
O pior momento na relação comercial entre Brasil e Estados Unidos completa hoje (16/9) 40 dias com 9,7 mil produtos prejudicados pelo tarifaço. O número consta em lista divulgada na última sexta-feira (12) pelo governo federal, de acordo com o sistema da Nomenclatura Comum do Mercosul, com os itens que foram atingidos pela sobretaxa de 50% imposta por Donald Trump.
A primeira de duas partes do documento reúne 9.075 códigos que serão automaticamente considerados na apuração do faturamento com exportações aos EUA, enquanto a segunda expõe 702 códigos que ainda dependem de autodeclaração das empresas, comprovando que as exportações foram realmente prejudicadas.
A lista tem como objetivo definir quais são os segmentos que possuem direito às linhas de crédito diferenciadas por meio do Plano Brasil Soberano, anunciado ainda no mês passado e voltado para socorrer os setores afetados.
O financiamento conta com recursos do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ao todo, são R$ 40 bilhões previstos para a ajuda emergencial, com a estimativa de serem utilizados já a partir da segunda quinzena de setembro.
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A marca dos 40 dias também chega em meio a temores de novas sanções econômicas em resposta à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a mais de 27 anos de prisão. A ação contra o Brasil, diferentemente do que ocorreu com outros países, é política. Isso já foi admitido, inclusive, por autoridades americanas.
Assim, a condenação de Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) elevou a tensão e acendeu alerta sobre uma escalada tanto da suspensão de vistos quanto das sanções comerciais. Em entrevista ontem à americana Fox News, o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, admitiu ontem que "haverá uma resposta" à decisão judicial, e que novas medidas devem ser anunciadas na próxima semana.
Também ontem, o Conselho Federal de Economia (Cofecon) publicou uma nota em que classifica como "descabidas e inaceitáveis" as ações dos Estados Unidos contra o Brasil, tanto a nível político quanto comercial. A autarquia que representa os economistas brasileiros avalia que há "claríssimas intenções" de ingerência política nos assuntos domésticos do país por parte do presidente norte-americano, Donald Trump.
"A soberania brasileira, no entanto, é algo inegociável, assim como a independência e a autonomia dos Poderes, a liberdade de expressão e de cátedra", escreveu a entidade, que completou: "O Conselho Federal de Economia (Cofecon), entidade máxima de representação dos economistas brasileiros, vem se manifestar em prol da nação, e se solidarizar e apoiar todas as ações e medidas condizentes com os princípios e valores mencionados".
A entidade destaca, ainda, que a balança comercial entre os dois países vem registrando seguidos deficits para o Brasil. "Portanto, as alegadas 'distorções de comércio' não se aplicam ao Brasil, que, além do mencionado deficit comercial com os EUA, também apresenta balança de serviços (marcas, patentes, royalties etc.) francamente favorável aos norte-americanos", acrescentou.
Impacto
Apesar de o embate diplomático entre os dois países ter se mantido nesses 40 dias, a nova alíquota não viu muitas novidades em seu desenho desde 6 de agosto. Mesmo assim, teve impactos perceptíveis na economia.
Dias antes de ser implementada, uma série de produtos estratégicos, como aeronaves e suas peças, combustíveis e celulose ficaram de fora da tarifação após decisão da Representação Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês).
Porém, outros itens importantes, como carnes, cafés e pescados permaneceram sobretaxados e ainda vivem incertezas em relação às exportações para o parceiro comercial de longa data.
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) e da Amcham Brasil mostram que as exportações brasileiras para os Estados Unidos somaram US$ 26,6 bilhões entre janeiro e agosto deste ano, um crescimento de 1,6% em relação ao mesmo período de 2024 e novo recorde para o período.
Por outro lado, as vendas em agosto caíram 18,5%. Isolados, os itens sujeitos à tarifa de 50% registraram queda de 22,4% no mês, puxando a queda geral nas exportações.
Vale destacar que alguns produtos mantiveram o desempenho positivo no ano, principalmente devido à antecipação de embarques. Itens não impactados pela taxa tiveram queda mais moderada, de 7,1% no mês e 10,3%, no acumulado do ano.
A tese que afirma que o Brasil seria considerado um "péssimo parceiro comercial", como escreveu o próprio Donald Trump em carta enviada ao governo brasileiro para anunciar a tarifa, foi novamente desmentida com os resultados do último mês.
Enquanto o deficit comercial norte-americano com o mundo aumentou 22,4% no acumulado do ano, alcançando US$ 809,3 bilhões, o superavit dos EUA com o Brasil no período registrou alta de 355% e atingiu valor de US$ 3,4 bilhões.
Enquanto o socorro do governo federal não vem e as negociações com os norte-americanos não avançam, os setores correm atrás do prejuízo. As exportações de calçados brasileiros para os EUA registraram queda de 17,6% em agosto, comparado ao mesmo mês do ano passado, de acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
Um levantamento feito pela mesma entidade mostra ainda que 73% das empresas do setor tiveram perda de faturamento por conta do tarifaço, e que 60% delas já sofreram com cancelamentos de pedidos.
No setor de cafés especiais - colhidos manualmente e que possuem uma qualidade maior do que os tradicionais - as exportações simplesmente despencaram 79,5% no mês passado, na comparação anual, e 69,6% ante julho deste ano, com a venda de apenas 21,7 mil sacas.
Os dados fora divulgados pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que destaca, ainda, que os EUA lideravam as vendas para o exterior até agosto deste ano, quando foi ultrapassado por seis países: Holanda (62 mil sacas); Alemanha (50,4 mil); Bélgica (46 mil); Itália (39,9 mil) e Suécia (29,3 mil).