
Em uma sexta-feira em São Paulo — onde desembarcou na quinta, após gravar no Rio, as cenas da novela Dona de mim, para encenar um fim de semana com a peça O que só sabemos juntos, ao lado de Denise Fraga —, Tony Ramos é só sorrisos enquanto conversa com o Correio, em uma entrevista exclusiva. Aos 75 anos, ele está em cartaz no teatro novamente, depois de duas décadas, e volta ao ar em uma novela das 19h — após 12 anos longe da faixa, em uma trama que ele caracteriza como "solar, vibrante, repleta de juventude e leveza". E é exatamente o que o sorriso dele transmite. Com 61 anos de carreira, o ator poderia estar cansado de trabalhar, mas, mesmo um ano após ser diagnosticado com um hematoma subdural e passar por duas cirurgias em 48 horas para evitar uma hemorragia fatal, ele não pensa em parar. É no set e no palco que Tony se sente em casa. E, como ele mesmo diz, sorri, sim, porque está feliz.
"É um momento de muita alegria. Estou feliz em reencontrar velhos companheiros, e também em conhecer essa turma nova, de muito talento.... É tanta gente boa reunida! E eu vou me realimentando na minha carreira, e isso me faz sentir que estou vivo", conta Tony, com entusiasmo e uma elegância que lhe é peculiar ao preferir que a reportagem não cite os nomes que ele fala porque são só exemplos que vieram à memória no momento. "Nunca pensei em parar. Eu tenho minha aposentadoria, mas adoro fazer novela, televisão, teatro, cinema. Tenho consciência do que faço. E respeito a quem me assiste."
Essa habilidade de se reinventar, de dialogar com o presente sem se perder do passado, é uma das marcas de Tony. Em 2024, por exemplo, o veterano da tevê brasileira encerrou a participação na novela Terra e paixão, atuou na segunda temporada da série Encantado's e foi jurado do programa de auditório The Masked Singer Brasil — experiência que descreve como "algo novo e especial".
"Ali, estavam personagens das novelas que marcaram época. Era um programa musical, um jogo para a família brasileira, e eu me diverti muito. Foi também o ano em que completei 60 anos de carreira, então não poderia ter sido mais simbólico", reflete o paranaense que conquistou o país, lá nos primórdios da teledramaturgia, como uma espécie de representação do herói romântico da literatura.
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Sempre em cena
Seis décadas. É um número que impõe reverência e expõe excelência. Tony tem de carreira o mesmo tempo que a TV Globo tem de existência e pode-se dizer que é um dos únicos dessa geração ainda em atividade constante na telinha da emissora. Ele, porém, fala disso com modéstia: "Só quando alguém pergunta é que me dou conta. São 61 anos. Quando cheguei à Globo, fiquei apreensivo. Já vinha de 12 anos de TV Tupi e a Globo era uma empresa consolidada na audiência. E o que encontrei foi uma emissora feita por gente brasileira, para gente brasileira. Do Hora Um até o Jornal da Globo, passando pelas novelas, a televisão é feita aqui, por nós, para nós, todos os dias. Isso explica esses 60 anos de sucesso, e eu me orgulho de fazer parte dessa jornada", avalia.
Tony nunca saiu de cena. Da estreia na televisão, em A outra (1965), na TV Tupi, até hoje, não houve um ano sem sua presença na casa dos brasileiros. E talvez o segredo de sua longevidade esteja nessa alegria visível em cada novo desafio. "É uma carga de trabalho puxada, mas é uma alegria estar no palco, fazer uma novela que é um sucesso absoluto. As pessoas me reconhecem, me abordam. O segredo é mostrar ao público que estou sempre inquieto, sempre buscando histórias que se sustentem", defende o ator, que, em seus mergulhos cênicos, fez de tudo: surdo-mudo, gêmeos, playboy, bandido, padre, italiano, grego e até indiano.
