
Por Nasser Ahmad Allan* — Nos últimos meses, o Supremo Tribunal Federal vem protagonizando novo capítulo no processo de flexibilização do Direito do Trabalho, com decisões que mitigam a proteção social assegurada pela Constituição. Um exemplo é a suspensão das ações trabalhistas que discutem a validade da "pejotização", determinada pelo ministro Gilmar Mendes.
O termo, cada vez mais comum, designa a substituição do contrato tradicional — firmado com a pessoa física — por outro, em nome de pessoa jurídica pertencente ao próprio trabalhador. Assim, o empregado Fulano de Tal passa a ser contratado como "Fulano de Tal MEI". Essa mudança não é meramente formal: altera a natureza jurídica da relação, que deixa de ser regida pelo Direito do Trabalho e passa ao Direito Civil.
Enquanto o empregado celetista tem direito a férias, 13º salário, FGTS e adicionais, o "pejotizado" recebe apenas o que consta no contrato. A vantagem aparente de menor tributação traz prejuízo não só ao trabalhador, mas também à Previdência e à Receita Federal. Um exemplo: recebendo dois salários mínimos (R$ 3.036,00), um empregado e seu empregador recolheriam juntos R$ 868,65 ao INSS; como MEI, o recolhimento cai para R$ 75,90 — diferença de 1.150% em desfavor da Previdência.
Embora nem todo contrato de pessoa jurídica seja fraudulento, há fraude quando, presentes os requisitos do vínculo empregatício (pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade), a relação é mascarada sob aparência civil. Mesmo assim, parte dos ministros do STF tem sinalizado preferência pela "objetividade contratual", ou seja, pela validade formal do contrato, ainda que contrarie a realidade.
Esse entendimento já incentiva anúncios de vagas para funções típicas de emprego — como assistentes administrativos — em regime PJ, com jornadas de 40 a 44 horas e salários de 2 a 4 mil reais. O que antes seria visto como violação flagrante de direitos começa a se normalizar, à espera da chancela do STF para institucionalizar a fraude.
Segundo a PNAD Contínua, o rendimento médio do trabalhador no quarto trimestre de 2024 foi de R$ 3.343,00, valor compatível com o enquadramento como MEI. Assim, eventual decisão do Supremo conferindo legalidade irrestrita à pejotização reduzirá em pelo menos 20% os custos de folha, apenas pela dispensa da contribuição patronal ao INSS. Tal cenário tornaria o contrato CLT exceção, esvaziando o alcance do Direito do Trabalho.
Além de ampliar a precarização, a medida ameaçaria o equilíbrio financeiro da Previdência, diante da migração massiva de vínculos celetistas para contratos "pejotizados". O resultado provável é a corrosão da proteção social e o enfraquecimento estrutural do trabalho formal no Brasil.
Advogado e doutor em direito pela UFPR*
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