HISTÓRIA

Microsoft, 50 anos: como Bill Gates previu a era da internet em 1993

Em entrevista à BBC em 1993, Bill Gates previu como os computadores estariam presentes nas empresas e nas casas das pessoas – e como eles modelariam a nova "era da informação'

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Paul Allen e Bill Gates se conheceram na escola em Seattle (EUA). Juntos, eles fundaram a Microsoft em 1975 -  (crédito: Getty Images)
Paul Allen e Bill Gates se conheceram na escola em Seattle (EUA). Juntos, eles fundaram a Microsoft em 1975 - (crédito: Getty Images)
BBC
Greg McKevitt - BBC Culture
postado em 19/04/2025 15:25 / atualizado em 19/04/2025 23:45

Quando a BBC transmitiu pela primeira vez uma entrevista com o cofundador da Microsoft Bill Gates, em junho de 1993, calculava-se que a internet tivesse, ao todo, apenas 130 websites.

O respeitado programa da BBC sobre ciências Horizon investigava a nova "Fronteira Eletrônica". Era uma época em que a "informação começava a redefinir o nosso mundo, sua geografia e sua economia".

Gates declarou ao programa que "esta é a era da informação, o computador é a ferramenta da era da informação e o software irá determinar a facilidade com que podemos conseguir toda essa informação".

Naquela oportunidade, os telespectadores podiam enviar um cheque de duas libras (cerca de R$ 15, pela cotação atual) e receber a transcrição do programa pelo correio.

A indústria dos computadores já havia crescido com a maior rapidez da história. Mas o caminho para obter lucros no futuro era criar algo que fosse portátil e intuitivo.

O programa questionava: "Precisamos de informação infinita ou eles precisam vendê-la para nós?"

Em um mundo em que quase todos os websites existentes caberiam em uma lista nos dois lados de uma folha de papel, a World Wide Web não chegou sequer a ser mencionada. Ainda assim, as ideias exploradas no programa estavam muito à frente do seu tempo.

Nos primeiros tempos da Microsoft, Bill Gates e Paul Allen (1953-2018) tinham como objetivo colocar um computador em cada mesa e em cada residência – todos, é claro, rodando produtos da Microsoft.

Eles se conheceram quando eram crianças, em uma escola particular de Seattle, nos Estados Unidos. Foi naquela época que eles descobriram sua paixão em comum pelos computadores.

Os dois foram para a faculdade, mas abandonaram os estudos para criar a Microsoft. A empresa recebeu este nome porque fornecia software para microcomputadores.

A grande virada da empresa surgiu em 1980, quando a Microsoft concordou em produzir o sistema operacional para o computador pessoal sendo desenvolvido pela IBM, a maior empresa de computadores da época.

Em um golpe de mestre para os negócios, a Microsoft conseguiu autorização para licenciar seu sistema operacional para outros fabricantes. Esta medida gerou uma indústria de computadores pessoais "compatíveis com IBM", que dependiam do produto MS-DOS para funcionar.

O dinheiro começou, então a entrar – e não parou até hoje.

'Cara, ele é bom!'

Bill Gates era o nerd da computação, com a mente mais séria. E Paul Allen era seu irmão mais velho e excêntrico.

Allen trabalhou na Microsoft até 1983. Ele deixou a linha de frente da empresa quando recebeu o diagnóstico de câncer no sangue – mas se recuperou da doença e se tornou um investidor de sucesso.

Como manteve sua participação na empresa, Allen foi presença garantida na lista dos mais ricos do mundo até sua morte, em 2018, aos 65 anos de idade.

Ele usou sua vasta fortuna para investir nas suas paixões pessoais. Allen comprou a equipe de basquete Portland Trail Blazers e o time de futebol americano Seattle Seahawks, vencedor do Super Bowl em 2013.

Sua saída da Microsoft também permitiu que ele tivesse mais tempo para aperfeiçoar seu desempenho com a guitarra.

O lendário produtor musical Quincy Jones (1933-2024) chegou a afirmar em entrevista que Allen "canta e toca como [Jimmy] Hendrix [1942-1970]".

"Fui viajar no seu iate e lá estavam David Crosby, Joe Walsh, Sean Lennon...", contou Jones. "Nos dois últimos dias, Stevie Wonder veio com sua banda e fez Paul vir tocar com ele – cara, ele é bom!"

O design do Museu de Cultura Pop de Seattle, nos Estados Unidos (fundado por Allen), já foi comparado com uma guitarra amassada. A criação é do superastro da arquitetura Frank Gehry.

Allen saiu da Microsoft antes que produtos como o Windows, Excel e Word chegassem a escritórios e residências espalhados pelo planeta.

No início dos anos 1990, a visão de Gates para os computadores em rede fizeram as vendas e os lucros dispararem. Mas o sonho inicial da dupla, de colocar um computador rodando software da Microsoft em todas as casas e escritórios do mundo, ainda não havia se realizado.

O processamento de texto e as planilhas de cálculos eram negócios lucrativos, mas a corrida incessante da Microsoft para se expandir precisava explorar novos domínios.

A etapa seguinte foi levar multimídia para as casas das pessoas, transformando o computador pessoal em um aparelho de comunicação. Gates precisava entrar naquele mundo de entretenimento que Allen tanto adorava.