Ainda que espaçadamente, o cinema também o abraça. Da franquia blockbuster Se eu fosse você, passando pelo papel-título do biográfico Getúlio, ao mais recente lançamento, A lista, que ele voltou a gravar logo após deixar a mesa de cirurgia. "Foram duas cirurgias (em maio). E, 45 dias depois, eu estava filmando, participei de especial, continuei com a peça (O que só sabemos juntos). Me apresentei em Brasília (em setembro) já operado", lembra ele, que mantém um casamento duradouro de 56 anos com Lidiane Barbosa e teve sua trajetória desenhada no livro Tony Ramos: no tempo da delicadeza (Coleção Aplauso perfil, 2006), de Tânia Carvalho.
Sem temer o novo
"Não tive medo de ir embora, assim como sigo não tendo", admite Tony. Mais do que acompanhar mudanças, ele as compreende. Não teme o novo — apenas exige que haja substância. E isso vale para a vida, para a família, para o trabalho. "A linguagem da televisão, por exemplo, muda, mas nunca será diferente se o texto for bom. O equipamento muda, sim. Mas o ator precisa estar ligado à temática, ao que move a história. O resto é perfumaria."
O ator, porém, se mostra crítico a um consumo acelerado e fragmentado de conteúdo. "Esse negócio de correr, que ninguém aguenta mais que um minuto e meio, tudo é clipe... isso é um horror. A grande maioria fica ligada no telefoninho, no tablet, vendo coisas que nem sabe por que viu. Viu sei lá 100 vídeos que nem lembra. Essa constatação é dolorosa", lamenta.
Mas Tony não faz apologia "barata e boba" de não entender o que é a ferramenta nova da rede social. "Não tenho, não participo, nem sei o que é. Mas uso o que me acrescenta. Vejo entrevistas no YouTube, por exemplo, como a do Marcello Mastroianni, que me indicaram. Foram 40 minutos lindos. Sirvo-me das ferramentas novas, sim, mas daquilo que me acrescenta", pontua o antenado artista, que não abre mão de ler jornais diariamente, editoriais, além de livros sobre política e economia.
"Eu venho de um tempo em que as cenas tinham diálogos longos, que hoje estão em desuso, mas, se houver histórias atraentes, com mistério e envolvimento, as pessoas ficam", garante Tony, que ressalta também o prazer de atuar em um texto da autora Rosane Svartman, mente por trás da atual novela. "Ela respeita o folhetim, que se sustenta no tripé de triângulos amorosos, paixão e suspense. E também discute temas como adoção, diversidade. Ela observa o mundo, percebe, sente. Tem uma visão muito forte do todo."
Unanimidade entre colegas, autores e diretores, Tony Ramos é também um homem que aprende e ensina. Quando perguntado sobre o que costuma dizer aos jovens atores que o consultam como um veterano, ele responde com a humildade dos grandes mestres. "Assim como eu, quando comecei, conversava com Laura Cardoso, Lima Duarte, falava sobre a profissão, é normal um jovem ator querer ter ideias, pegar conselhos. Então, digo que decorem seus textos, mergulhem no estudo, tenham disciplina. E saibam que essa profissão é feita de paixão", finaliza ele. E assim, Tony Ramos nos lembra por que a excelência permanece: nunca deixou de ser, Antônio de Carvalho Barbosa, um apaixonado.
Três pilares de Tony Ramos
Ao longo de seis décadas de carreira, Tony Ramos construiu uma trajetória sólida pautada em três fundamentos que ele repete como um mantra — e que servem de guia para qualquer artista comprometido com a sua arte:
Paixão
“Essa profissão é feita de paixão.” Tony encara cada novo personagem como se fosse o primeiro, com entusiasmo genuíno e entrega total. Seu amor pela atuação é visceral — e contagiante.
Disciplina
Seja no teatro, na televisão ou no cinema, ele chega sempre com o texto decorado, pronto para o trabalho, respeitando colegas e equipe técnica. “Decorem seus textos, mergulhem no estudo”, recomenda.
Curiosidade
Em vez de se apegar ao passado, Tony olha para o presente com interesse. Experimenta, observa, se atualiza. “Não viro os olhos para o que é novo”, afirma.
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