio de submarinos nucleares' é uma reação emocional e não se baseia em consultas com o Pentágono ou em um processo decisório formal. O Pentágono nada tem a dizer a respeito", explicou ao Correio.
Vassilieva interpreta a atitude de Medvedev como "muito parecida" com a de Trump. "As publicações do ex-presidente russo são altamente pessoais, provocativas e não se sustentam pela racionalidade. Não se pode 'analisar' os desabafos de Medvedev, assim como os de Trump — são dois exemplos de fluxo de consciência", disse.
Nicholas Fenton — diretor associado do Programa Eurásia, Rússia e Europa do Centro para Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS, em Washington) — admitiu ao Correio que os comentários de Trump provavelmente foram elaborados para sinalizar uma postura mais dura em relação ao Kremlin e à política externa russa. "Elas se encaixam em um contexto mais amplo do desejo declarado do governo Trump de obrigar Moscou a se envolver mais seriamente nas negociações de paz com Kiev", afirmou.
EU ACHO...
"Em nenhuma circunstância podemos nos dar ao luxo de minimizar a seriedade da ameaça da Terceira Guerra Mundial como resultado dessa escalada tola e aparentemente inocente. Trump está insatisfeito com o fato de Vladimir Putin não ceder em relação à guerra na Ucrânia e não se alinhar aos EUA, como o republicano espera. Paciência não parece ser o traço de caráter de Trump; então, a retórica do atual impasse entre EUA e Rússia, ainda relativamente benigno, está retornando às qualificações da era Biden."
"Embora seja muito cedo para dizer se a equipe de Trump planeja cumprir as recentes ameaças de ampliar as sanções contra Moscou ou as promessas de reabastecer os embarques de armas europeias para a Ucrânia, as declarações do presidente são notáveis por seu tom de confronto. Se a Casa Branca quiser pressionar o Kremlin a negociar seriamente, precisa aumentar os custos para a Rússia, reforçando as sanções e demonstrando um compromisso de longo prazo com a defesa e a soberania política da Ucrânia."
Nicholas Fenton, diretor associado do Programa Eurásia, Rússia e Europa do Centro para Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS, em Washington)
Na véspera, a defesa pelo Nobel da Paz
O envio de dois submarinos nucleares como forma de ameaça à Rússia foi anunciado no dia seguinte a uma declaração polêmica da Casa Branca. A porta-voz Karoline Leavitt afirmou que "passou da hora" de o presidente Donald Trump ser agraciado com o Nobel da Paz, uma das maiores distinções do planeta. Ela lembrou que o republicano "pôs fim aos conflitos entre Tailândia e Camboja, Israel e Irã, Ruanda e República Democrática do Congo, Índia e Paquistão, Sérvia e Kosovo e Egito e Etiópia". A ativista ucraniana Oleksandra Matviichuk, laureada com o Nobel da Paz em 2022 e diretora da ONG Centro pelas Liberdades Civis (em Kiev), disse ao Correio que, para ter direito ao prêmio, Trump "precisa ajudar a estabelecer uma paz justa e duradoura". "Qualquer outra coisa não o levará a um Prêmio Nobel. E essa é uma tarefa difícil. Portanto, desejo-lhe sucesso."