
Natalya Filonova viveu o pior pesadelo de qualquer pai ou mãe.
Em setembro de 2022, com 60 anos de idade, ela foi presa em uma manifestação contra o recrutamento militar na província da Buriátia, no extremo leste da Rússia. O presidente russo, Vladimir Putin, havia acabado de anunciar uma "mobilização parcial" para a guerra contra a Ucrânia.
Filonova foi posteriormente condenada por "uso de violência contra policiais" e seu filho adotivo foi encaminhado para um orfanato.
"Eles disseram que havíamos organizado uma manifestação ilegal", explica ela. "Estávamos exercendo nosso direito constitucional de expressar nossa opinião."
Filonova foi detida enquanto falava ao vivo em uma transmissão pelo YouTube e acusada de cometer uma ofensa civil. Ela resistiu à prisão.
Na audiência que se seguiu, houve uma alerta súbito de bomba no tribunal. Filonova foi separada da sua advogada de defesa e colocada em um carro. Enquanto tentava escapar, ela arranhou um policial e foi aberto um processo criminal.
Desta vez, os policiais que a prenderam foram à escola onde ela ajudava a criar seu filho Vova, trabalhando como tutora. O processo afirma que, naquele momento, ela quebrou um dedo de um dos policiais.
Por isso, Filonova foi acusada de "usar de violência para ameaçar a vida ou a saúde", um crime sujeito a até 10 anos de prisão. A aposentada insiste que é inocente.
"É fisicamente impossível uma senhora idosa infligir danos corporais, especialmente lesões sérias, a quatro policiais", argumenta ela. "Sinceramente, é ridículo."

'Usando meu bracelete eletrônico, saí em busca do meu filho'
Vova tinha um ano de idade quando Filonova assumiu os seus cuidados. Ela tinha quatro filhos próprios adultos, além dos netos.
"Sua mãe morreu — ela era minha amiga — e eu o levei para casa", conta Filonova, sobre Vova.
O jovem tem, agora, 19 anos. Ela não esconde que Vova tem deficiências e sofreu atrasos de desenvolvimento.
"Ele só começou a andar com três anos de idade", relembra ela. "Ele tinha uma doença muito séria e precisou passar por duas cirurgias cardíacas e diversas outras operações secundárias."
Filonova afirma que as autoridades conheciam perfeitamente as dificuldades de Vova.
Inicialmente, ela foi colocada em prisão domiciliar. Filonova enviou Vova para longe da capital da Buriátia, Ulan-Ude. O jovem foi morar com o marido dela, em uma aldeia no krai (região administrativa) de Zabaykalsky, também no leste da Rússia.
A intenção era manter o menino em segurança e com paz de espírito. Durante a investigação, havia a esperança de que ela pudesse provar que as acusações de violência eram falsas.
Mas, em questão de semanas, o marido de Filonova sofreu um ataque cardíaco e foi levado às pressas para o hospital. Vova ficou sozinho e parou de atender o telefone.
"A criança saiu do radar", conta a mãe. "O que eu podia fazer?"
"Comecei a telefonar para a procuradoria, dizendo que a criança estava perdida. Pedi a eles que me deixassem ir buscá-lo na aldeia e trazê-lo de volta para Ulan-Ude. Eles zombaram de mim, dizendo 'primeiro, vamos verificar se o seu marido realmente teve um ataque cardíaco!'"
"Em vez de me ajudarem, eles simplesmente desapareceram e me proibiram de fazer qualquer coisa", prossegue Filonova. "O que eu podia fazer?"
"Usando o bracelete eletrônico, saí pela estrada de carona por cinco horas, de Ulan-Ude, até a aldeia, para procurar a criança. Cheguei tarde da noite e procurei por ele por toda parte."
"Eu o encontrei, ligamos o aquecedor, passamos a noite ali e, de manhã, voltamos para Ulan-Ude", ela conta.
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As autoridades já esperavam por ela no seu retorno. Filonova foi presa em um centro de detenção pré-julgamento. Sua viagem para resgatar o filho havia desrespeitado os termos da sua prisão domiciliar.
Amigos ajudaram Vova a voltar para a aldeia. O marido de Filonova voltou para casa e passou a ser seu pai adotivo de fato.
Natalya Filonova era a guardiã legal da criança, mas seu marido havia assumido a guarda com frequência ao longo dos anos, sem que fosse questionado.
