
Nesta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, voltou a sinalizar que não deve pautar medidas que elevem impostos no país. "Conforme tenho dito nos últimos dias, o clima na Câmara não é favorável para o aumento de impostos com objetivo arrecadatório para resolver nossos problemas fiscais", escreveu Motta, no X.
No mesmo dia, ficou acordado entre o presidente e os parlamentares que a urgência do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derruba a elevação de alíquotas do IOF sobre operações de câmbio, seguros e crédito para empresas, será votada já amanhã (16), devido ao feriado de Corpus Christi.
Entre mais de 20 propostas enviadas à mesa da presidência, o presidente da Câmara vai pautar o PDL 314, de autoria do deputado Zucco (PL-RS), que endossou a narrativa sustentada por congressistas em torno do aumento de impostos. "Nós temos que mostrar ao governo que não é aumentando imposto, que não é por meio de um confisco, que nós vamos arrumar a economia do Estado", afirmou o parlamentar.
Com a sinalização do Congresso de que não deve haver muitas brechas para o aumento de arrecadação via novas taxações, especialistas acreditam que o espaço para aumentar impostos está acabando. "Eu acho que esse é um indicativo importante. Além de ser um dos mais elevados (o sistema tributário no Brasil) é, também, um dos mais complexos", destaca Rodrigo Provazzi, consultor e executivo de gestão de riscos.
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Para o especialista em economia na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) Alexandre Sarquis, apesar da elevada carga tributária que os contribuintes devem honrar todo ano, o economista acredita que há outros problemas que devem ser debatidos.
"O patrocínio da ação estatal se dará de alguma forma, seja por tributos propriamente ditos, tais como o IOF, seja por alocações indiretas, tais como a inflação e o endividamento público. Estes, embora funcionem para sustentar a ação estatal em última análise, acabam ocorrendo menos às claras, resultando em um fechamento caótico das contas públicas", avalia.
Para o especialista da Fipecafi, o Congresso Nacional tem ganhado força na definição do orçamento público. "Não apenas para aprová-lo, como ocorre nas repúblicas modernas, mas para desenhá-lo", destacou o especialista, que cita como exemplo as emendas parlamentares, que consomem uma margem considerável do Orçamento Federal, além de vetos derrubados em propostas que criam gastos continuados.
"Em minha leitura, esse é o grande descompasso que nosso presidencialismo tem vivido. Estamos nos aproximando de um parlamentarismo orçamentário clandestino. Mas não dispomos das instituições que essas formas de governo desenvolveram. É um panorama complexo, em que quem elege os fins - despesas - não precisa apontar os meios — receitas — de forma consistente e sustentável", pontua o especialista.
As mudanças no IOF tinham o objetivo de elevar em R$ 20,5 bilhões a arrecadação do governo federal ainda este ano e em R$ 61,5 bilhões até o final de 2026. No entanto, com as mudanças promovidas no texto original desde o primeiro desenho, o governo ainda estuda o quanto deve ser acrescido ao Orçamento, enquanto aguarda uma definição do PDL no Congresso.
Se confirmada a aprovação do PDL, será a primeira vez em 25 anos que um decreto do Executivo é derrubado pelo Congresso. Para o consultor Rodrigo Provazzi, isso significaria uma derrota muito dura para o governo. "Fica um ambiente ainda mais difícil para o ministro da Fazenda. Eu digo infelizmente, pois dentro do governo, ele é uma das pessoas que têm uma visão clara da necessidade do ajuste fiscal", considera.
Medida não agrada setor produtivo
A Medida Provisória 1.303/2025, publicada no último dia 11, gerou novas reações do setor privado e não foi bem recebida dentro do Congresso Nacional. O texto estabelece o fim da isenção de títulos como Letra de Crédito Agrícola (LCA), a Letra de Crédito Imobiliário (LCI), que passam a ter incidência de Imposto de Renda (IR) em 5% sobre novas emissões. A mudança também impacta outras debêntures que antes possuíam o incentivo da isenção em relação a outros investimentos.
No caso dos títulos que já eram tributados pelo governo, o governo estabeleceu uma alíquota fixa de 17,5% sobre esses rendimentos, que também valem para as criptomoedas, que antes eram isentas em operações até R$ 35 mil. Segundo o governo, a taxa fixada corresponde à média já aplicada no país nessas operações. Além disso, o texto aumenta a tributação sobre o faturamento bruto das bets e casas de apostas online, de 12% para 18%.
Com essas medidas, o governo espera arrecadar R$ 10,5 bilhões ainda este ano e mais R$ 20,6 bilhões, no próximo. Mesmo assim, as mudanças não foram bem vistas por diversos setores. Em manifesto assinado por 20 frentes parlamentares, há críticas contundentes a respeito da medida provisória publicada pelo governo, que foi apelidada pelos congressistas de "MP Taxa-tudo".
Na visão das frentes, que representam grande parte do setor produtivo no Congresso Nacional, a medida compensatória à elevação do IOF foi "criada às pressas" pelo governo e se apresenta como uma "solução frágil e temporária que apenas mascara o problema fiscal, sem atacar suas verdadeiras causas". Na nota, elas ainda defendem a "imediata devolução" da MP, que deve ser votada no Congresso em até 120 dias, para não perder a validade.
Desafios na lei
Para o sócio do Lavez Coutinho e mestre em Direito Tributário, Arthur Pitman, a proposta de fixar o IR em 17,5% pode gerar polêmica, visto que, pela lei atual, só existe ganho de capital — ou seja, lucro sujeito a imposto — quando o bem ou investimento é de fato vendido.
"Assim, ao vincular a incidência do IRRF a uma conversão formal entre modalidades de registro — e não a uma efetiva transferência de titularidade — o dispositivo pode afrontar princípios tributários fundamentais, como o da legalidade estrita e da materialidade da hipótese de incidência", sustenta.
No caso das bets e casas de apostas on-line, o aumento de 12% para 18% pode gerar imprevisibilidade e insegurança jurídica para um setor ainda não consolidado no país, como na Europa ou na América do Norte, por exemplo, como avalia o especialista em Direito Tributário de Martorelli Advogados, João Amadeus Santos. "Esse aumento repentino, sobretudo no cenário de recuo parcial do governo no IOF, demonstra uma ânsia arrecadatória posta em prática sem planejamento e sem diálogo com a sociedade, que, em última instância, é quem suporta a tributação".
Já em relação à incidência do IR sobre as LCIs, LCAs, e outros títulos e debêntures incentivados, o advogado tributarista e sócio do RCA Advogados, Leonardo Roesler, considera que, ao elevar a alíquota para 5%, a MP impõe um encargo tributário que deve ser repassado ao custo final de captação das instituições que emitem esses títulos.