
Leonardo Baptista, CEO da Pay4Fun - (crédito: Divulgação)
Em meio ao debate acalorado sobre a regulamentação das apostas no Brasil, reacendido com a entrega do relatório final da CPI das Bets no Senado Federal, o Correio conversa com quem está na linha de frente do combate às operações ilegais. Leonardo Baptista, CEO e cofundador da Pay4Fun — primeira instituição de pagamento autorizada a atuar no setor — faz um alerta direto: o público precisa saber identificar sites irregulares e entender os riscos por trás dessas plataformas.
Com a experiência de quem já rompeu relações com mais de 600 operadoras fora da lei, Baptista explica como funciona o rastreamento de fraudes, o papel estratégico dos meios de pagamento no bloqueio de transações suspeitas e os sinais de alerta que o consumidor não pode ignorar.
Nesta entrevista, ele detalha as falhas mais comuns encontradas em sites ilegais, critica a publicidade enganosa que ainda circula nas redes sociais e defende uma atuação mais integrada entre empresas, reguladores e autoridades policiais.
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Considerando que o mercado ilegal de apostas no Brasil movimenta mais de R$ 1 bilhão por mês e representa uma fatia significativa do setor, qual é a principal característica ou “sinal de alerta” que a Pay4Fun identifica para classificar uma aposta como irregular ou uma plataforma como ilegal?
O principal sinal de alerta é o domínio do site. Desde janeiro de 2025, apenas plataformas com o domínio “.bet.br” estão autorizadas a operar no Brasil. Qualquer site que continue utilizando domínios como “.com”, sem licença nacional, está em desacordo com a legislação. Além disso, identificamos como práticas suspeitas o uso de métodos de pagamento proibidos — como cartões de crédito, boleto bancário e criptoativos —, a ausência de verificação de identidade nos cadastros (como o reconhecimento facial), falhas nos mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro e campanhas de marketing enganosas que prometem “renda garantida”. Esses fatores indicam operações ilegais ou fora da regulação vigente.
Como um meio de pagamento fundamental para o ecossistema de apostas, qual é o papel específico da Pay4Fun e de outras empresas do setor no combate ao mercado ilegal? Quais mecanismos ou tecnologias vocês empregam para identificar e bloquear transações para plataformas ilícitas?
Como instituição de pagamento regulada pelo Banco Central, a Pay4Fun exerce um papel central no combate ao mercado ilegal. Adotamos critérios rigorosos para a entrada de parceiros, exigindo documentação completa, verificação da estrutura societária e checagem de antecedentes. Todas as transações passam por validação de CPF, e só permitimos movimentações com contas vinculadas ao titular — o que impede, por exemplo, transações de menores de idade, pessoas falecidas ou presentes em listas restritivas. Desde o início da regulamentação, deixamos de operar com mais de 600 sites que não buscaram se adequar. Trabalhamos exclusivamente com plataformas licenciadas pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA). Costumo dizer que os meios de pagamento são os principais pilares do ecossistema regulado — especialmente no Brasil, onde mais de 99% das transações são feitas via Pix. Eliminar o acesso ao canal financeiro é a maneira mais eficaz de inviabilizar operações irregulares. O bloqueio de URLs por parte da Anatel, por exemplo, pode ser contornado com novas páginas, mas sem acesso ao sistema financeiro, a atividade deixa de ser sustentável. Para isso, adotamos três frentes principais de atuação. A primeira é o monitoramento transacional contínuo, com a obrigação, como instituição regulada, de acompanhar todas as transações e reportar ao COAF quaisquer movimentações suspeitas — o que permite a identificação rápida de padrões atípicos. A segunda frente é o nosso processo rigoroso de KYM (Know Your Merchant), em que cada novo parceiro passa por análise documental, verificação de histórico e avaliação de conformidade com as normas da SPA, sem exceções. Por fim, mantemos um canal direto e ativo com os reguladores, atuando em parceria com a SPA e com o Banco Central, inclusive para reportar sites ilegais e instituições que estejam processando Pix para plataformas não autorizadas. É esse conjunto de medidas que nos permite atuar com firmeza contra o mercado ilegal, preservando a integridade do sistema financeiro e a segurança do consumidor.
Além do bloqueio de transações, que tipo de medidas proativas ou soluções inovadoras os meios de pagamento podem desenvolver para coibir ativamente a atuação dessas plataformas irregulares? Há exemplos internacionais que poderiam ser aplicados aqui?