Mas, em janeiro de 2023, policiais compareceram inesperadamente a um hospital, onde Vova passava por terapia de rotina. Ele foi então levado a um abrigo para crianças abandonadas.
Até aquele dia, Vova nunca havia sido separado dos seus pais adotivos. Filonova havia conseguido o emprego de tutora na escola de necessidades especiais em Ulan-Ude, apenas para ficar com ele.
"Eles sabiam que a única forma de realmente me atingir era através do meu filho", afirma ela. "O investigador me disse diretamente: 'se você não assinar e confessar o que fez, seu filho irá para um orfanato'."

'Contra Todas as Possibilidades'
Natalya Filonova trabalhou como professora do jardim da infância por 16 anos. Mas, durante os anos da glasnost e da perestroika do ex-líder soviético Mikhail Gorbachev (1931-2022), ela decidiu ser ativista e jornalista.
"No momento em que o país [a União Soviética] começou a entrar em colapso, tudo dentro de mim também virou subitamente de cabeça para baixo", relembra ela.
"Corri para fazer o que podia. Minha esperança era que, se não ficássemos em silêncio, se pudéssemos evitar a repressão em massa e restringir as ocorrências a casos isolados, poderíamos ainda ter esperança no futuro."
Ela escreveu sua primeira reportagem para o jornal local em 1991, o mesmo ano do colapso da União Soviética. Mas os controles no estilo soviético logo voltariam a incidir sobre a imprensa.
"Em 2003, o prefeito da cidade reuniu a equipe editorial e disse: 'se vocês quiserem permanecer no mesmo barco que nós, nem pensem em balançá-lo'."
Filonova se opôs, dizendo que era preciso respeitar a lei de imprensa e que a política de informação deveria ser transparente. Por fim, ela decidiu publicar seu próprio jornal.
Ela o batizou de "Contra Todas as Possibilidades". Sua circulação era de 999 cópias, que era o número máximo permitido para que não fosse necessário registrá-lo junto ao Estado russo.
Filonova trabalhava o tempo todo para cobrir os custos do seu jornal, que incluíam os salários de um vigilante noturno, um foguista (que opera caldeiras a vapor) e um faxineiro.
"Contra Todas as Possibilidades" se concentrava em questões sociais. Filonova relembra um artigo escrito por uma médica que trabalhava em uma casa para crianças com deficiências.
"Ela escreveu que, em vez de ajudar as crianças a escapar do sistema, eles estavam rotulando como deficientes crianças normais que simplesmente tiveram sua educação negligenciada, para terem direito ao financiamento estatal."
"Acredito que [a publicação do jornal] foi o trabalho da minha vida", afirma ela. "É algo que relembro com saudade."
"As autoridades começaram a me combater. Primeiro, eles ignoram, depois eles riem e, depois, começam a atacar você. É um longo processo."
Casualmente, ela menciona durante a entrevista que sua casa, onde ela trabalhava para o jornal, foi incendiada três vezes. Em outra ocasião, alguém tentou atropelar Filonova com um carro, enquanto ela andava de bicicleta com seu filho.
Ela manteve o jornal em circulação até 2015, quando decidiu se mudar da sua aldeia para a cidade de Ulan-Ude.
Na capital regional, havia melhores escolas e assistência médica para Vova. Seu marido ficou na aldeia para cuidar da pequena propriedade rural da família.
Paralelamente, ela continuou com os protestos. Filonova promoveu piquetes sozinha contra mudanças na constituição russa, em memória do político oposicionista assassinado Boris Nemtsov (1959-2015) e participou de manifestações de apoio a Alexei Navalny (1976-2024).
"Existe um provérbio que diz: se você tiver medo de lobos, não entre na floresta", relembra ela.
"Segundo a constituição, tenho o direito de falar. Tenho o direito de me expressar. Quem pode me proibir? Se não resistirmos, acabaremos sem direito nenhum."

Quase sempre, a aposentada era multada por desrespeitar repetidamente as regras sobre protestos.
Em 2021, ela sofreu um processo civil por ter supostamente desobedecido as ordens de um policial. E, em abril de 2022, pouco depois da invasão em larga escala da Ucrânia, ela foi multada em 35 mil rublos (cerca de R$ 2,4 mil) por "desacreditar o exército".
