Investigação

Operação da PF e da CGU derruba o presidente do INSS

Stefanutto é alvo de buscas na investigação que apura um esquema de descontos ilegais nas contas de aposentados e pensionistas

Ao detalhar a operação, em coletiva, Lewandowski explicou que o crime envolvia assinatura de contratos entre o INSS e entidades de classe -  (crédito:  Antonio Cruz/Agência Brasil)
Ao detalhar a operação, em coletiva, Lewandowski explicou que o crime envolvia assinatura de contratos entre o INSS e entidades de classe - (crédito: Antonio Cruz/Agência Brasil)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ontem a demissão do presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, após o nome do dirigente figurar entre os alvos da Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), que investiga um esquema de fraudes em descontos ilegais sobre aposentadorias e pensões, estimado em R$ 6,3 bilhões. Desde 2024 que o Tribunal de Contas da União (TCU) denunciava irregularidades no INSS.

A demissão ocorre em meio a uma crise que atinge diretamente a estrutura do sistema previdenciário federal. Stefanutto, servidor de carreira da Advocacia-Geral da União (AGU) e nome de confiança do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, havia sido afastado do cargo por ordem judicial no início da manhã, quando a operação foi deflagrada em 14 unidades da Federação.

As ações ocorreram no Distrito Federal, Alagoas, Amazonas, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. A ofensiva mobilizou mais de 700 policiais federais e 80 auditores da CGU, com o cumprimento de 211 mandados de busca e apreensão, seis de prisão temporária, mas três deles ainda não localizados, além de medidas de sequestro de bens superiores a R$ 1 bilhão.

O esquema criminoso era sustentado por Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados entre o INSS e entidades de classe, como associações e sindicatos, que permitiam descontos automáticos nas folhas de pagamento dos segurados. Esses descontos, legalmente permitidos mediante autorização expressa e individual do beneficiário, vinham sendo executados sem o consentimento dos aposentados e pensionistas.

A gravidade do caso levou os ministros da Justiça, da CGU e da Previdência Social a concederem uma entrevista coletiva conjunta no final da manhã de ontem, no auditório do Ministério da Justiça, em Brasília. O ministro Ricardo Lewandowski classificou a operação como um esforço de proteção à população idosa e vulnerável. "Trata-se de uma operação de proteção aos aposentados, porque foi uma fraude contra pessoas que estão em uma fase mais adiantada da vida e, por isso, foram vítimas fáceis de criminosos que se apropriaram das pensões e das aposentadorias", disse.

Segundo Lewandowski, o presidente Lula demonstrou "preocupação" com o caso e exigiu celeridade nas investigações. "O que se verifica é que os aposentados e pensionistas foram vítimas fáceis de pessoas inescrupulosas que, de maneira criminosa, se apropriaram de valores que lhes eram devidos", declarou.

O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, garantiu que os recursos desviados deverão ser restituídos aos beneficiários. "Mediante requisição e apuração interna, esse dinheiro terá que ser restituído àqueles dos quais foi retirado indevidamente. Nosso papel é defender o aposentado e pensionista", disse.

Com a operação, o governo federal anunciou a suspensão imediata de todos os ACTs vigentes que envolviam descontos de mensalidades associativas diretamente nas aposentadorias e pensões. Ao todo, 11 entidades foram alvo de medidas judiciais. Entre elas estão, Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos(Ambec), Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (Acolher), Caixa de Assistência aos Aposentados e Pensionistas (CAAP), entre outras.

Reclamações

De acordo com o TCU, o número de reclamações registradas no site "Reclame Aqui" relativas aos descontos indevidos por entidades associativas já demonstravam a constatação. Os dados obtidos pela equipe de fiscalização indicam uma avaliação pouco satisfatória do serviço prestado por essas entidades, bem como que a maior parte das reclamações se deve justamente a descontos indevidos e não autorizados realizados pelas entidades.

Foram registrados de fevereiro de 2021 a fevereiro de 2024 quase 30 mil reclamações, com destaque negativo para a Ambec, Conafer, Universo e Unaspub, com mais de 2 mil reclamações cada. Outro fato que chamou a atenção dos auditores foi o avanço vertiginoso na quantidade de filiados a essas entidades. O quantitativo total de associados subiu mais de 150% em dois anos, passando de 2.222.460 para 5.558.715, entre dezembro de 2021 e dezembro de 2023.

Algumas associações como Ambec, Associação Brasileira dos Servidores Públicos (ABSP), Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), tiveram crescimentos exponenciais. A Ambec, por exemplo, tinha apenas 3 associados em dezembro de 2021, saltando para mais de 600 mil associados em dezembro de 2023.

A CBPA, que não tinha associados em 2021 e 2022, terminou o ano de 2023 com mais de 340 mil associados. A Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB), que tinha apenas 53 mil associados em 2021, saltou para mais de 210 mil em dezembro de 2023 e assim várias outras associações tiveram acentuado crescimento de associados no período. O rápido crescimento, ocasionou um aumento no montante repassado. Segundo o TCU, em dois anos, um dos repasses, da ordem de R$ 544,7 milhões foi para mais de R$ 1,5 bilhão, um aumento de 184,7%.

Operação

De acordo com o ministro da CGU, Vinícius Marques de Carvalho, em 2023, a CGU iniciou auditorias que revelaram a ausência de documentação obrigatória em 70% das entidades conveniadas e a inexistência de estrutura para prestar os serviços oferecidos.

As apurações foram baseadas em entrevistas com 1.300 aposentados. "Várias dessas pessoas, a grande maioria delas, não tinham autorizado esses descontos. Esses descontos eram, em sua grande maioria, fraudados em função de falsificação de assinaturas, em função de uma série de artifícios utilizados para simular essa manifestação de vontade que não era uma manifestação de vontade real dessas pessoas", afirmou Carvalho.

Segundo o ministro, mais de seis milhões de pessoas sofrem, mensalmente, algum tipo de desconto associativo em seus benefícios. "É importante que todas as pessoas saibam exatamente por que estão sendo descontadas e que elas, obviamente, tenham declarado e manifestado plenamente a vontade de contribuir com esses descontos para as associações", pontuou.

Além de Stefanutto, foram afastados de suas funções o diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, Vanderlei Barbosa dos Santos; o procurador-geral junto ao INSS, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho; o coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente, Giovani Batista Fassarella Spiecker, e o coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios, Jacimar Fonseca da Silva, além de um policial federal, que não teve sua identidade revelada. Entre os bens apreendidos estão carros de luxo, grandes quantias em dinheiro, joias e quadros de alto valor. Os números exatos ainda estão sendo levantados pelas autoridades.

Resgate do dinheiro

Os aposentados e pensionistas que identificarem descontos indevidos podem solicitar, de forma automática, a exclusão dos débitos pelo site ou aplicativo "Meu INSS", ou ainda pela Central 135. Segundo o governo, as entidades também serão obrigadas a excluir imediatamente qualquer desconto que não tenha autorização formal. A AGU anunciou a criação de um grupo especial para buscar reparação de danos causados por fraudes no INSS, inclusive, para reaver os valores descontados ilegalmente dos aposentados e pensionistas.

 

postado em 24/04/2025 03:32
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