
A polêmica Medida Provisória 1.304/2025, que tratava da modernização do setor elétrico, apesar de aprovada pelo Congresso Nacional, está gerando mobilizações contrárias por gerar uma série de custos para o consumidor, além de criar incentivos fiscais que vão na contramão da agenda governamental da transição energética.
Na corrida contra o tempo para a sanção da nova regra, a Associação Brasileira dos Consumidores de Energia (Abrace), por exemplo, enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que ele vete seis trechos da MP 1304, que incorporou vários jabutis (emendas não relacionadas ao tema principal) que provocaram mais retrocessos do que avanços para o setor.
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Um desses trechos é a o jabuti que impôs a contratação a contratação compulsória de térmicas a carvão até 2040, com custo estimado em R$ 1 bilhão por ano; e o dispositivo que cria uma segunda solução para o curtailment (corte de geração eólica e solar), e, com isso, transfere quase todos os custos aos consumidores. Pelas estimativas da Abrace, apenas o custo desses cortes pode chegar a R$ 7 bilhões até o fim de 2025, encarecendo a conta de luz nas casas dos brasileiros.
“Isso quer dizer que o prejuízo do gerador de energia vai ser pago pelos consumidores. Que espécie de capitalismo é esse na qual o prejuízo será socializado?”, questionou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace Energia, nesta quarta-feira (6/11), em entrevista ao Correio. “Isso é como se a indústria siderúrgica pedisse para ser compensada pelo aço que não vendeu”, comparou.
Em relação às estimativas iniciais de especialistas sobre uma perspectiva de que haverá aumento do custo da conta de luz em torno de 10%, quando a MP entrar em vigor, Pedrosa afirmou que esse cálculo não pode ser descartado.
Outro trecho que a entidade propôs que o presidente vete é o que impõe restrições injustificadas a novos arranjos de autoprodução e cria reserva de mercado “Essa proposta estimula a expansão de geração mesmo em cenário de sobreoferta, em um cenário em que há sobra de energia”, destacou Pedrosa.
Na avaliação do executivo, com essas propostas aprovadas pelo Congresso, a MP acabou criando um “monstro regulatório”. “Isso encarece o custo da energia, carboniza a matriz e cria uma confusão no setor porque vai reduzir o uso de energia renovável”, alertou Pedrosa.
Além da Presidência da República, o documento com sugestões de veto redigido pela Abrace também foi encaminhado para a Casa Civil e para os ministérios da Fazenda, de Minas e Energia (MME), do Meio Ambiente (MMA) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic). De acordo com a entidade, a matéria, que inicialmente visava modernizar o setor elétrico e conter o crescimento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), “terminou incorporando medidas que caminham na direção oposta, criando novas obrigações e subsídios que pesam sobre a tarifa dos brasileiros”.
De acordo com Pedrosa, há um excesso de geração de energia renovável no país e a MP 1304 ainda obriga a contratação de usinas térmicas a carvão e, em outro trecho, determina a contratação de 3 Gigawatts (GB) de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que devem gerar um custo potencial de R$ 7,9 bilhões, independentemente das necessidades do sistema. “Essas medidas vão gerar confusão no setor e desmoralizam o planejamento do setor elétrico, ignorando a decisão pelo custo mais barato para o consumidor”, acrescentou.
Outro trecho que, segundo ele, precisam ser vetados pelo presidente é o artigo que permite usar recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para financiar antenas de recepção de TV (banda Ku). ‘“Isso quer dizer que, para garantir a televisão no interior do país, o consumidor de energia elétrica vai financiar um custo que deveria ser das telecomunicações, que tem um fundo com bilhões, o Fust”, criticou.
Vale lembrar que os encargos do setor que estão incluídos na CDE custam mais de R$ 50 bilhões para o consumidor e, esse tipo de medida só tende a encarecer ainda mais essa fatura que já é bastante cara, especialmente se for incluído as ineficiências do setor.
Um estudo recente da Abrace revela, apenas neste ano, os consumidores devem pagar R$ 395 bilhões em custos do setor em 2025, e, desse total, R$ 103,6 bilhões correspondem a ineficiências e subsídios, valores que pesam diretamente nas tarifas e reduzem a competitividade da indústria e da economia brasileira.
Outra sugestão de veto apontada por Pedrosa é o trecho que altera a Lei de Improbidade, para criar uma espécie de “ameaça velada” para constranger os técnicos da administração pública para cumprirem as medidas contraditórias previstas na nova regra. “Isso é quase uma ameaça velada para que os agentes públicos não tentem atrapalhar as imposições políticas da MP, algo que é desnecessário na nossa visão”, defendeu.
Veja a lista dos trechos que a Abrace sugeriu o veto:
• Artigo. 1º-A da Lei nº 10.848/2004 – cria uma segunda solução para o curtailment (corte de geração eólica e solar) que transfere quase todos os custos aos consumidores. O custo desses cortes pode chegar a R$ 7 bilhões até o fim de 2025;
• Parágrafo 8º do art. 16º-B da Lei nº 9.074/1995 – impõe restrições injustificadas a novos arranjos de autoprodução e cria reserva de mercado, estimulando a expansão de geração mesmo em cenário de sobreoferta;
• Artigo 13º-B da Lei nº 10.438/2002 – permite usar recursos da CDE para financiar antenas de recepção de TV (banda Ku), medida alheia ao setor elétrico e que agrava um encargo já superior a R$ 50 bilhões anuais;
• Artigo 18º do PLV nº 10/2025 – altera a Lei de Improbidade; • Art. 3º-D da Lei nº 10.848/2004 – impõe a contratação compulsória de térmicas a carvão até 2040, com custo estimado em R$ 1 bilhão por ano;
• Parágrafos 15-A e 19 do art. 1º da Lei nº 14.182/2021 – determinam a contratação de 3 GW de biomassa e 3 GW de PCHs, com custo potencial de R$ 7,9 bilhões anuais, independentemente das necessidades do sistema;
e Artigo 2º-A da Lei nº 10.847/2004 – estabelece prioridade para a interligação entre Porto Velho (RO) e Manaus (AM), interferindo no planejamento técnico da expansão de transmissão.
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De acordo com a entidade, o Brasil precisa de regras estáveis e transparentes para estimular investimentos produtivos, reduzir o custo da energia e assegurar o desenvolvimento industrial. “Esses dispositivos representam retrocessos, pois mantêm práticas que aumentam encargos, confrontam o planejamento setorial, criam reservas de mercado e comprometem a transição para uma matriz mais eficiente e limpa”, disse Pedrosa. Ele defendeu que o setor precisa de previsibilidade e equilíbrio, “não de novas distorções”. “É fundamental que a modernização do setor elétrico seja conduzida para reduzir o peso da conta de luz sobre empresas e famílias”, acrescentou.
A Abrace representa os grandes consumidores de energia elétrica, reunindo mais de 50 grupos empresariais responsáveis por 40% do consumo industrial de energia do país. Segundo Pedrosa, a entidade vai trabalhar, inicialmente, com esses pedidos de veto do Executivo, mas se essas mudanças forem mantidas, a entidade ainda estuda alternativas, como a judicialização.

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