Filonova havia pedido ao motorista de um ônibus que retirasse do veículo o símbolo "Z", que representa o apoio à "operação militar especial" russa. Em resposta, o homem pediu a todos os demais passageiros que saíssem do ônibus e a levou diretamente para a delegacia de polícia mais próxima.
"Meu filho também foi expulso do ônibus", relembra ela. E, como ninguém se pronunciou, ela sentiu uma espécie de apoio silencioso.
"Completos estranhos que também estavam no ônibus foram para casa a pé, mesmo que fosse muito longe. Eles se certificaram de que tudo estivesse bem quando entrassem em casa. Este tipo de apoio oculto e silencioso."
Filonova afirma que houve diversos problemas em relação à ação criminal contra ela, por ter supostamente atacado policiais em 2022. Ela tentou questioná-los na Justiça.
As autoridades afirmaram que sua defensora civil, Nadezhda Nizovkina, não detinha status legal de advogada e, por isso, não poderia representá-la. Mas esta exigência não existe, segundo o código de processo criminal da Rússia.
Por isso, eles designaram Nizovkina como testemunha no mesmo processo, já que ela era uma das pessoas presentes à manifestação transmitida pelo YouTube, quando Filonova foi detida.
'Uma mãe mostrou a seu filho que não se deve ficar em silêncio'
Os policiais que compareceram ao centro de reabilitação de Vova em janeiro viajaram com ele por mais de 500 km, desde a aldeia até o orfanato "Star", em outra parte da província.
Filonova conseguiu falar com seu filho por telefone apenas uma vez. No mais, ela escreveu cartas para ele.
"Tentei apoiá-lo e incentivá-lo a observar que as pessoas são as mesmas em toda parte e que ele pode tentar ser mais tolerante. Talvez ele tenha achado que foi mandado embora de novo", afirma ela, com lágrimas nos olhos.
Vova pediu ao diretor do orfanato para ir ver a mãe na audiência judicial. Ele gravou a conversa com o telefone celular e ela foi posteriormente publicada por Nadezhda Nizovkina.
"No que sua mãe estava pensando?", diz uma voz masculina na gravação. "Antes de fazer algo como aquilo, ela deveria ter percebido que iria prejudicar você, não a ela."
"Ela então achou que, só porque você é uma criança com deficiências, ela não iria para a prisão? Droga, se alguém infringe a lei, ela vai para a cadeia. É como funciona um país com Estado de direito. Ir contra a corrente — por que você faria isso?"
Uma jornalista visitou Filonova no centro de detenção provisória, como parte do trabalho de um comitê de monitoramento do governo local.
"Ela perguntou: 'Que tipo de mãe é você? Você sabia muito bem como isso iria terminar e, ainda assim, foi falar naquela praça'", relembra Filonova.
"E respondi: 'Você está olhando do ponto de vista errado. Deveríamos estar perguntando por que as autoridades retiraram o filho de alguém por expressar sua opinião, em vez de culpar a mãe.'"
"Eu não abandonei meu filho", defende-se ela.
"Mostrei a ele que o silêncio não é uma opção, que você precisa defender a dignidade humana, que você precisa lutar — e não simplesmente seguir a corrente."
Filonova tentou entrar em contato com o diretor do orfanato "Star".
"Tentei até ligar para ele e me defender, escrevi pessoalmente cartas para ele. Mas ele nunca respondeu, só os cuidadores."

Ela começou a se corresponder com os cuidadores, na esperança de saber como estava Vova. Filonova conta que Vova ainda se lembra deles com carinho.
"Vova me pede, 'mamãe, quero voltar lá e visitar, quero ver os cuidadores de novo'", ela conta. "E respondo 'é claro que iremos. Por que não? É claro que iremos vê-los.'"
Vova deveria passar um ano e meio na casa. Mas, em junho de 2024, ele terminou o nono ano e atingiu a maioridade legal.
Filonova conta que Vova foi levado de volta para seu marido na aldeia. Ela destaca novamente a natureza arbitrária da retirada inicial de Vova, 18 meses antes.
'Por que eles estão nos transformando em gado?'
Em agosto de 2023, Natalya Filonova foi condenada a dois anos e 10 meses de prisão.
Ao chegar à colônia penal, ela foi enquadrada em duas categorias especiais: uma por ser considerada propensa a atacar oficiais do governo e outra por suas supostas visões extremistas.
