Guerra comercial

Exportadores brasileiros ainda negociam na tentativa de evitar tarifaço

Setores que não entraram na lista de exceção trabalham para reverter a taxa de 50% imposta pelo governo de Donald Trump

Entidades relatam que estão em contato com importadores para evitar que mercadorias fiquem paradas à espera da taxação  -  (crédito:  AFP)
Entidades relatam que estão em contato com importadores para evitar que mercadorias fiquem paradas à espera da taxação - (crédito: AFP)

Enquanto o governo busca avançar nas negociações, os setores afetados mobilizam seus parceiros norte-americanos para reveter a taxação de 50% sobre os produtos que ficaram de fora da lista de exceção anunciadas ontem pelos Estados Unidos. A ideia é, até o dia 6 de agosto, quando a tarifa passará a valer, chamar atenção para as perdas nas relações comerciais entre os dois países, sem interferir nas trativas oficiais.  

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A Confederação Nacional da Indústria (CNI) está organizando uma missão empresarial aos Estados Unidos na tentativa  aproximar empresas brasileiras e americanas que mantêm relações comerciais. O objetivo, segundo a entidade, é "promover a sensibilização mútua sobre os impactos negativos do tarifaço" e, também, amplicar os canais de comunicação.

"Nosso papel é ser um facilitador, e o nosso objetivo é sensibilizar as empresas para que elas sensibilizem o governo. As tarifas também vão afetar a economia americana", disse o presidente da CNI, Ricardo Alban. Os EUA são o principal destino das exportações da indústria de transformação brasileira. Segundo a CNI, a troca de insumos produtivos representaram, em 2024, 61,4% das exportações e 56,5% das importações brasileiras.

O CEO do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Matos, disse que há uma série de atividades sendo realizadas para tentar reverter a tarifa de 50%. Ele destacou que cerca de 33% de todo café importado pelos EUA têm como origem o Brasil e que o aumento da taxação desse item deve causar uma inflação mais forte para os consumidores norte-americanos.

"O Brasil vai seguir exportando, o Brasil é insubstituível, da mesma forma que Estados Unidos também é insubstituível", disse Matos, que acrescentou: "Nós vamos seguir na nossa agenda com nosso comitê de negociação coordenado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e os nossos parceiros, a National Coffee Association e as empresas de diversos segmentos dentro do café, com os seus ad voxes em Washington vão buscando esforços agora. É criar um ambiente para iniciar a negociação", reforçou.

Na mesma linha, a Associação Brasileira de Cafés Especiais (Bsca) destacou que os Estados Unidos são o principal mercado importador do produto do Brasil, adquirindo aproximadamente 2 milhões de sacas desse produto, a uma receita que ultrapassa a casa de US$ 550 milhões ao ano. "Tal medida, se mantida, impactará a comunidade do café especial e os segmentos envolvidos com cafés de qualidade em todo o mundo, principalmente o Brasil, como maior fornecedor, e os EUA, maiores consumidores do produto", avalia.

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) também se manifestou em nota. A entidade destaca que está em diálogo com os importadores norte-americanos e colabora com o governo federal na busca de uma solução. Também destacou que vai seguir em parceria com o setor público e os importadores, com o objetivo de preservar a competitividade da carne bovina nacional, assegurando a previsibilidade para os exportadores e contribuindo com o equilíbrio do comércio internacional e da segurança alimentar.

O ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que agora preside a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), afirma que, apesar de produtos como a celulose e o ferro-gusa terem sido incluídos na lista de exceções ao tarifaço, o setor ainda se preocupa com a taxação de painéis de madeira e de produtos de madeira serrada, bem como papéis de vários tipos. 

"Podem ser igualmente mencionados os papéis de embalagens e os sacos industriais, que vêm conquistando espaço no mercado dos EUA", frisa Hartung, que ressaltou possível impacto na indústria de embalagens de papel, com a supertaxação de frutas e proteínas animais que são embalados por esses papéis. "A Ibá seguirá atuando pela superação deste momento desafiador, defendendo o diálogo e em permanente articulação com os diversos stakeholders", acrescenta.

Na avaliação de Thiago Eik, CEO da fintech Bankme e especialista em crédito para empresas, apesar do recuo em parte do tarifaço, o governo ainda deve considerar sinais de alerta. "O tarifaço pode ter sido adiado e amenizado em alguns setores, mas a mensagem está dada: o Brasil perdeu relevância estratégica para o maior mercado do mundo. E quem paga a conta não é o governo, é quem produz, emprega e investe", afirma.

Para Eik, o momento exige menos ideologia e mais pragmatismo nas relações internacionais. "É fundamental que o Brasil recupere sua credibilidade no exterior. Crédito, investimento e emprego dependem de estabilidade. Sem ela, as empresas adiam decisões, investidores recuam e a economia desacelera", conclui.

Questão política

Na visão do professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo, apesar de ainda haver espaço para negociação, a questão política ainda permanece muito forte no radar da Casa Branca e deve ditar a pauta dos próximos dias. "Dessa forma, o governo brasileiro deve, de alguma forma, mostrar a avaliação equivocada dos Estados Unidos com relação ao comércio com o Brasil", considera. 

Para o especialista em comércio internacional Máximo Della Justina, o presidente dos EUA deve manter algumas restrições ao comércio entre os dois países. "Se ceder tudo, Trump sofre arranhões na credibilidade, demonstra fraqueza dentro dos EUA e no mundo. Isso também o desmoraliza e tem consequências político-eleitorais", avalia Della Justina.

O especialista também ressalta a influência dos Brics nesse movimento. O grupo é visto com maus olhos pelo presidente norte-americano, que já sinalizou impor tarifas específicas ao bloco, o que não se concretizou até o momento. "Com as tarifas, haveria um fortalecimento dos Brics se a China passasse a importar grande parte que não iria mais para o mercado americano. Assim, se pretendia jogar contra os Brics usando o Brasil, o efeito foi ao contrário", acrescenta.

Ontem, a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) emitiu nota defendendo a ampliação do diálogo e da negociação com o governo dos EUA para proteger os interesses da economia capixaba e nacional. Os Estados Unidos são o principal destino das exportações do ES, representando 28,6% das exportações do Estado em 2024.

Segundo o Observatório Findes, em 2024 o estado exportou 74 dos 694 produtos da lista de isentos da tarifa adicional, essas exceções representaram 47,1% do total comercializado com os EUA. Entre os itens produzidos no ES que entraram na lista de produtos com menor taxação estão pedras de cantaria, celulose, minério de ferro e ferro fundido. Já aço, granitos trabalhados, mármores, travertinos, café e produtos de café ficaram de fora. Vale lembrar que as tarifas aos produtos de aço e de alumínio, que atualmente somam 50%, estão mantidas e seguem outro decreto anterior. 

"A indústria capixaba vem enfrentando sérios desafios desde o anúncio da tarifa (9 de julho). Uma pesquisa primária, sem cárter amostral, realizada pelo Observatório Findes entre 21 e 29 de julho mostrou que 81% das empresas respondentes, majoritariamente do setor de rochas ornamentais, tiveram exportações aos EUA suspensas ou canceladas", diz a Findes.

Para a entidade, o tarifaço dos EUA representa "um novo choque econômico" mundial, agravado por um cenário "protecionista."

 

postado em 01/08/2025 03:29
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