1 mil canais de TV – e nada de bom

Bill Gates declarou à BBC em 1993 que "as residências serão uma fronteira mais difícil de conquistar". Mas ele estava confiante no sucesso da Microsoft.

"Se você considerar um espaço de tempo de 15 anos ou, certamente, 20 anos, não tenho dúvida de que a visão de um computador em cada casa será totalmente atingida – embora ele não vá se parecer com os computadores de hoje", afirmou ele.

Um ano antes da entrevista, Bruce Springsteen havia , ao se queixar que ele tinha "57 canais de TV (e nada de bom)".

Nathan Myhrvold, da Microsoft, não se intimidou com o cinismo de Springsteen. E falou sobre um futuro no qual teríamos até 1 mil canais de televisão.

"Pode parecer um pesadelo, mas acho maravilhoso", destacou ele. "Imagine como seria sua livraria favorita se ela tivesse apenas cinco livros."

Myhrvold prosseguiu, descrevendo um sistema que relembra os serviços de streaming atuais.

Ele mencionou um "guia interativo online, que irá usar tecnologia de computador para organizar os canais, mostrá-los para você por tema e até aprender sobre o material de que você gosta e apresentá-lo de forma elegante, na própria televisão".

Myhrvold ofereceu uma visão tentadora do futuro: um mundo que ficasse ao alcance das nossas mãos. Nele, você poderia comprar um CD da banda ou ingressos para o show de Prince instantaneamente.

Privacidade e direito autoral

Mas o que isso representaria para a privacidade pessoal?

Sobre este tema, o programa de 1993 incluiu um alerta da jornalista Denise Caruso, editora da revista Digital Media.

"A facilidade de se sentar em frente à sua TV interativa daqui a cinco anos e poder fazer compras usando o controle remoto significa que a informação sobre você irá trafegar por uma rede", explicou ela.

"Ou seja, quem quer que esteja no outro lado da rede sabe a qual programa você está assistindo na televisão, pode pegar o seu número de cartão de crédito e saber muitas coisas sobre você que, talvez, você não queira que aquela pessoa saiba."

Caruso também levantou questões levantadas atualmente no debate sobre os modelos de IA generativa, que são treinados devorando material protegido por direitos autorais.

Para ela, "ao transformar a informação em uma commodity, você realmente altera a natureza de como as pessoas pensam sobre as ideias, o seu trabalho e o que elas fazem".

"Sou escritora. Minha mercadoria à venda são ideias. E, quando você tenta traçar fronteiras entre o que é informação, de onde veio uma ideia, quem teve originalmente aquela ideia e em qual guardanapo ela foi traçada em primeiro lugar – quando você começa a mover informações para aquele campo, começa a ficar muito confuso onde termina a ideia de uma pessoa e começa outra."

Caruso destacou que a informação é uma mercadoria incrível, mas ela não tem valor nenhum, a menos que possa ser protegida. Mas como você pode proteger algo que não tem existência física e pode ser copiado ou alterado de forma indetectável?

Para ela, "a questão é que as soluções são tão complexas quanto os problemas".

"Você quer confinar todas as informações? É claro que não. Não teríamos progresso científico se os cientistas fossem incapazes de trocar ideias e informações livremente."

"Vamos ter simplesmente um vale-tudo e dizer que todas as informações são livres? Bem, também não podemos fazer isso, pois as pessoas, na verdade, ganham a vida com o fruto do seu trabalho, [que] é a informação, seja ela um livro, filme ou música."

"Acho que a tecnologia é algo incrível e muito poderoso, mas é poderoso nos dois sentidos. É muito importante para todos nós compreendermos isso antes de simplesmente adotá-la", conclui Denise Caruso.

O nascimento do e-mail

A World Wide Web não apareceu no programa de 1993. Mas aquela foi a primeira apresentação do conceito de correio eletrônico, ou e-mail, para muitas pessoas.

Enquanto a Microsoft prosseguia na sua voraz expansão, o vice-presidente de Recursos Humanos da empresa, Mike Murray, declarava que o e-mail "cria uma aldeia eletrônica [que] nos permite transcender as fronteiras do tempo ou as barreiras geográficas".

Suas palavras podem, agora, parecer pomposas. Mas, na época, poder se comunicar instantaneamente com uma ou mais pessoas no outro lado do mundo, sem necessidade de uma ligação telefônica internacional de alto custo, era uma ideia revolucionária.

No final de 1993, o número estimado de websites era de 623, dobrando a cada três meses. No final de 1994, já eram 10.022.

Alguns comentaristas consideravam a Microsoft lenta demais para reconhecer as possibilidades e o crescimento da Web. Mas, em maio de 1995, Gates enviou um memorando para seus funcionários sênior, intitulado "O Maremoto da Internet".

Bill Gates definiu a rede como "o desenvolvimento mais importante desde a introdução do PC da IBM, em 1981".

Três meses depois, a Microsoft lançava seu portal web MSN, paralelamente ao lançamento do Windows 95. Algumas versões do software tinham seu novo navegador Internet Explorer embutido, gerando controvérsias.

O futuro estava novamente disponível para todos. E Bill Gates, mais uma vez, tinha grandes ideias sobre como conquistar este futuro.

Leia a versão original desta reportagem, incluindo os vídeos do programa Horizon e da entrevista de Bill Gates (em inglês), no site BBC Culture.

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