
Por Arthur Mendes Lobo* e Edson Marcelino Lazarini** — O recente julgamento do RE 1.558.191/SP pela 2ª Turma do STF e a Lei 14.905/2024 geraram uma questão crucial: quando uma sentença transitada em julgado fixou juros de 1% ao mês mais correção monetária pelo TJSP, esses critérios devem ser substituídos pela aplicação da Selic? A resposta é categórica: não.
A coisa julgada funciona como uma muralha intransponível. Quando o Judiciário fixa expressamente os critérios de atualização monetária, esses se tornam imutáveis, mesmo diante de mudanças legislativas ou jurisprudenciais posteriores. É como tentar alterar o resultado de uma partida já encerrada: juridicamente impossível.
O STJ foi cristalino no EDcl no AREsp 2723247/RS: "A alteração dos índices estabelecidos no título judicial configura violação à coisa julgada." Essa decisão estabelece uma distinção fundamental entre duas situações: títulos judiciais expressos versus títulos omissos.
Imagine duas empresas condenadas no mesmo dia. A primeira teve sua sentença fixando "juros de 1% ao mês e correção pelo TJSP". A segunda, apenas "juros legais".
Após a Lei 14.905/2024, a primeira mantém seus critérios originais (coisa julgada), enquanto a segunda passa a aplicar o novo regime legal. Mesma data, destinos diferentes.
O marco temporal de 30/08/2024 criou um sistema de dupla velocidade. Para títulos omissos, aplica-se a Selic até esta data e o novo regime posteriormente. Para títulos expressos, mantém-se integralmente o que foi decidido, independentemente da data.
Essa solução não representa "enriquecimento sem causa", mas segurança jurídica.
O STF, ao não conceder modulação temporal no RE 1.558.191/SP, reconheceu que apenas reafirmou jurisprudência consolidada, não criou direito novo. A estabilidade das decisões judiciais é pilar fundamental do Estado de Direito.
A ministra Maria Isabel Gallotti (RE 2161359/RS) sintetizou perfeitamente: "Os juros de mora legais são regidos pelas sucessivas leis em vigor durante o período de mora." O princípio tempus regit actum opera como uma máquina do tempo jurídica: cada período é governado pela lei então vigente, mas a coisa julgada congela definitivamente os critérios fixados.
Na prática: liquidações de sentença devem verificar se houve fixação expressa de critérios. Se sim, aplicam-se integralmente, como cláusula pétrea processual. Se não, segue-se o regime legal aplicável a cada período. A hierarquia é clara: coisa julgada, convenção, lei específica e, subsidiariamente, art. 406 do Código Civil.
Essa sistemática protege a previsibilidade econômica e evita o caos de recálculos retroativos. Empresas e cidadãos podem confiar que decisões judiciais definitivas permanecerão estáveis, independentemente de ventos jurisprudenciais futuros.
A lição é emblemática: em direito, como na física, algumas forças são irresistíveis, mas a coisa julgada é um objeto verdadeiramente imóvel.
Advogado e professor. Pós-doutorando em direito civil, doutor em direito processual e sócio do escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados *
Contador e advogado. Especialista em finanças, controladoria e auditoria e sócio do escritório de perícias contábeis Angesp**
Saiba Mais

Direito e Justiça
Direito e Justiça
Direito e Justiça