
Por Fernanda Pederneiras* — É possível a penhora de bens de família depois do falecimento do proprietário?
O bem de família sempre foi visto como um reduto protegido, blindado contra a cobiça dos credores. Mas o que acontece quando o proprietário morre? A resposta pode incomodar: em determinadas situações, esse patrimônio pode, sim, ser penhorado. E aqui está a polêmica: será que estamos diante de uma afronta à ideia de proteção da família ou de uma necessidade para garantir justiça nas relações patrimoniais?
A discussão deve partir da Lei nº 8.009/1990, que estabelece a impenhorabilidade do bem de família, ou seja, a proteção do imóvel residencial contra cobranças judiciais, salvo em hipóteses específicas, como dívidas relacionadas a pensão alimentícia ou tributos vinculados ao próprio bem. Trata-se de uma norma que busca assegurar o direito fundamental à moradia e garantir estabilidade às famílias, mesmo diante de dificuldades financeiras.
No entanto, surge a questão: após a morte do proprietário, essa proteção se mantém? Parte da jurisprudência vinha admitindo a possibilidade de penhora, sob o argumento de que, não mais servindo como residência do devedor, o imóvel passaria a ser patrimônio da herança, podendo ser executado para saldar dívidas. Mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgamento, deu novo fôlego à discussão ao reformar um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). O entendimento firmado foi o de que a impenhorabilidade deve ser preservada quando os herdeiros residem no imóvel, estendendo-se, portanto, a proteção também a eles.
Esse posicionamento reacende o debate. De um lado, credores que veem frustradas suas expectativas de recebimento; de outro, famílias que encontram no bem de família a única forma de manter sua moradia. A decisão do STJ reforça a função social da norma, mas também amplia as tensões sobre os limites da responsabilidade patrimonial. Afinal, até que ponto é justo que dívidas fiquem descobertas para preservar a residência dos sucessores?
Defender a possibilidade de penhora não significa enfraquecer a proteção familiar, mas reconhecer que o instituto não pode se transformar em escudo absoluto para injustiças. Por outro lado, admitir que o imóvel permaneça imune à execução mesmo após o falecimento pode ser visto como uma vitória da dignidade humana sobre a lógica financeira. O fato é que o equilíbrio entre o direito de moradia e o direito de crédito seguirá sendo uma das arenas mais desafiadoras do Direito contemporâneo.
O debate é incômodo justamente porque toca em valores fundamentais. Mas talvez seja esse o papel do Direito: provocar, questionar e buscar soluções que conciliem interesses em choque. O bem de família, mesmo após o falecimento do proprietário, não pode ser tratado como tabu. Se a herança é partilha de direitos, ela também deve ser partilha de deveres, ainda que, por vezes, o Estado escolha privilegiar o teto sobre a dívida.s da tramitação deste PL, podemos ter, no Brasil, o início de uma "era digital" devidamente regulamentada, respeitando os limites não só legislativos, mas também — em paralelo — dos usos e costumes envolvendo a inteligência artificial.
Advogada especialista em direito de família e sucessões e pós-graduada em direito processual civil*
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