Cinema

Adélia Sampaio é homenageada por seu legado no cinema pela Malala Filmes

A cineasta Adélia Sampaio inspira mulheres negras da periferia a entrarem no audiovisual em projeto com a professora da UnB Edileuza Penha e a Malala Filmes

Cineasta Adélia Sampaio aos 81 anos -  (crédito: Divulgação/Malala Filmes)
Cineasta Adélia Sampaio aos 81 anos - (crédito: Divulgação/Malala Filmes)

Primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil, Adélia Sampaio volta a ser celebrada por seu legado e por abrir caminhos para outras mulheres. Nesta sexta-feira (7/11), a renomada diretora foi homenageada em Brasília pela criação da Escola de Cinema Negro Adélia Sampaio, inaugurada oficialmente em agosto de 2025. O projeto foi idealizado pela professora Edileuza Penha de Souza, da Universidade de Brasília (UnB), em parceria com a Malala Filmes, comandada por Martha Rocha. 

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O CORREIO BRAZILIENSE NOGoogle Discover IconGoogle Discover SIGA O CB NOGoogle Discover IconGoogle Discover

A iniciativa nasce como um gesto de reparação e continuidade. “Foi uma ideia que surgiu lá atrás com a Edileuza”, relembra Adélia. “Eu achei ótimo, porque posso passar conhecimentos e vivências de cinema para jovens, de preferência de cor, não excluindo as pessoas brancas. Mas eu acho que a oportunidade é muito difícil para mulheres negras.”

Edileusa Santos, Adélia Sampaio e Martha Rocha
Edileuza Penha, Adélia Sampaio e Martha Rocha (foto: Divulgação/Malala Filmes)

A simplicidade e a força de Adélia atravessam cada frase. “Minha mãe era empregada doméstica. Fiquei internada num asilo durante muito tempo. Saí por 13 anos do asilo pra encontrar minha mãe”, conta. O cinema entrou em sua vida quase por acaso, pelas mãos da irmã mais velha, que trabalhava em uma empresa de filmes. “Ela me levou pra ver Ivan, o Terrível. Fiquei completamente abestada. Me senti quase dentro da tela. Quando terminou o filme, eu disse: ‘eu vou fazer isso’.”

A partir daí, começou uma trajetória marcada por persistência e invenção. “Eu comecei como telefonista, observando as conversas até conseguir ir pra um set de filmagem. Aí enlouqueci”, diz. Sem recursos, recolhia pedaços de película que seriam descartados. “Comprei uma geladeira velha e punha tudo lá. Aí fiz meu primeiro curta, Denúncia Vazia, com Rodolfo Arena e Catalina Bonakie. Ganhei um prêmio com ele.”

Vieram depois obras como Adulto Não Brinca, inspirada em uma história real da periferia. “É um filme muito bonito, com meninos da zona oeste brincando de malhação de Judas”, descreve. Em 1984, ela lançou Amor Maldito, o primeiro longa dirigido por uma mulher negra no Brasil e também o primeiro da América Latina a abordar o amor entre duas mulheres.

Hoje, aos 81 anos, Adélia vê seu nome batizar uma escola que acolhe 20 jovens mulheres negras do Distrito Federal, oferecendo cursos gratuitos de audiovisual. “Tem curso de câmera, som, maquinário, roteiro e fundamentos do audiovisual brasileiro”, explica Edileuza Penha , coordenadora do projeto. “A gente está criando uma escola de cinema que a gente possa sonhar, que pense diversidade e direitos humanos. Entender que sonhos podem se tornar realidade e, acima de tudo, homenagear Adélia em vida. Ela foi uma mulher apagada da história, e o cinema brasileiro deve esse reconhecimento.”

Além  de oferecer a capacitação, o projeto também oferece uma bolsa de transporte para as alunas comparecerem às aulas. “São 20 mulheres que no próximo ano estarão prontas para entrar no mercado de trabalho do audiovisual”, conta a professora Edileuza.

Entre as alunas, está Ester Cruz, 27 anos, a primeira estudante da escola. “Comecei na Malala como freela, e depois fiquei fixa. O professor era o Fydell Botti, um diretor de fotografia negro super reconhecido. Ele começou a me dar aulas dentro do set”, conta. Hoje, Ester trabalha em produções da Malala e já se prepara para usar novas tecnologias no audiovisual. “Estamos com um investimento para produzir com inteligência artificial. É abrir portas e nos capacitar dentro dessa nova tecnologia.”

Para Martha, responsável pela Malala Filmes e uma das idealizadoras do projeto, a escola representa uma mudança concreta na estrutura do audiovisual brasileiro. “Ninguém achava que fosse dar certo”, recorda. Para ela, os números evidenciam o tamanho do desafio: “Existe uma pesquisa da Agência Nacional do Cinema (Ancine) que acompanhamos por três anos, e ela mostra que 79% dos profissionais do audiovisual são homens brancos. Apenas 2% são pessoas pretas — homens e mulheres. Isso é um dado que me chocou profundamente.”

A cineasta Joyce Prado, que participou da 7º Mostra Competitiva de Cinema Negro da Adélia Sampaio, no Cine Brasília, vê nesse encontro de gerações um marco. “Estar presencialmente na Mostra Adélia Sampaio é um encontro potente. É emocionante chorar, ter o reconhecimento, a identificação. A gente se coloca vulnerável, disponível para escuta e partilha no cinema”, destaca. “Essa fusão da abertura da escola com a mostra potencializou esse momento. É sobre partilha de conhecimento, sobre homenagear nossas mais velhas em vida”, acrescenta.

O projeto, iniciado em 2018, enfrentou inúmeros desafios até se concretizar. “Levamos muitos nãos, e é com um sim que a escola hoje existe”, afirma Edileusa. “Garantimos transporte, ensino de qualidade e professores de ponta. São 20 mulheres que no próximo ano estarão prontas para entrar no mercado de trabalho do audiovisual.”

  • Google Discover Icon
postado em 07/11/2025 18:25 / atualizado em 07/11/2025 18:26
x