Na Pay4Fun, monitoramos em tempo real os padrões de transações e ajustamos constantemente nossas regras de compliance. O modelo britânico é um bom exemplo a ser seguido: há forte integração entre reguladores, operadoras e instituições financeiras, o que acelera a identificação e a resposta a fraudes. No Brasil, a atuação da Anatel tem sido importante, mas os operadores ilegais criam novas URLs com frequência. Por isso, o bloqueio financeiro permanece como o principal mecanismo de contenção. Acreditamos que o Brasil pode avançar nesse sentido, fortalecendo a cooperação entre empresas e o setor público para impedir que plataformas ilegais acessem o sistema financeiro.
Do ponto de vista de quem está na linha de frente das transações, quais as lacunas regulatórias ou legislativas mais urgentes que precisam ser enfrentadas para conter o avanço do mercado ilegal?
A principal lacuna está na aplicação da lei. A regulamentação brasileira já existe, mas precisa ser acompanhada de fiscalização mais ágil e punições efetivas. Também é urgente a integração entre o Banco Central e a SPA, para acelerar o bloqueio de canais de pagamento irregulares. Outro ponto crítico é a publicidade: ainda vemos influenciadores promovendo sites ilegais com promessas de lucros fáceis. É preciso aplicar as normas do Conar e proteger os consumidores. A diferenciação entre quem está dentro da lei e quem burla as regras deve ser clara — e respeitada.
Sabemos que a colaboração é essencial. De que forma a Pay4Fun atua em conjunto com órgãos reguladores, autoridades policiais e operadores legais para fortalecer o combate ao mercado ilegal? Existem desafios nessa coordenação?
A Pay4Fun mantém diálogo constante com a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), com o Banco Central e com autoridades como o COAF. Reportamos plataformas suspeitas, campanhas de marketing ilegais, intermediários financeiros irregulares e até influenciadores que promovem apostas fora do Anexo X. Também trabalhamos em conjunto com operadores licenciados, trocando informações para fortalecer o ecossistema regulado. Um dos principais desafios ainda é a falta de integração entre os diversos órgãos envolvidos — o que pode tornar o processo mais lento do que o ideal. Outro obstáculo é a capacidade de fiscalização limitada da SPA, que ainda está em fase de estruturação. Mesmo com essas dificuldades, temos visto avanços importantes e acreditamos que, com mais integração e recursos, o combate ao mercado ilegal será cada vez mais efetivo.
Como a Pay4Fun atua no combate ao mercado ilegal de apostas e quais os principais desafios da regulamentação no Brasil?
Nosso foco principal é impedir que plataformas ilegais tenham acesso ao sistema financeiro, especialmente ao Pix, que representa 99,99% das transações do setor. Aplicamos um processo rigoroso de KYM (Know Your Merchant), aceitando apenas sites licenciados pela SPA com domínio “.bet.br”. Desde o início da nova regulamentação, deixamos de operar com mais de 600 plataformas offshore. Além disso, reportamos movimentações suspeitas ao COAF e trabalhamos em colaboração com a SPA e o Banco Central para identificar e desconectar intermediários de pagamento não autorizados. Os principais desafios ainda são o uso de domínios internacionais e o envolvimento de fintechs que processam pagamentos sem saber que estão colaborando com sites ilegais. Outro ponto crítico é a publicidade enganosa, que apresenta as apostas como investimento, e não como entretenimento. Defendemos regras mais claras e firmes para esse tipo de comunicação. Apesar disso, vemos um enorme potencial. Com mais integração entre reguladores, empresas e autoridades, o Brasil pode se tornar um modelo internacional. Também apostamos na educação do consumidor e acreditamos que, no médio prazo, o país poderá avançar na discussão sobre a regulamentação do jogo físico, como os cassinos, o que consolidaria um ambiente ainda mais seguro, transparente e sustentável.
Qual é a visão da Pay4Fun para o futuro do mercado de apostas no Brasil, considerando o cenário atual de alta informalidade? Que passos ainda são cruciais para que o país alcance um ambiente online totalmente regulado, seguro e que mitigue os riscos do mercado informal?
A Pay4Fun vê o futuro do mercado brasileiro de apostas com muito otimismo. Apesar do alto grau de informalidade inicial, acreditamos que o país tem potencial para se tornar o maior mercado regulado de jogos do mundo. Após uma queda esperada no final de 2024 — reflexo natural da transição para o novo marco regulatório —, o setor já demonstra sinais de recuperação. Nossa expectativa é que 2025 represente um ano de crescimento consistente para o mercado legalizado. Mas o avanço depende de passos estruturantes. A regulamentação precisa ser um processo contínuo, como ocorre no Reino Unido, que mesmo com décadas de experiência ainda promove ajustes anuais. É urgente também a regulamentação dos criptoativos pelo Banco Central, para fechar uma das principais portas para operações ilegais. Outro ponto essencial é o fortalecimento da SPA, com mais recursos, equipe técnica e autonomia para fiscalizar e agir com agilidade.
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Por Danandra Rocha e Wal Lima
postado em 15/06/2025 04:00