"Por que fui perseguida?", questiona ela. "Não porque eles me odiassem pessoalmente, mas porque eles receberam luz verde para suas ações. Eu podia sentir e compreendi."
Filonova foi colocada na solitária por três vezes. "O que me surpreendeu foi como eles proibiam absolutamente tudo por qualquer razão que quisessem", ela conta.
"Se você estivesse tomando chá com os demais e falando sobre o tempo, os filhos, programas de TV ou livros, aquilo era considerado 'associação não autorizada' e, portanto, proibido."
"Com que base legal vocês estão nos transformando em gado, arrancando nossa dignidade humana?", questionou ela, certa vez, a um administrador prisional.
"Eles disseram que usei 'linguagem grosseira' e me colocaram na solitária. Tentei recorrer, dizendo que 'gado' era uma metáfora literária."
Os absurdos eram imensos. Filonova foi proibida de usar a biblioteca da prisão por ter declamado em voz alta a mensagem Nas Profundezas das Minas Siberianas, de Alexander Pushkin (1799-1837), e a resposta do poeta Vladimir Odoievsky (1803-1869).
Ela acredita que a administração da prisão tinha como objetivo mantê-la isolada. Por isso, sua classificação inicial no regime geral foi substituída por "condições restritas" e, depois, por "confinamento na solitária sob condições adversas", uma punição ainda mais grave.
Naquele momento, ela declarou greve de fome. Filonova sofre de diabetes e sua saúde se deteriorou rapidamente.
Ela recebeu a opção de escrever para o presidente Putin e pedir clemência. Filonova se recusou.
Foi difícil resistir à oferta? "Foi fácil. Muito fácil", ela conta.
"Não acredito nesses chamados gestos humanitários. Além disso, é um acordo não declarado. Você sai livre, mas, em troca, você abre mão de todas as queixas contra o Estado."
"Mas eu tenho queixas. E pretendo buscá-las enquanto puder."
Para Filonova e outros prisioneiros políticos, as cartas eram sua tábua de salvação. Muitas vezes, cartas de amigos e estranhos sofriam atrasos de até meio ano e ela precisava buscar a procuradoria para recebê-las.
"Posso ter orgulho de uma coisa: recebi uma carta pessoal de Yuri Shevchuk, com um cartão-postal assinado por todos os membros do DDT", relembra ela, com orgulho.
O DDT é um dos grupos de rock mais antigos e adorados da Rússia e Shevchuk é o líder da banda, às vezes expansivo.
"Fiquei muito emocionada", conta Filonova. "Respondi com uma longa carta emotiva, de quatro ou cinco páginas. Não sei se ele recebeu, mas abri meu coração nela e contei todas as minhas aventuras."

'Qual o resultado de afastar uma criança que estava sempre ao meu lado?'
No dia 4 de março deste ano, Natalya Filonova foi libertada da prisão e voltou para casa na sua tranquila aldeia rural, com Vova e seu marido. Sua irmã também mora por perto.
Antes da libertação, ocorrida pouco depois de se recusar a pedir clemência a Putin, sua pequena propriedade foi incendida pela quarta vez.
"Voltei basicamente para a propriedade em ruínas", ela conta. "Meus filhos mais velhos ajudaram a reconstruir a cerca e consertar o telhado das construções queimadas, mas ainda há muito por fazer."
Vova comemorou três aniversários sem a presença da mãe.
"É claro que ele tem sua própria visão do que aconteceu", afirma Filonova.
"Mas ele ficou muito feliz quando cheguei em casa. Ele estava me aguardando, com esperança de que tudo se resolvesse."
É difícil avaliar as consequências da sua separação forçada. "Qual o resultado de separar uma criança que sempre esteve do meu lado?", questiona a mãe. "Ainda não compreendi completamente."
"Posso ver no seu comportamento, no seu vocabulário... Mas ele é um bom menino, gentil. Não tenho nada de ruim para falar dele."
Nos últimos três anos, 22 meninos do orfanato "Star", onde Vova passou cerca de 18 meses, foram enviados para a guerra na Ucrânia. Cinco deles morreram. Um deles tinha apenas 19 anos de idade.
"Meu Vova conhecia o menino em questão", conta Filonova. "Mostrei uma foto dele e perguntei: Você lembra quem é este?"
"Sim, mamãe. Eu lembro. Ele é Fedya."
Eu respondi: "Fedya morreu."
E ele chorou.
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