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Visão do Direito: O golpe do falso advogado e o dever de proteger a confiança da Justiça

" A responsabilidade pela proteção é compartilhada, e a advocacia deve ser a protagonista, mantendo-se continuamente atualizada em práticas e ferramentas de segurança e adotando estratégias..."

João Paulo Schoucair e Rodrigo Badaró, conselheiros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
 -  (crédito: Divulgação)
João Paulo Schoucair e Rodrigo Badaró, conselheiros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - (crédito: Divulgação)

Por João Paulo Schoucair e Rodrigo Badaró* — O avanço da digitalização do Poder Judiciário trouxe ganhos inegáveis de celeridade e transparência. A adoção de plataformas digitais (ex.: do PJE), hoje presente em praticamente todos os tribunais do país, tornou o acesso à Justiça mais democrático e menos burocrático, possibilitando, inclusive, a realização de audiências virtuais. Contudo, a mesma tecnologia que aproxima o cidadão vem sendo usada de forma perversa, ante a escalada do chamado golpe do falso advogado ou fake lawyer scam, que atualmente desperta preocupação do Poder Judiciário brasileiro.

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem recebendo inúmeras denúncias sobre criminosos que se passam por advogados para enganar os jurisdicionados. São fraudes que exploram a boa-fé do cidadão, valendo-se de informações extraídas de processos eletrônicos para dar aparência de veracidade.

Nesse ponto específico, é importante consignar que o Brasil é campeão mundial em fraudes virtuais, numa formatação serial em que um em cada três brasileiros já sofreu golpe na internet, cuja soma atingiu o patamar de 56 milhões de vítimas no ano passado. Dito isso, o ambiente virtual judicial não conseguiria ficar imune às investidas do crime, sendo certo que é imprescindível reafirmar a relação de confiança entre o advogado e seu constituído, num ambiente de segurança.

Os golpistas utilizam diversas estratégias para aplicar fraudes. Entre as mais comuns estão o uso de identidade de advogados verdadeiros, a clonagem de WhatsApp de escritórios jurídicos, cobranças indevidas de honorários por processos inexistentes e a falsa promessa de liberação de valores judiciais mediante pagamento de taxas antecipadas. Há ainda casos em que criminosos se apresentam como representantes legais em ações judiciais sem nunca terem sido constituídos, e até golpes direcionados a familiares de presos, oferecendo a liberdade do detento em troca de pagamentos.

Por conseguinte, o CNJ tem atuado em diversas frentes, inaugurando, em abril de 2024, a obrigatoriedade da autenticação multifator para acesso aos sistemas judiciais sensíveis. A medida representa um divisor de águas na segurança digital do Judiciário. Senhas isoladas deixaram de ser suficientes: o usuário precisa confirmar sua identidade por meio de um segundo fator, como biometria ou aplicativo autenticador, para acesso a sistemas sensíveis.

Para além disso, foram implantados alertas automáticos de segurança, que notificam o usuário sempre que um novo dispositivo tenta acessar sua conta. Outras medidas, como o bloqueio de robôs de automação, limite de consultas processuais diárias e a integração de cadastros estão em fase de estudos e avaliação.

Em outra quadra, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também tem cumprido papel essencial, com campanhas de conscientização e a criação da plataforma ConfirmAdv (https://confirmadv.oab.org.br), que permite verificar em tempo real e em consulta livre ao público, em geral, se um profissional é, de fato, advogado regularmente inscrito.

Fincadas tais considerações, não se pode perder de vista que a proteção contra esse tipo de fraude não depende apenas das instituições. A responsabilidade pela proteção é compartilhada, e a advocacia deve ser a protagonista, mantendo-se continuamente atualizada em práticas e ferramentas de segurança e adotando estratégias, como a autenticação multifator em todos os acessos sensíveis, o uso de canais institucionais para comunicação (e-mail e domínio do escritório) e a troca de informações com clientes sobre quais são os únicos meios oficiais de contato e de cobrança, jamais realizando solicitações por números ou contas não previamente divulgados. O espaço para a fraude encolhe quando a advocacia lidera a cultura de verificação e o cliente sabe exatamente onde confirmar identidades, pagamentos e andamentos.

Cada cidadão também deve adotar cautelas simples, mas essenciais, obstando que o desejo de receber uma prestação jurisdicional rápida não se transforme em pesadelo. Assim, antes de efetuar qualquer pagamento ou compartilhar suas informações, é indispensável que o cidadão confirme a identidade do advogado e desconfie de propostas com descontos mirabolantes ou exigências de transferência imediata. Se o falso advogado alegar estar atuando em processo judicial em seu nome, é relevante consultar diretamente o tribunal ou o sistema processual para verificar a informação. É prudente ter atenção especial às mensagens urgentes pedindo pagamentos imediatos ou ofertas de descontos muito elevados para quitação de dívidas.

O enfrentamento ao golpe do falso advogado exige vigilância constante e colaboração entre instituições e sociedade. As medidas tecnológicas implementadas pelo CNJ, aliadas ao trabalho de fiscalização da OAB, representam avanços significativos. Outrossim, a informação e o cuidado redobrado do cidadão antes de compartilhar dados ou realizar pagamentos maximizarão a qualificada proteção contra todos os tipos de fraudes.

A resposta, portanto, não pode ser apenas reativa. O combate à fraude digital exige uma cultura de segurança compartilhada, em que tecnologia, prevenção e educação digital caminhem juntas. O Judiciário brasileiro está fazendo a parte dele, mas o efetivo combate demanda uma atuação proativa de toda a sociedade.

Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)*

 

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Por Opinião
postado em 30/10/2025 03:30
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